"Um
Sonho que se sonha só é apenas um sonho; um sonho que se
sonha junto vira realidade". (Carlos Drummond de Andrade)
Por
Tony Carvalho
Que a educação
é o caminho para solucionar grande parte dos problemas vividos pela sociedade
quase ninguém discorda. Contudo, se para alguns a afirmação acima é apenas
retórica, uma exposição de trabalhos manuais realizada na estação do metrô
Carioca, no Centro do Rio de Janeiro, mostrou que o resultado não é uma
utopia para quem acredita em educação. Afinal, quando levada a sério,
ela abre os horizontes e promove a liberdade do indivíduo, até mesmo daqueles
que, por razões diversas, estão literalmente presos.
Os trabalhos expostos, feitos de papel reciclado e madeira, foram confeccionados
por detentos da Unidade Lemos Brito, localizada no complexo penitenciário
Frei Caneca, localizado no Rio de Janeiro. Eles fazem parte do Projeto
Uma Chance, cujo objetivo é a ressocialização e o resgate da cidadania
de detentos e suas famílias. Idealizado pelo interno Ronaldo Antonio Miguel
Monteiro, o projeto promove a educação, a profissionalização e a inserção
no mercado de trabalho por meio de núcleos e cooperativas.
Em atividade há três anos, o Projeto Uma Chance tem como base a oficina
de papel reciclado, mas a unidade, através da Seção de Educação, também
conta com oficinas de mecânica, trabalhos em madeira, iniciação à informática
- com apoio do Comitê para Democratização da Informática (CDI) -, capoeira,
teatro e outras atividades socioculturais, além da escola de ensino regular,
que vai da C.A. ao Ensino Médio.
No entanto, segundo
Ronaldo, o grande desafio era criar uma forma de integrar a família ao
apenado. "Esse é um dos pontos mais importantes para o retorno do interno
ao seio social completamente reintegrado. Diante da necessidade de propiciarmos
atividades para o interno e sua família, nos reunimos e começamos a traçar
metas para atingir esses objetivos. Um dos entraves era financiar a locomoção
dos familiares, já que o homem está preso e a esposa fica com os encargos
da casa e os filhos. Daí surgiu a idéia de realizar não apenas atividades
que permitissem o aprendizado, mas também o granjeio de algum recurso
financeiro", recorda.
Contando com o
apoio de parceiros, o passo seguinte foi montar uma oficina de culinária
para as mulheres e atividades recreativas para as crianças. Assim, os
dias de visitas foram se transformando em momentos de intenso aprendizado
para todos. Enquanto as crianças davam os primeiros passos diante de computadores,
as esposas adquiriam formação técnica em aulas ministradas pelos próprios
internos que já haviam sido capacitados anteriormente. Mas o que fazer
com os trabalhos produzidos? Para responder à pergunta, internos e esposas
tiveram aulas de gestão e administração. Hoje, algumas mulheres descobriram
que os doces e salgados que aprenderam a fazer podem gerar uma boa renda.
Os trabalhos manuais feitos no presídio são entregues aos familiares,
que passaram a cuidar da venda. "Temos dois internos que acreditaram nesse
negócio e hoje já montaram uma firma. Com a ajuda das esposas, eles estão
exportando seus trabalhos artesanais, feitos com linha, para outros Estados.
A venda é superior a 250 peças por semana e eles já estão gerando empregos
para outras pessoas. Portanto, a solução é incrementar esse mercado alternativo",
ressalta Ronaldo.
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"Procuramos
investir no homem, no indivíduo encarcerado, até porque, no Brasil, não
existe prisão perpétua e, mesmo que o detento esteja condenado a 700 anos,
na prática, cumprirá, no máximo, 30. Portanto, se faz necessário preparar
esse homem para o seu reingresso à sociedade", afirma Tácito Chagas Ribeiro,
chefe da Seção de Educação da unidade Lemos Brito.
Os internos fazem questão de enaltecer o trabalho do diretor do presídio,
Luciano de Oliveira e Silva e do atual Secretário de Administração Penitenciária,
Astério Pereira dos Santos. Eles acreditam que o bom resultado obtido
na unidade será ampliado para outras instituições penais. "O secretário
já deixou claro, durante algumas entrevistas, que apoia a participação
da família e que, dessa forma, é possível a ressocialização do apenado",
diz Jorge Gonçalves Batista, coordenador de produção do Projeto Uma Chance.
Aos poucos, a semente foi germinando e hoje os frutos colhidos são reconhecidos
por todos. O projeto já deu o seu grito de liberdade, ultrapassando os
muros do presídio. Ronaldo e seus companheiros, contando com a participação
da coordenadora externa, Cássia Santana Monteiro, criaram uma organização
não-governamental, o CISC - Centro de Integração Social e Cultural Uma
Chance - localizado no bairro de Tribobó, em São Gonçalo. A ONG que dá
oportunidade para familiares de presos e ex-encarcerados construírem uma
nova vida. Novos CISCs já começaram a ser implantados, como o de Saquarema,
na Região dos Lagos, que conta com o apoio da prefeitura local.
Vários jovens
capacitados no CISC já se tornaram instrutores e começam a trilhar o seu
próprio caminho. Alguns ex-detentos também são exemplo vivo do que o projeto
pode render e já trabalham até como professores na iniciativa pública
e privada. Mas o sonho de Ronaldo vai ainda mais longe. Ele sabe que a
discriminação do lado de fora dos presídios é uma barreira maior que as
grades da prisão. Por isso, trabalha para a criação de núcleos e cooperativas
dispostas a receber os ex-internos que queiram dar continuidade às atividades
que realizavam enquanto encarcerados.
"A única forma de resolver o problema do reingresso do apenado é capacitá-lo
aqui dentro e criar um mecanismo, lá fora, para aproveitar o conhecimento
que ele adquiriu. Ao mesmo tempo, temos de fazer com que a família tenha
um mínimo de estrutura para recebê-lo. É necessário que ele tenha um horizonte
para continuar a caminhar. E esse horizonte não é o mesmo mercado de trabalho
disputado pela sociedade livre. É o que chamamos de mercado alternativo
para o preso", explica Ronaldo.
A Fundação Santa
Cabrini, gestora do projeto, é uma grande aliada. Mas quem sabe essa parceria
não se amplia ainda mais com a instituição criando oficinas e ateliês
para acolher os internos quando estes retornarem à sociedade livre? A
exposição que aconteceu na estação do metrô Carioca já está abrindo outras
portas. Novos convites para expor os trabalhos estão surgindo. E, para
provar que o encarcerado também quer dar a sua contribuição para os programas
assistenciais do Governo, em cada exposição, o visitante pode trocar um
quilo de alimento não perecível por um kit de material reciclável. "Essa
é a forma que encontramos para participar da campanha Fome Zero. Queremos
gritar que o apenado também pode estar envolvido em atividades sociais,
porque isso nos faz sentir úteis", encerra o interno.
Centro de Integração Social e Cultural Uma Chance
Tel.: (21) 9206-5008 / 3711-3254
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