
Por Lídia Freire
Em plena era
da globalização, o assunto “Educação Sexual” ainda é tabu para muita gente.
Talvez porque grande parte da população ainda tenha uma idéia errada e
imprecisa do que significa, de fato, essa orientação e que implicações
traz para o desenvolvimento psicológico e emocional do estudante. Mas,
para as turmas de 3.ª e 4.ª séries do primeiro segmento do Ensino Fundamental
da Escola Municipal Diogo Feijó, é ensinado o caminho das pedras.
Em meio a maior floresta tropical urbana da mundo, a da Tijuca, fica a
Escola Diogo Feijó, que atende a cerca de 80 crianças do Ensino Fundamental.
É para lá, também, que, às segundas e quintas-feiras, a professora Josefina
Maria Albino de Souza se dirige, com muita idéia na cabeça e vontade de
preparar cidadãos conscientes.
Especialista em Sexualidade Humana, Josefina desenvolveu um projeto de
Educação Sexual, submetido e aprovado pela Secretaria Municipal de Educação,
que vem sendo aplicado para crianças de 3.ª e 4.ª séries desde 2000. A
iniciativa deu tão certo que hoje já está em sua segunda fase, batizada
de Crescendo e Aprendendo a Amar.
O projeto apóia-se na metodologia participativa criada pela professora
Vera Filgueiras, mestre em Sexualidade Humana pela UERJ, e inclui atividades
lúdicas, dinâmicas de grupo e a própria experiência dos alunos. Além disso,
Josefina Souza explica que o projeto se estrutura em três estágios: primeiro,
identifica os diferentes sentimentos da criança; segundo, possibilita
a cada um sentir e amadurecer esse sentimento dentro de si; e, terceiro,
desenvolve a capacidade de amar e de respeitar o outro.
Em geral, Educação Sexual é um tema direcionado para adolescentes, mas,
na visão de especialistas, é necessário se fazer um trabalho preventivo,
para que as crianças, tão expostas à mídia e ao consumismo desenfreado,
comecem a perceber que sexo por sexo não traz nenhuma vantagem e nem significa
liberdade.
“É preciso despertar
o sentimento, para se viver a sexualidade com prazer e responsabilidade”,
explica Josefina, que, em outubro passado, foi convidada a participar
do Congresso Latino-Americano de Sexologia, na Venezuela, onde atuou como
conferencista. E, em apenas dois anos, já podem ser percebidas as conquistas
na comunidade local, conhecida como Taquara do Alto.
Os alunos que,
em 2000, estavam na 4.ª série, hoje estão na 6.ª, mas em outra escola,
já que a Diogo Feijó só vai até a 4.ª série. No entanto, eles ainda mantêm
o vínculo com os professores e, com freqüência, voltam para matar saudades.
“Desses alunos, nenhuma engravidou, nenhum está envolvido com drogas –
também fazemos um trabalho de prevenção contra o uso de drogas – e, por
incrível que pareça, nenhum desses meninos e meninas ainda se envolveu
com namorados firmes e fixos”, relata feliz a educadora.
Segundo ela, isso é mais um sinal de que a orientação sexual não estimula
a prática, mas dá instrumentos para que o sexo seja realizado de forma
sadia e consciente. “Muitas pessoas têm a visão de que trabalhar educação
sexual na escola vai despertar o aluno para o sexo precoce, mas é justamente
o contrário”, alfineta Josefina, que, no primeiro semestre de 2003, junto
com mais três autoras, deverá lançar o livro Adolescente: Esse Ser Mutante,
que fala sobre sexualidade na juventude.
Informação – Uma Aliada no Dia-a-Dia
Intimamente
ligadas à televisão, as crianças se vêem perdidas diante de tanta informação
e cenas de conteúdo erótico e violento. Muitas solicitam explicação dos
familiares que, atônitos, ou respondem com sinceridade ou fogem da missão
do esclarecimento. Os que agem assim acabam jogando a responsabilidade
para o professor. “Hoje, a escola é um lugar privilegiado para você trabalhar
essas questões, porque pelo menos ali a criança vai aprender a lidar com
seus valores, seus conceitos, a formar seus sentimentos e a fazer troca
com seus colegas” – diz Josefina Maria Albino de Souza.
A bandeira levantada pela educadora encontra respaldo entre mães e crianças.
A dona de casa Olga Lúcia Fernandes, mãe de Gabriel, 9 anos, aluno da
2.ª série de uma escola particular no Grajaú, Zona Norte do Rio, confessa
que, às vezes, fica embaraçada quando o filho lhe pergunta algo. “O mundo
está evoluindo num piscar de olhos e essas informações têm de ser passadas
de maneira natural e o mais cedo possível. Acho que um especialista, alguém
capacitado, pode cumprir bem esse papel, afinal, minha vivência é de mãe”,
justifica Olga. A pequena Daiana, de 10 anos, aluna da Escola Diogo Feijó,
assina embaixo. “A minha família nunca falou comigo sobre sexualidade
e estou gostando muito de aprender com a minha professora”.
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Material
Explicativo
Para atrair a
atenção do grupo, Josefina se utiliza de materiais como saco de lixo,
massinha, argila, tinta guache, canetinhas e cartolinas, tornando os encontros
bastante participativos e estimulantes. E, quando não há algum item, o
jeito é inventar e apelar para substituições. Na falta de cola, por exemplo,
a solução está na seguinte receita: farinha, sal e água. Para cada copo
de farinha, uma colher de chá de sal. A água é jogada aos poucos, até
formar uma liga e soltar do fundo da vasilha.
Mas, na prática, como uma criança de 9 ou 10 anos começa a entender a
diferença entre os sexos? Tudo é feito de maneira gradativa, priorizando-se,
inicialmente, a conscientização da importância da criança no meio em que
vive. “Um dos primeiros trabalhos que eles fazem é a construção da árvore
genealógica, numa cartolina, trazendo de casa o retrato de suas famílias”,
revela a professora Josefina Souza.
Assim, o aluno
começa a perceber seu papel dentro da família, incluindo direitos e deveres.
Tia Jô, como é carinhosamente chamada pela turma, fica feliz quando sente
que seu empenho frutifica. Conta que uma mãe sempre reclamava que, ao
chegar em casa, depois do trabalho, invariavelmente a encontrava bagunçada.
Um dia, porém, teve uma surpresa: tudo estava em ordem. Foi justamente
depois da tarefa desenvolvida na escola.
Uma outra atividade que atrai a atenção das crianças é o contorno do corpo
num papel pardo. O aluno deita-se no chão, com os braços um pouco afastados
do corpo, e um amiguinho faz o traçado com caneta. O objetivo da brincadeira
é conscientizá-los sobre as diferenças biológicas entre masculino e feminino
e também os sentimentos pertinentes a ambos os sexos.
Depois
do contorno feito, todos, entusiasmados, se põem a escrever, “dentro”
do corpo, palavras relacionadas aos sentimentos. Quando se pergunta qual
órgão está associado ao amor, eles escrevem “amor” no coração; a palavra
“carinho”, em geral, é relacionada à mão, por causa do toque, e aos braços,
em função do aconchego da mãe.
Até o simples jogo de amarelinha, hoje um pouco esquecido, serviu de inspiração
para a professora Josefina trabalhar o conteúdo teórico-científico de
sua matéria. Ela resolveu abrir vários sacos de lixo grandes. Em seguida,
juntou-os com uma fita adesiva transparente, até formar um tapete quase
do tamanho da sala de aula, e nele, com fita adesiva colorida, formou
a amarelinha.
O dado, também “gigante”, foi feito com uma caixa de papelão forrada,
em cujas laterais colocaram-se bolas de papel crepom, de um a seis, tal
como a marcação dos dadinhos plásticos encontrados nos jogos infantis.
“Aí, as crianças jogam aquele “dadão” e vão pulando nas casas da amarelinha.
Só que quando cai, por exemplo, na casa 3, tem algo escrito: “Você esqueceu
a camisinha, volte duas casas”. Então, elas voltam duas casas. Aí cai
em outra casa, 22, por exemplo. Dessa vez, surge uma pergunta: “Qual é
o órgão sexual externo do menino?” Se a criança erra, e não responde:
‘pênis’, ela tem de voltar para o início do jogo”, detalha Josefina Souza.
Com essas e outras diversas atividades, Josefina marca seu encontro com
cada turma, às segundas e quintas-feiras, durante uma hora por dia, tempo
que, a julgar pelas declarações dos alunos deixadas no quadro de avisos,
poderia ser prolongado.
Embasamento Técnico-Científico
Depois da etapa
lúdica, as crianças partem para a biblioteca, onde, sentadas sempre em
círculo, recebem um embasamento técnico-científico e de conceituação.
O curioso é que elas poderiam se sentir constrangidas em questionar o
corpo e a própria sexualidade em casa. No entanto, não demonstram a menor
vergonha de expor suas dúvidas. Com a palavra, Luiz Fernando, de 12 anos:
“Estou aprendendo que a partir do sexo eu vim ao mundo. Na hora das aulas,
também podemos perguntar tudo que desejamos saber, sem que nossos colegas
fiquem rindo da gente.”
A educadora sexual
Josefina Maria Albino de Souza, a exemplo de tantas colegas de magistério,
tem um sonho: “Meu desejo é justamente o de divulgar esse trabalho. E
eu tenho certeza de que todos os professores que lerão essa reportagem
irão se interessar pelo projeto. Eu gostaria muito que escolas públicas
e privadas trabalhassem a educação sexual, porque a sexualidade está arraigada
no ser humano, mas precisa ser vivida com afeto, e não com promiscuamente”,
finaliza.
Escola Municipal Diogo Feijó
Tel.: (021) 2492-2293
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