Edição 35 - A Gente Não Quer Só Comida


Resolvo fazer um passeio pelas estantes da biblioteca, folheando dicionários. Procuro um conceito para “aula” e descubro algumas curiosidades. Por exemplo: aula é bem mais “espaço” ou “local” para o ensino do que propriamente a forma de construí-lo. Em apenas uma das referências, se descobre que aula é local no qual se “ministra lições”, e na busca deste verbete é que se descobre, pela primeira vez, a explicação “explanação oral feita pelo professor”. Outra curiosa referência ao sentido de “aula” pode ser extraída do Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora/1994), ao lembrar que a palavra se referia a um “palácio dos príncipes, espécie de conselho que o rei convocava nos primeiros tempos da monarquia portuguesa”.

Achei excelente: “aula” como sinônimo de palácio dos príncipes, recordando-me certas escolas que usam e abusam de recursos materiais – e só deles – para a arquitetura dos ambientes, onde alunos selecionados pela mensalidade, verdadeiros e intocáveis príncipes, submetem tortura aos “pedagogos”, isto é, escravos designados para instruí-los. Compreendi, afinal, por que certas escolas existiam.

Outras informações interessantes colhidas ao longo desse passeio bibliotecário referiam-se à origem, isto é, à etimologia da palavra aula. Pode ter vindo do grego – Aulé – e assim seria um “espaço livre”, ótimo, pois, para a bagunça ou, mais provavelmente, do latim “pátio” ou “átrio”, reforçando palavras de Shaw, ao recordar que sua educação jamais fora interrompida, salvo quando assistira às aulas. O pátio, bem o sabemos, ensina e bastante, ainda que se discuta “o quê”, e nele muitos alunos bem mais apreendem do que nos limites confinados de uma sala.

Uma informação que, entretanto, esse passeio não propiciou é a que se refere ao tipo de aula. Será que a aula pode ser apenas expositiva, será que não existem outras estratégias que à explanação possam se somar?

Claro que a resposta é afirmativa e é evidente que não seria em um dicionário ou em uma enciclopédia que se encontraria a mesma. Folheando agora tratados de Pedagogia, percebe-se que existem inúmeras e excelentes opções para uma explanação. Em síntese, apresentamos nove propostas que, devidamente contextualizadas ao nível médio dos alunos, podem ser desdobradas em inúmeras outras.

1- Aula-desafio

O professor estrutura o tema a ser trabalhado através de questões relevantes e desafiadoras que investiguem os conhecimentos dos alunos e a relação com seus saberes anteriormente conquistados e, em classe, forma duplas ou trios e passa as questões, dando tempo para discussões, debates e, evidentemente, conclusões;

2- Jogos operatórios

Os alunos são organizados em grupos para desenvolverem o espírito colaborativo e sua socialização para realizar tarefas que pressupõem divisão de trabalhos ou integração de saberes. O Painel Integrado, Jogo de Palavras, Arquipélago, Jogo do Telefone e muitos outros são exemplos excelentes desse tipo de aula que pode explorar temas já trabalhados, temas novos ou o desempenho dos alunos em projetos diferenciados;

3- Seminários

Pessoas da comunidade, professores de outras séries, convidados, especialistas ou outros apresentam uma exposição oral ou com recursos audiovisuais sobre determinado assunto de sua especialidade. O professor concluiu, em outra oportunidade, uma criteriosa avaliação sobre o que se aprendeu e como relacionar esses saberes aos que sobre o tema central já se tem;

4- Debates

Discussão em que os alunos apresentam resultados de pesquisas em atividades práticas ou projetos temáticos. Excelente oportunidade para que o professor possa avaliar o nível real de apreensão de conhecimentos e se existe realmente uma “socialização” desses saberes entre os demais alunos da classe;

5- Estudo dirigido convencional

Equipados com dicionários, livros didáticos diversos e outros recursos, alunos, individualmente ou em pequenos grupos, devem responder a questões previamente estabelecidas pelo professor, desenvolvendo pesquisas nas fontes disponíveis e apresentando-as através de uma síntese;

6- Estudo dirigido – mapa conceitual

Os alunos, individualmente ou em pequenos grupos, estudam um texto, esclarecem suas dúvidas com o professor, hierarquizam as idéias principais nesse texto, definem a seqüência de fatos, devendo transformá-lo em um mapa conceitual ou na adoção do esquema de uma estrada rodoviária na qual se assina o trajeto ou seqüência do texto e seus pontos referenciais;

7- Explorando diferentes formas de pensar


Os alunos, após experimentarem a aplicação de diferentes habilidades operatórias – conhecer, compreender, analisar, comparar, classificar, deduzir, localizar etc. –, em notícias simples de jornais, devem, em duplas, aplicar essas habilidades em diferentes parágrafos de textos propostos pelo professor;

8- Auto-avaliação


Análise oral ou escrita realizada pelo aluno sobre seu processo de aprendizagem, atribuindo-se um conceito qualitativo. O professor pode propor uma série de questões-desafio e uma relação que mostra o progresso “excelente”, “bom”, regular” ou “insatisfatório”. O objetivo é propor ao aluno um instrumento para que possa analisar suas capacidades e competências, seus pontos fortes e seus pontos fracos;

9- Participação em projetos socializadores

Todo projeto é sempre uma pesquisa em profundidade sobre um tema, mas organizada com a clara definição de metas a serem alcançadas; alunos envolvidos nessa busca com responsabilidades pessoais claramente definidas; cronograma dos passos progressivos que se dará e uma avaliação circunscrita à meta que se estabeleceu. O professor, ao propor um projeto, deve organizar uma listagem de questões encadeadas e acompanhar os passos desenvolvidos pelos alunos, avaliando-os de acordo com os propósitos das metas traçadas.

As propostas acima e ainda muitas outras que poderiam ser relacionadas não visam a sugerir ao professor que exclua a “aula expositiva” como sua “ferramenta” de trabalho. Uma aula expositiva bem ministrada, que efetivamente substitua a apresentação de conteúdos, tal como líquido que acrescentamos a um copo, por uma outra na qual se apresente a criação de significados e a transformação da informação em conhecimento é uma valiosa ajuda para que o aluno aprenda a aprender; o que com este texto se pretendeu esclarecer é que a aula expositiva não mais deva ser vista como panacéia, isto é, como remédio para todos os males e que, dessa forma, possa ser alternada com outras estratégias capazes de facilitar a construção do conhecimento pelo aluno.

Toda aula é sempre um remédio contra a ignorância, um fortificante para uma mente mais saudável e não é possível imaginar que, sendo o corpo um só, exista remédio único para todas as suas funções. O colírio pode ser excelente para os olhos, mas certamente não representa ajuda significativa para ouvidos moucos.

Celso Antunes é escritor, pesquisador, especialista na área de Inteligência e Cognição. Autor do livro O que mais me perguntam sobre Inteligências Múltiplas (Editora Atta Mídia e Educação).

Contato com o autor: cantunes@santanna.br