Trabalho com embalagens revela o mundo aos alunos

Por Daniella Lapidus

"Eu sou recifense, pois nasci em Recife, a minha recificidade me faz pernambucano, a minha pernambucanidade me faz nordestino, a minha nordestinidade me faz brasileiro, a minha brasilidade me faz latino-americano, a minha latinoamericanidade me faz cidadão do mundo e quanto mais disto eu for, mais competente e recifense eu serei. É isso que a escola tem que fazer, ligar a cidade local com o mundo."

As palavras de Paulo Freire dão uma rica contribuição ao ensino da Geografia quando se pretende explicar a utilidade desta disciplina na vida do estudante. O aluno precisa reconhecer sua identidade com o planeta, compreender que faz parte de um grupo de pessoas interdependentes, cujas ações, daqui pra frente, irão determinar o futuro da humanidade. O jovem deve se sentir atuante no processo de construção do lugar onde vive, ajudando a transformá-lo num ambiente adequado às necessidades de seus habitantes. Ser cidadão significa participar ativamente das mudanças na sociedade e a Geografia é um instrumento indispensável para a compreensão destas mudanças.

O tema, abordado pelo professor Eduardo José Pereira Maia, nos leva à reflexão sobre novas práticas de ensino que estimulem os alunos a apreender os conceitos geográficos de forma não massificada. Abandonar os métodos tradicionais nem sempre é possível, mas se houver alguma brecha, vale a pena alçar vôo em direção a novos rumos. E foi o que ele fez com a turma de 5.ª série do Colégio Estadual Hilário Ribeiro, localizado no bairro do Fonseca, zona norte de Niterói.

A intenção era desenvolver atividades que pudessem proporcionar ao aluno a capacidade de leitura do espaço geográfico por meio da representação em mapas. Para o professor, o importante, de imediato, era iniciar o trabalho com temas que a todo instante permitissem utilizar a linguagem da Geografia: "O primeiro passo foi fazer o aluno se situar, localizando o seu bairro, no mapa da cidade. Isso abriu caminhos para que ele identificasse o seu lugar no mundo", disse Eduardo.

A tarefa começou de forma bem artesanal. Como todos residiam no mesmo bairro, o docente pediu que os jovens representassem o lugar onde viviam para depois extrair dos desenhos elementos que pudessem ser utilizados na confecção dos trabalhos. Recorrendo aos mapas prontos, os alunos localizaram o bairro na cidade, a cidade no Estado e o Estado no país, buscando reproduzir os lugares com o máximo de fidelidade. Os mapas prontos também forneceram dados importantes como os pontos cardeais e colaterais, a escala e, ainda, as convenções cartográficas, isto é, a representação das paisagens por meio de símbolos e legendas, invadindo o universo da linguagem da Geografia.

Terminada a tarefa, os mapas foram comparados e a turma questionada sobre qual seria a representação mais fiel. Neste momento, o professor sugeriu que fosse feito um acordo para escolher qual seria o símbolo mais adequado para a construção de um só mapa que deveria ser entendido por todos: "As questões foram conduzidas de maneira que os alunos entendessem que não existe o certo e o errado. Ocorreu que cada um deles utilizou uma forma diferente de representação", avaliou o professor.

Eduardo percebeu que a atividade evoluía à medida que os adolescentes se sentiam sujeitos no processo de construção do espaço geográfico. Diante deste desafio, surgiu a idéia de elaborar uma maquete, empregando os recursos e a aprendizagem das aulas de mapas, legendas e convenções. Na confecção do projeto, foram empregados materiais de sucata, como caixas de remédios, e outros produtos trazidos pela turma.

Na primeira etapa, a classe foi dividida em grupos que tinham a função inicial de identificar a origem do produto através da leitura da embalagem. Após a observação e a anotação, os alunos procuraram, no mapa, as cidades onde as mercadorias foram produzidas. Depois as caixas se transformaram em casas, lojas comerciais, igrejas, fábricas, e outros estabelecimentos presentes no espaço reproduzido pelos alunos. Na maquete, surgiram cidades tipicamente industriais, outras mais voltadas aos serviços e áreas rurais. A classe se envolvia com o trabalho manual ao mesmo tempo em que novos conteúdos eram inseridos no aprendizado.

A aproximação com realidades diferentes ampliou os horizontes desta turma que nunca saiu de Niterói, aguçando a curiosidade de quem jamais atravessou a ponte. Após muita reflexão, a classe chegou a conclusões importantes sobre divisão de trabalho, atividade industrial, recursos naturais, conservação da natureza e relação do homem com o meio ambiente, constatando que os conteúdos foram assimilados.

Com a auto-estima aumentada, benefícios também foram percebidos na escrita individual da garotada, que passou a produzir melhores textos em Língua Portuguesa. No processo de avaliação, procurou-se interpretar o nível de qualidade do trabalho, a apreensão dos conceitos da Geografia, a participação e o crescimento individual do aluno no ambiente coletivo.

O projeto intitulado "Rótulos de Embalagens Revelam o Mundo" recebeu o prêmio Professor Nota 10, no ano 2000, uma espécie de Oscar concedido pela Fundação Victor Civita ao profissional de escola pública ou particular que se destaca na sua área de atuação.

Atualmente, Eduardo leciona no curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores da UERJ e conclui seu mestrado sobre Construção de Conhecimento, pelo CAPES, embora ainda alimente o sonho de um dia voltar a dar aulas no Ensino Fundamental. Investir na carreira por meio da educação continuada virou meta deste obstinado professor que não recusa desafios. A experiência com a turma que aprendeu a gostar da Geografia não passou incólume pela sua vida e os resultados obtidos em sala de aula fizeram com que ele refletisse sobre os rumos da profissão: "O professor não deve esquecer que a palavra-chave neste processo é a dedicação", finaliza.

Como aplicar os conceitos geográficos:

Convenções Cartográficas - É preciso explicar aos alunos que existem convenções cartográficas que facilitam a interpretação dos mapas. Diga a eles que qualquer paisagem pode ser representada, por meio de símbolos, legendas e diferentes cores. Mostre a relação do símbolo com o seu significado: por exemplo, a cor azul indica mares, rios e oceanos; o verde, a vegetação.

Divisão Política - Solicite uma pesquisa dos limites do bairro, da cidade e do país para que eles tenham noções de demarcação e fronteiras.

Pontos Cardeais e Colaterais - Este é um bom momento para apresentar a Rosa dos Ventos, que deve ser incluída cuidadosamente no mapa produzido pela turma.

Coordenadas Geográficas - A simples orientação não nos conduz aos lugares. Incentive os alunos a criar pontos de referência que podem ser feitos com as ruas paralelas e transversais. A identificação numérica de casas, igrejas, lojas e escolas do bairro ajuda a compreender que as coordenadas não são apenas números, mas lugares, cidades, países etc. Futuramente ficará mais fácil assimilar os conceitos de latitude e longitude.

Escala - O professor Eduardo procurou fazer os alunos compreenderem a escala de uma forma menos complicada. Para isso, buscou inspiração no sistema solar, utilizando barbante e bolas de isopor. Substitua cada 1 milhão de km por 1cm para estabelecer a relação de proporcionalidade.

Parques Industriais - A leitura das embalagens permite a identificação, no mapa, da procedência do produto. Registre onde há maior agrupamento industrial e estimule o pensamento crítico, fazendo-os refletir sobre concentração de empregos, origem da matéria-prima utilizada na indústria, bem como as diferenças entre campo e cidade.

Meio Ambiente - O emprego de embalagens na construção da maquete é uma boa estratégia para introduzir temas como conservação da natureza, coleta seletiva do lixo e reciclagem.

Prof. Eduardo José Pereira Maia
Tel: (21) 2711-6096.