Edição 35 - A Gente Não Quer Só Comida


Por Cláudia Sanches

Qual é a fome que te incomoda? Essa foi a pesquisa realizada pela Escola Estadual Bairro Nova Aurora, situada na periferia do Município de Belford Roxo. Do resultado da boca de urna nasceu um mural, no qual estudantes, pais e funcionários traduziram suas idéias e sentimentos através de desenhos, gravuras e frases. São respostas que vão desde alimentos, saneamento básico, família, até lazer, valores, sonhos e afeto. No enorme painel afixado na entrada do colégio, as pessoas apontaram os problemas do país no lado esquerdo, e no direito, as propostas para um Brasil que pode dar certo.

O trabalho, realizado com alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, começou em fevereiro e faz parte do projeto político Preservação do Planeta, que deu origem a outro projeto intitulado A Fome e o Idoso no Brasil. O assunto foi tratado por todas as turmas, que puderam optar por diferentes tipos de manifestações: paródias, dramatizações, jornal falado, mural e seminários. Cada professor escolheu uma forma de aproveitar melhor seu conteúdo de sala de aula. Durante a culminância, os alunos fizeram suas apresentações à comunidade. “Dessa maneira, a escola ajuda a suprir a fome de lazer e entretenimento do bairro”, conta a coordenadora pedagógica da escola, Mariza Laport Sanches.

Para ajudar a Casa do Menor, que fica em Miguel Couto, Município de Nova Iguaçu, os estudantes realizaram a Campanha do Quilo, que arrecadou 250 quilos de alimentos não perecíveis, distribuídos no torneio de Futsal que aconteceu na própria instituição de menores.

Em sua disciplina, o professor de Geografia Lucivaldo Dias promoveu debates e organizou o seminário com todas as turmas da escola a partir dos conteúdos programáticos que abordavam temas polêmicos como: a fome, o idoso, a guerra urbana e a paz. A professora de Geografia Rosane Dias analisou com as turmas a música Comida, da banda Titãs, que traduz muito bem o tema. E o resultado foi a confecção de um mural que retrata a dura realidade dos adolescentes, que viajaram nos conceitos de carência afetiva e de valores.

Susana de Castilho, 17 anos, aluna do 2.º ano do Ensino Médio, acha que o trabalho mostrou, através das pesquisas, do que se trata realmente o programa Fome Zero e quais suas prioridades. Para ela, a idade não pode ser motivo de distanciamento entre o jovem e o idoso. “Com as pesquisas, aprendemos que existem os grupos de apoio que ajudam os idosos através de danças, músicas e ginástica, objetivando resgatar a alegria de viver para que eles possam se sentir mais felizes”.

Filosofia e ação

De repente, no pátio da escola, surge um grupo de alunos do Ensino Médio. Metade com o rosto pintado de branco e a outra metade, de preto. A professora de Filosofia Dulcinéia Luciano não poupa esforços para contagiar os jovens. Nesse semestre, ela montou um teatro mudo com vários esquetes, visando denunciar a fome, o desrespeito ao idoso, o tráfico de drogas e a corrupção. O objetivo do espetáculo também foi despertar a solidariedade nas pessoas.

Segundo ela, a idéia da mímica surgiu para não atrapalhar os seminários do professor Lucivaldo, que aconteciam nas salas ao lado. “São denúncias”, esclarece Dulcinéia. “Todo mundo fala, reclama, mas poucas pessoas agem. Então, o mural e o teatro alertam para a necessidade de cada um fazer a sua parte e não virar a cara para quem passa fome, como acontece em uma das cenas”. A filosofia da escola envolve a família, a comunidade e procura mostrar a importância do coletivo na vida do educando. Todos os projetos da educadora são montados a partir dos roteiros do livro Cidadão de Papel, do jornalista Gilberto Dimenstein, que se tornou sua bíblia durante o ano letivo.

A professora Vera Gomes, de Língua Portuguesa, debateu muito os sistemas sociais com a turma da 6.ª série. O que mais impressionou Vera foi a qualidade dos textos, a organização do pensamento e a consistência da opinião dos adolescentes. Questionamentos como desperdício de água e de alimentos são comuns nos discursos da garotada. “Eles têm uma visão crítica muito grande. A questão da violência é sempre relacionada ao desemprego e à falta de educação. Os alunos retratam a dura realidade em que vivem nas suas redações, falam da campanha contra a fome do governo, mas conseguem enxergar esperança. Ainda existe uma luz no fim do túnel, basta que se dê uma chance a eles”, conclui.

Arte muda perfil da escola

Segundo Mariza, o trabalho com projetos estimula o aluno, porque ele se mobiliza para realizar as tarefas. Ela acredita que os conteúdos são transmitidos de maneira mais dinâmica, o que desperta o interesse do adolescente. Há 15 anos, a coordenadora assumiu a escola, que era muito tradicionalista. Hoje, a nova metodologia soma muito para o grupo, mostra-se eficiente na aprendizagem e valoriza a auto-estima do educando. A proposta é transformar os estudantes em adultos críticos e criativos. “A escola é limpa, bem cuidada e toda decorada com peças confeccionadas a partir de sucatas. Nosso aluno é carente de tudo. Então, aqui é o point deles, é o cinema, o teatro, o local onde encontram os colegas. Alguns passam os dois turnos por aqui”, orgulha-se.

Na escola, a maior aliada do trabalho dos educadores é a arte, que abre os horizontes dos alunos já que eles tornam-se mais criativos e dinâmicos. Nas experiências com os trabalhos de grupo, estão sempre compartilhando idéias e atividades. “Utilizamos todos os tipos de linguagens. Através da arte, trabalhamos o emocional do aluno, temos mais acesso a ele, que fica mais amigo, mais esperto para a vida e também mais preparado para enfrentar o futuro mercado de trabalho. Alguns alunos acabam revelando seus talentos”, acredita a coordenadora.

A diretora Neide Teixeira lembra que trabalhar com a metodologia exige dedicação e que o trabalho dos professores não acaba em sala de aula. Todas as semanas os docentes se reúnem para estudar, trocar idéias e aperfeiçoar a sua prática. Os frutos do trabalho despertam entusiasmo nos professores que ainda não se engajaram. “Todo corpo docente se envolveu. Até os professores de Matemática estão transformando os dados da coleta em gráficos. Nas reuniões pedagógicas, os educadores falam da necessidade de resgatar os profissionais que ainda estão de fora do processo. O desafio é grande, mas os frutos do trabalho mostram que é possível construir um país melhor. Esse é o saldo positivo da nossa pesquisa”, concluiu a diretora.

Escola Estadual Bairro Nova Aurora
Tel.: (21) 2761-2193