Jean Piaget

As pesquisas de Jean Piaget e o seu interesse pelas estruturas mentais, com a conseqüente contribuição de uma teoria que procura elucidar os caminhos do pensamento desde a sua gênese, coloca à disposição dos educadores um conhecimento acerca do desenvolvimento mental da criança que tem sido utilizado sob diversos ângulos.

Dois aspectos, no entanto, segundo Coll, parecem atrair a prática educacional, qual sejam:

1. Os aspectos estruturais que denotam uma preocupação com os estádios de desenvolvimento e sua caracterização em termos de estruturas operatórias;

2. Os aspectos funcionais ligados à concepção construtivista e interacionista do conhecimento com os processos responsáveis pelo desenvolvimento.

Na perspectiva estruturalista, iremos encontrar, na área da psicologia educacional, um pólo psicologizante, que propõe como meta adequar os objetivos, os conteúdos e os métodos de ensino às características evolutivas dos alunos, às suas possibilidades e limitações intelectuais, às suas necessidades e interesses; e uma corrente construtivista, que vê a educação como um fenômeno complexo, com múltiplos componentes, cuja compreensão e tratamento não podem se realizar unicamente com base na psicologia, o que torna a teoria genética um instrumento de análise dos componentes psicológicos do fenômeno educacional.

Piaget, apesar de não ter pesquisado a questão educacional, não concebe um esfacelamento da sua teoria, quando dá sua aplicação à prática educacional.

A sua preocupação central, como sabemos, é a questão da gênese do pensamento. E é em função dela que questiona se a escola tradicional estaria conseguindo formar, com êxito, indivíduos com um raciocínio ativo e autônomo.

A enorme quantidade de conhecimentos que é oferecida ao aluno não tem como preocupação (na escola) lhe proporcionar a possibilidade de exercitar o seu raciocínio. Pouco importa se, alguns anos depois, ele de nada ou pouco se lembre. Para a escola, basta apenas a certeza de que lhe proporcionou um exercício de inteligência e que, de alguma maneira, tomou conhecimento do fato.

A extensão dos programas escolares não leva em consideração a qualidade do trabalho a ser executado. Segundo Piaget, conquistar por si mesmo um certo saber, com a realização de pesquisas livres, e por meio de um esforço espontâneo, dará ao aluno condições de retê-lo muito mais e também a possibilidade de aquisição de um método que lhe será útil por toda a vida. Além disso, a construção do conhecimento manterá acesa a sua curiosidade, aprenderá , por si mesmo, a fazer funcionar a razão e construirá livremente suas próprias noções.

Tal prática escolar necessita estar alicerçada a um conhecimento prévio acerca do desenvolvimento das operações racionais e da aquisição ou construção das estruturas mentais. O contato com a teoria piagetiana irá nos fornecer dados que sinalizam a importância da ação e experimentação do indivíduo sobre os objetos e o seu meio. As operações lógicas se constituem e se estruturam em função deste intercâmbio: indivíduo x meio, indivíduo x indivíduo.

Como exemplo, Piaget cita a matemática, que erroneamente é ensinada aos alunos sem se levar em consideração a maneira como as noções se constroem efetivamente no pensamento da criança, gerando um bloqueio do raciocínio e levando o aluno ao fracasso.

No entanto, todo aluno normal é capaz de um bom raciocínio matemático desde que se apele para sua atividade e interesses concretos. A lógica tão necessária à matemática deve ser construída pela criança passo a passo em decorrência de suas atividades, chegando-se, assim, aos objetivos do ensino da matemática, qual seja, o desenvolvimento das capacidades dedutivas. A escola tradicional necessita rever e propiciar um ajustamento dos métodos didáticos aos dados psicológicos do desenvolvimento real, incluindo em tal revisão uma intensificação das atividades autônomas no aluno, pois para Piaget a verdadeira causa dos fracassos da educação formal decorre essencialmente do fato de a mesma se principiar pela linguagem (acompanhada de desenhos, de ações fictícias ou narradas) em vez de o fazer pela ação real e material. Em se tratando do ensino da matemática, diz ele: “É a partir da escola maternal que deve ser preparado o ensino da matemática por uma série de manipulações voltadas para os conjuntos lógicos e numéricos, os comprimentos e as superfícies etc., e esse gênero de atividades concretas deveria ser desenvolvido e enriquecido ininterruptamente, de forma muito sistemática, no decorrer de todo o Ensino Fundamental, a fim de se transformar pouco a pouco, no início do Ensino Médio, em experiências elementares de física e mecânica. Nessa hipótese, o ensino propriamente da matemática estaria situado em seu meio natural de adequação aos objetos e possibilitaria um desenvolvimento da inteligência superior àquele alcançado enquanto permanecer verbal ou gráfico.”

Propõe, desta forma, uma reavaliação da postura do professor perante o aluno, mas entendendo as dificuldades para tal atitude, à medida que se torna difícil para este profissional se posicionar diante do novo aluno que lhe apresentam. O educador deve trabalhar com um sujeito real e espontâneo, orientando-o, estimulando-o e permitindo que o mesmo experimente e cometa erros, os quais devem ser encarados como uma busca da sua autonomia intelectual.

Diz Piaget: “O objetivo da educação intelectual não é saber repetir ou conservar verdades acabadas, pois uma verdade que é reproduzida não passa de uma semiverdade, mas, sim, aprender por si próprio a conquista do verdadeiro, correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os rodeios que uma atividade real pressupõe.”

No entanto, a prática educacional não se limita aos aspectos metodológicos. A ação educativa pressupõe também um estreito relacionamento com os fatores afetivos, sociais e morais. O indivíduo deve ser entendido no conjunto das relações que estabelece com o seu meio. Existe uma relação indissociável entre o seu desenvolvimento intelectual e o afetivo, estabelecendo uma reciprocidade. Se o aluno está submetido “à autoridade adulta e se os únicos relacionamentos sociais que constituem a sua vida de classe são os que o ligam individualmente a um mestre que detêm todos os poderes, não conseguirá ser ativo intelectualmente”. Daí, a importância de uma ação que propicie o estabelecimento de trocas com o outro, não necessariamente o professor.

A atividade da inteligência requer estímulos recíprocos que levem ao exercício do espírito crítico. A escola deve permitir e assegurar a possibilidade de colaboração e experiências comuns entre os alunos. A figura do professor detentor de um saber absoluto não terá lugar na prática educacional, assim como devem ser repensadas as questões relativas ao processo de avaliação, que, da maneira como é colocado (trabalhos de casa, exames, notas etc.), não contribui para uma relação de reciprocidade A atividade da inteligência requer estímulos recíprocos que levem ao exercício do espírito crítico. A escola deve permitir e assegurar a possibilidade de colaboração e experiências comuns entre os alunos. A figura do professor detentor de um saber absoluto não terá lugar na prática educacional, assim como devem ser repensadas as questões relativas ao processo de avaliação, que, da maneira como é colocado (trabalhos de casa, exames, notas etc.), não contribui para uma relação de reciprocidade entre os alunos. A nova escola deve pressupor uma comunidade de trabalho, com alternâncias entre o trabalho individual e o trabalho de grupo, dando ênfase, ao mesmo tempo, às trocas coletivas e à autonomia.

As considerações de Piaget deixam claro a sua preocupação em entender o processo de aquisição do conhecimento pela criança, levando em conta não só os aspectos orgânicos constitutivos e geneticamente determinados, mas a importância, para sua efetiva construção, de uma relação com o meio onde o indivíduo tem uma participação ativa, ou seja, no qual ele é o sujeito da ação.

Dentro desta perspectiva, mas utilizando ora os aspectos funcionais, ora os aspectos estruturais, os educadores ligados às questões da aprendizagem escolar têm procurado trabalhar das mais variadas formas com as contribuições da teoria genética.

Colaboração: Prof.ª Penélope Duarte dos Santos
E-mail: penelopeduarte@ig.com.br