Ao refletirmos sobre currículo, a primeira idéia que vem à cabeça é a de programação escolar. O ato de programar o que será posto em prática em uma determinada escola não pode ser encarado como algo genérico, que sirva de elo estruturante para todas as escolas, em qualquer tempo e lugar. A razão é simples: o trabalho realizado em uma escola, embora significativo para o contexto desta comunidade escolar, se submetido à análise de uma outra, pode não ter relevância alguma.

Por conta disso, antes de se programar as ações escolares (ou elaborar o currículo escolar) é importante definir claramente o que se deseja fazer e com que fins. Um currículo deve conter todas as ações previstas e planejadas, levando-se em conta que, sempre, ele poderá ser alterado por questões imprevisíveis que precisam ser consideradas nos processos educativos.

Nenhuma escola, nem ninguém, pode desconhecer o trágico episódio que destruiu as Torres Gêmeas e abalou o mundo, em 11 de setembro de 2001. Há, ainda, certas efemérides que mobilizam os povos, como as Copas do Mundo, as eleições presidenciais, as olimpíadas etc. Assim, não é interessante para a produção de conhecimentos, atividade maior da escola, manter-se fora da discussão sobre estes eventos carregados de significação para todos.

A quarta Diretriz Curricular Nacional, ao definir princípios gerais de organização do currículo, nos ajuda a refletir sobre essas questões e encontrar caminhos para resolvê-las.

Vivemos na sociedade da informação e da tecnologia. O conceito de vida cidadã, que expressa os deveres e os direitos de cada pessoa, sugere novas formas de exercício da cidadania. Independente de as escolas estarem se utilizando de variadas tecnologias para a informação e para o conhecimento, a vida nos grandes centros urbanos já se antecipou e passou a cobrar de todos conhecimentos básicos sobre elas.

A sociedade não é mais a mesma e a escola, como um sistema vivo, parte desta sociedade, precisa assumir novos direitos e deveres, outros compromissos que exijam transformação e redimensionamento de seu papel, de suas responsabilidades e atribuições para tentar responder aos desafios de seu tempo. Nesse sentido, é importante que, no currículo (programação escolar), estejam previstas, entre outros temas, questões relativas à vida cidadã – princípios educativos, éticos, estéticos, políticos e científicos que sustentarão as práticas pedagógicas e os conceitos, conteúdos e valores que garantirão as melhores alternativas para se alcançar os princípios.

Para o currículo ter vida, é necessário que ele seja posto em ação, preferencialmente, mas não apenas, por meio de atividades desenvolvidas na sala de aula ou na escola. O currículo se tece sob a mediação do educador ao considerar as histórias de todos os que integram o sistema, suas variadas expectativas em relação à vida e à escola, as características gerais da infância e da juventude, as particularidades de cada uma das crianças e dos jovens em cada etapa de suas vidas e, ainda, tudo o que os alunos têm o direito de aprender e nós, educadores, temos o dever de ensinar. É claro que os conceitos de ensinar e aprender não podem reforçar a idéia ultrapassada de que o professor seja o dono do saber, em contraposição à suposta ausência de saber do aluno. A forma mais garantida e promissora de se desenvolver ações educativas, que produzam novos conhecimentos, consiste em trazer as questões de linguagem para lugar de destaque para a constituição de novos saberes. O diálogo e as práticas predominantemente interativas são determinantes para a qualidade das relações entre professores e alunos, que podem produzir novos saberes.

Integração

O currículo deve ser um conjunto de ações planejadas de forma sistêmica e integrada, no qual devem estar incluídos os conceitos, os conteúdos e os valores que serão os pilares de sustentação da ação educativa. Deve favorecer a livre expressão e o encontro de sentidos individuais em busca de significações coletivas, o contato de alunos com outros espaços da cidade e o acesso a fontes variadas de informação e cultura.

Não se pode mais pensar em produção de conhecimento sem considerar o papel das diferentes mídias e sua função mediadora para a produção de conhecimentos. Não se trata, apenas, de prever o uso de recursos tecnológicos como suporte à ação educativa, mas de refletir com seriedade sobre esta nova forma de mediação, que vem alterar os paradigmas que explicavam as antigas formas de se produzir conhecimento.

Quando o currículo desempenha seu melhor papel como instrumento de apoio do professor, elementos não previstos se fazem presentes, fatos novos são incluídos e outros, programados previamente, perdem o destaque planejado. Isto se dá quando o educador está “antenado” com o seu tempo e espaço e quando reconhece como válidas e autênticas as histórias pessoais, os medos, os desejos, as características próprias, os valores etc. de cada um que compõe sua turma e sua escola.

Aliado – Independente da faixa etária dos seus alunos e do segmento escolar que freqüentam, organizado em séries ou ciclos, o currículo deve ser um aliado da ação docente e, no seu próprio uso, deve se superar. Junto ao currículo devem estar suas anotações pessoais, críticas e sugestões, avanços e recuos, limites e possibilidades, os erros/os acertos, os desvios de rotas, as construções conceituais da turma e de cada aluno que a compõe. As marchas e contramarchas que caracterizam os processos de constituição de conhecimentos, conceitos, habilidades e valores devem ser tomadas como movimentos naturais de pessoas diferentes que se encontram no espaço privilegiado e coletivo dessa constituição de saberes.

A presença de alunos em diferentes situações de aprendizagem, às vezes com idades muito variadas, dentro de um mesmo grupo, é habitual e pode ser considerado elemento rico para o trabalho do educador, desde que utilize estratégias de trabalho que lhe permitam estar próximo de cada um deles, sem perder o todo. Também é importante solicitar aos alunos que trabalhem em pares e em grupos, para que as diferentes experiências e conhecimentos prévios dos alunos sejam confrontados de forma produtiva.

Mesmo com grupos de alunos de idades próximas, dentro de uma mesma turma, não há qualquer garantia de que sejam parecidos entre si, que tenham histórias e desejos semelhantes, o que torna o espaço escolar mais dinâmico e rico. Nós e nossos alunos temos diferentes experiências, habilidades, interesses, aptidões, histórias de vida, expectativas etc. que se mesclam, se alteram, se combinam entre si de formas muito variadas e complexas, ao longo da vida.

Infância – O trabalho educativo com crianças de 3 meses a 3 anos e 11 meses, em instituições de Educação Infantil chamadas de creches e, também, a partir daí até os 6 anos, não pode ter as mesmas características do indicado para as séries de Educação Fundamental. Quanto menores são as crianças, mais explícita é a diferença entre elas no que se refere às conquistas socioafetivas, psicomotoras, intelectuais, cognitivas etc. Mesmo entendendo que a ação educativa, nesta fase, não deva ser encarada como ação escolarizada, o currículo norteador das ações deve refletir um planejamento flexível que atenda aos princípios de atenção integral à infância, os quais se expressam em ações compartilhadas de cuidar e educar.

O currículo escolar, desdobrado em cada série, turma ou fase do ciclo, expressará o tom que cada educador dá ao seu trabalho, a forma própria de dar vida a este currículo. No entanto, quando a ação escolar se orienta por um currículo que expressa, com clareza, uma multiplicidade valiosa de autoria orquestrada por direções escolares com compromisso pedagógico e administrativo, em regime de gestão democrática, onde todos os que compõem a comunidade escolar estão presentes, em seus diferentes papéis, o sucesso escolar encontra as melhores possibilidades de acontecer. Não como obra sem autor, mas como conseqüência de uma ação competente, compartilhada e congruente.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil trazem alguns princípios que as escolas devem seguir. Por exemplo: ao reconhecer as crianças como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprias, com os demais e o meio ambiente de maneira articulada e gradual, as Propostas Pedagógicas devem buscar a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, como conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores.

Elaborar currículo é...

Estabelecer princípios norteadores relativos à ética (autonomia, solidariedade e respeito ao bem comum); à política (direitos e deveres da cidadania e respeito à ordem democrática); e à Estética (sensibilidade, criatividade e diversidade artística e cultural).

  • Reconhecer e valorizar a identidade dos alunos e professores e as especificidades de cada comunidade escolar.
  • Identificar os conceitos, conteúdos e valores que devem ser explorados com seus alunos, usando metodologias adequadas e os recursos necessários.
  • Usar as teorias e os estudos relativos ao assunto como balizadores da ação educativa.

Obs.: Matéria extraída da Revista Nós da Escola
Site: www.multirio.rj.gov.br/nosdaescola