Edição 35 - A Gente Não Quer Só Comida


A XI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada entre os dias 15 e 25 de maio, no Riocentro, terminou com um saldo bastante positivo e marca o sucesso de duas décadas de um dos eventos mais importantes do país. O público total foi de 560 mil pessoas, entre pagantes, não-pagantes, convidados, livreiros, autores e autoridades, o que corresponde a 11% a mais que no último evento.

A venda de livros foi outro recorde, que chegou a um milhão e 600 mil exemplares, 40% a mais que em 2001, e o faturamento do evento foi de R$ 36 milhões contra R$ 21 milhões da edição anterior. A comissão organizadora da 11.ª Bienal atribui o sucesso às melhorias na infra-estrutura e no gabarito dos autores internacionais, além da programação cultural.

“Os resultados foram surpreendentes, superando as expectativas do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e da Fagga Eventos, empresa responsável pela organização. Conseguimos proporcionar conforto aos visitantes e oferecer uma ampla programação cultural, atraindo o público e prestigiando autores ilustres, que são motivo de satisfação e orgulho para todos nós”, afirmou Paulo Rocco, presidente do SNEL.

O público era bem diversificado assim como as atrações dos 917 expositores, que ocuparam 55.000 m2 do Riocentro. Houve programação para todos os gostos e idades. Quem visitou a feira pôde comprovar a presença de estudantes de escolas, que somaram aproximadamente 40% dos visitantes. Mais de 200 mil alunos participaram do projeto. Assim como nos anos anteriores, foi adotada a Nota Bienal. Os R$3,00 cobrados dos alunos se converteram em vale-livro e todas as crianças saíram de lá com um exemplar embaixo do braço.

No tradicional Espaço do Pequeno Leitor, os pais puderam deixar as crianças com os monitores treinados para entreter a garotada, que também pôde conferir o passo-a-passo da produção de um lápis.

Na programação cultural estavam o Café Literário, o Fórum de Debates e a Arena Jovem – um novo espaço criado para debater temas como sexo, drogas, guerra, mercado de trabalho e outros assuntos polêmicos. As personalidades que participaram e mais se destacaram foram o Deputado Federal Chico Alencar, Frei Beto e Pedro Bial.

Segundo a coordenadora da sessão cultural, Rosa Maria Barboza, o debate mais divertido foi o dos cronistas do Rio, que contou com as participações de Artur Xexéo e Zuenir Ventura. “O sucesso da programação cultural está ligado ao fato de o encontro permitir um contato mais pessoal com os escritores e artistas”, justificou Rosa.

Os profissionais de educação também tiveram uma programação dedicada a eles. O Ciclo de Debates, com temas do universo educacional, foi elaborado especialmente para os professores. O encontro contou com a presença do teólogo Leonardo Boff, da escritora e educadora Ruth Rocha, do escritor Ziraldo, do professor Muniz Sodré e de Nilton Bonder, que discutiram temas como ecologia, leitura e artes.

Já o Ministério da Educação proporcionou aos visitantes uma viagem ao mundo do analfabetismo. No estande do MEC, localizado próximo à base da Appai, quem andou pelo labirinto pôde se colocar, por alguns instantes, no lugar de quem não sabe ler. Após passar por um túnel com locais escuros e letras embaralhadas, a reação dos visitantes foram as mais surpreendentes, desde tontura até revolta. A idéia era fazer com que a população se conscientizasse da importância de se alfabetizar esses adultos. A escuridão e as informações truncadas do túnel permitiam às pessoas sentirem como é não poder fazer coisas simples do cotidiano, como procurar um emprego no jornal ou ler uma placa na rua.

“Aprender a ler também significa renascer. Nascemos muitas vezes na vida. Nascer não é descobrir o mundo? Aprender a ler também. Renascemos quando nos convertemos a uma religião, quando nasce um filho, quando nos recuperamos de uma doença grave. Até após a morte dizem que a gente renasce também. Aprender a ler é um renascimento. Quem visitou o estande do MEC, na Bienal, pôde vivenciar o que é ser um analfabeto por cinco minutos e, ao sair de lá, certamente descobriu que nasceu de novo. Mas, infelizmente, no Brasil ainda existem 20 milhões de pessoas que não nasceram plenamente”, ressaltou o ministro da Educação.

Erradicação do Analfabetismo e Incentivo à Leitura

“Os sonhos não envelhecem”. Pelo menos não o antigo sonho de mudar o Brasil do engenheiro mecânico Cristovam Buarque: “Sempre quis ser ministro da educação de um governo comprometido com a formação do povo”, revelou ele durante a cerimônia de abertura da XI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, onde também estiveram presentes a Governadora do Estado, Rosinha Matheus, e o Ministro da Cultura Gilberto Gil, que fez uma emocionada homenagem ao poeta e compositor baiano Wally Salomão, falecido recentemente no Rio de Janeiro.

Cristovam Buarque aproveitou o evento para falar da necessidade de erradicar de vez o analfabetismo, mostrar que todo cidadão deve ter o direito de aprender a ler e estabelecer parcerias com editoras e universidades.

Sempre citando muitos números para convencer o público de que o projeto é viável, ele acha que mobilizar voluntários para alfabetizar é um dos caminhos. “Eu mesmo já ajudei a alfabetizar agricultores durante o Regime Militar e, hoje, tenho orgulho de dizer que ajudei a construir o meu país. Essa geração pode ter esse privilégio também”, disse o ministro, que foi muito aplaudido pelos educadores.

Na palestra de abertura, com o tema Leitura: o Brasil Alfabetizado, Cristovam Buarque e o Secretário Nacional de Alfabetização, João Luis Homem de Carvalho, falaram para educadores de todo Brasil sobre o programa de alfabetização de adultos. O ministro lembrou, ainda, que é a primeira vez, no país, que se cria uma Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo.

Segundo os cálculos do ministério, para alfabetizar 5 milhões, bastariam 100 mil alfabetizadores, o que corresponde a 20 pessoas para um professor. “Não falta dinheiro para isso. É preciso mostrar que não custa tanto, basta que se admi-nistre a verba e economize em outras áreas”, justificou ele, que prevê um custo de R$ 250 milhões por ano até 2006.

Para ensinar esses adultos a ler, o programa pretende contar com a ajuda de voluntários, que podem ser professores ou não. “Precisamos transformar isso em vontade nacional. Temos um governo que quer fazer, então precisamos conscientizar a população. A vergonha de o país ainda ter analfabetos é nossa também”, diz ele, que, durante a Ditadura Militar, alfabetizou agricultores pelo método Paulo Freire em Pernambuco. Além de o projeto contar com a solidariedade dos brasileiros alfabetizados, o ministério já estabelece parcerias com universidades para treinar o voluntariado.

Outro grande desafio é transformar esses brasileiros em leitores. “A gente não distribui vacina gratuitamente, por que não dar livros também? O ser humano não vive só de alimento, por isso toda cesta básica deveria levar um livro a casa das pessoas”, questionou.

Para o programa de leituração, ele falou sobre as Casas de Leitura, em que uma biblioteca ambulante circula pelas comunidades, de casa em casa. O projeto foi implantado durante o seu mandato no Distrito Federal, onde 550 ruas passaram a ter bibliotecas. “Os livros devem estar nas casas das pessoas’, defendeu. Para começar, o Governo Lula está implantando o projeto-piloto em 50 cidades do Brasil. A previsão é de que, até o final dos quatro anos, chegue a 200 prefeituras. Segundo o ministro, a Bienal foi um propósito para o governo firmar convênios com as editoras visando ao fornecimento de livros didáticos para as escolas e também de literatura para as bibliotecas.

No debate com os conferencistas, Cristovam Buarque, que foi chamado de Dom Quixote pelos educadores e congressistas, terminou a palestra chamando o sistema de ensino do Brasil de funil perverso. Para modificar esse quadro, ele defendeu o aumento de salário para os professores e a reforma das escolas, que deveriam ser mais atraentes e equipadas.

O ministro fez questão de chamar a atenção do educador brasileiro, que também deve fazer sua parte e começar a trabalhar muito. “Fala-se muito nas universidades, no entanto, a gente deveria se preocupar mais com os Ensinos Fundamental e Médio, já que 95% das crianças matriculadas na escola não concluem o segundo grau. A educação é a solução, não para um país perfeito, mas para um Brasil melhor. Não é só o governo que deve estar comprometido com essas mudanças, mas a sociedade inteira. E a eleição de Lula é uma indicação dessa transformação”.