Por Jaciara Moreira

Dados preliminares do Censo Escolar 2002, divulgado pelo MEC, mostram que o Estado do Rio de Janeiro possui atualmente 354.989 crianças matriculadas na Educação Infantil. O número aumenta a cada ano. Em 1996, havia 233.335 alunos na antiga pré-escola. No ano passado, o total era de 333.691 – índice 6,4% menor do que o atual. E, nos próximos dois anos, esse percentual deve aumentar ainda mais. Para atender essa demanda, a Secretaria Municipal de Educação já iniciou um projeto para ampliação de vagas na Educação Infantil e espera atingir, até 2004, 120 mil novas matrículas.

De acordo com a escritora Maria Lucia de A. Machado, organizadora do livro Encontros e Desencontros em Educação Infantil, do ponto de vista quantitativo, tem havido um esforço para se estabelecer, com um mínimo de confiabilidade, o número exato de crianças de 0 a 6 anos de idade atendidas em instituições de Educação Infantil, por conta das alterações promovidas pela LDB, que passou a incluir a faixa etária de zero a três anos, além da de quatro a seis anos, na categoria Educação Infantil.

“Ter vaga na escola é um direito da mãe e também da criança. A Constituição assegura o acesso à Educação desde a mais tenra idade. Por isso, estamos investindo na política pública de ampliação de vagas”, afirma Carmem Lúcia Guedes, da divisão de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação, acrescentando que atualmente 83.791 crianças estão matriculadas nas escolas da rede.

Mas o que faz a procura pela Educação Infantil ser tão grande no Rio? Enquanto nos últimos 12 meses o total de alunos desse segmento aumentou em 3,2% no Brasil, no Estado, a alta foi de 6,4%. Além do incentivo do governo municipal, outros três fatores, na opinião de educadores, psicólogos e piscopedagogos, contribuem para o crescimento da Educação Infantil no Estado: o excesso de compromisso dos pais, a necessidade de se criar crianças mais independentes e a maior participação da mulher no mercado de trabalho, aliada à necessidade de contribuir com a renda familiar.

“Hoje, as escolas de Educação Infantil são as grandes aliadas das mães, principalmente das mais pobres. Pelo menos 90% das mulheres que atendo precisam deixar seus filhos na escola para trabalhar. O que acontece é que, muitas vezes, não há vagas suficientes nas unidades públicas para atender a todas”, ressalta Marisa Chaves de Souza, coordenadora do Centro Especial de Orientação da Mulher (Ceom), que funciona no município de São Gonçalo, no Grande Rio, e atende mulheres vítimas de violência doméstica.

Embora o número de vagas ainda não seja suficiente, conforme chama a atenção Marisa, é a rede pública que acolhe a maior parte das crianças entre zero e cinco anos. Ainda de acordo com o Censo Escolar 2002, a maioria dos alunos da Educação Infantil – 208.279 – está nas escolas gratuitas. No entanto, nessa busca crescente dos pais pela Educação Infantil, o que preocupa os profissionais não é o fato de a instituição ser pública ou particular, mas sim a qualidade do ensino. Segundo educadores, psicólogos e piscopedagogos, a escolha da escola do filho deve levar em conta a proposta psicopedagógica.

A psicóloga e psicomotricista Rosa Prista, diretora Científica do Centro de Estudos da Criança (CEC), diz que “enquanto responsáveis pelo desenvolvimento da criança, as escolas devem ser coerentes com os valores desejados pela família”. A coordenadora do Ceom acrescenta: “A escola precisa ter uma política psicopedagógica séria, do contrário, vira apenas um depósito de crianças”.

Outro ponto importante, na opinião da professora Cláudia Monteiro Curis, coordenadora da Educação Infantil do Colégio São Vicente de Paulo, em Niterói, é a qualificação dos professores.

“Há alguns anos, os pais viam as professoras da Educação Infantil como babás especializadas. Era como se aquela fase da vida escolar não tivesse qualquer conteúdo. Mas, de uns 10 anos para cá, essa visão começou a mudar e eles acabaram percebendo a importância da escola na vida dos filhos. E isso se deve muito à especialização dos profissionais. O professor precisa ser muito competente para trabalhar com Educação Infantil”, destaca.

Conhecimento teórico de cada faixa etária, criatividade, além de cursos de especialização são apontados, por Cláudia Curis, como essenciais na formação dos professores. No São Vicente de Paulo, que trabalha com Educação Infantil há cerca de 40 anos e atende a 560 crianças nos turnos da manha e da tarde, o curso superior de pedagogia é exigido para todos os professores. Segundo Cláudia, a escola de Educação Infantil deve ser um espaço lúdico, mas com um conteúdo que ajude a socializar e a formar cidadãos.

“Educação Infantil não é apenas recreação. Há aprendizado, só que de forma prazerosa, através do lúdico”, conclui.

O São Vicente conta com a Ludoteca (espaço para leituras, dramatização, trabalhos com fantoches), sala de artes, oficina do corpo, vidioteca e informática. Uma das primeiras preocupações dos professores ao receber os alunos da Educação Infantil é trabalhar o convívio social, ensiná-los a se relacionar com o outro. Há também muito trabalho com o corpo que, de acordo com as educadoras, ajuda a criança a desenvolver a coordenação motora geral. Por ser um colégio católico, a religião (independentemente de denominações) está inserida em todas as atividades. “O amor ao próximo é a base de tudo”, ressalta Cristina Castilho, professora da Educação Infantil III.

O espaço que o São Vicente reserva à Educação Infantil começa antes mesmo da sala de aula. Na entrada principal do colégio, uma fileira de carrinhos de bebês dá a dica da faixa etária dos alunos. O novo “transporte escolar” adotado pelas mães não é recomendado pelas professoras, mas com certeza é uma prova de que as crianças estão indo cada vez mais cedo para a escola, no caso específico do São Vicente de Paulo, a partir dos dois anos de idade (maternal).

“No início do ano, a quantidade de carrinhos de bebê aqui é ainda maior. Mas aos poucos, nós vamos mostrando para as mães que a criança precisa ser independente e a utilização do carrinho inibe a sua autonomia. Além disso, os próprios estímulos que são dados na sala de aula e o convívio com os coleguinhas fazem com que a criança vá abandonando aos poucos o carrinho. Normalmente, quando chega o fim do ano, a maioria já vem sem ele. Isso é muito bom”, explica a professora.

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Uma das questões bastantes discutidas quando o assunto é Educação Infantil é o que deve ser ensinado nessa fase da vida escolar. Para a maioria dos educadores e psicólogos, o melhor método pedagógico é aquele que respeita a criança.

“ É preciso ter muita consciência do que vai ser ensinado. Respeitar a faixa etária é um dos pontos principais. Há uma idade específica para cada aprendizado, um momento em que a criança será capaz de interiorizar o que é passado para ela. O professor precisa ficar atento ao que o aluno vai passar para ele. A bagagem que a criança traz com ela é muito grande e isso serve para direcionar o que será trabalhado na escola”, afirma Cristina.

“Sou radicalmente contra qualquer atividade que não saia de dentro da criança e, como educadores, somos profissionais responsáveis por saber criar e estudar caminhos que saiam da teoria e sejam devidamente praticados com nossas crianças. Sendo etapa fundamental e preciosa do desenvolvimento humano, a fase da Educação Infantil deve ser olhada com muita atenção pelos professores que nela estão”, defende a psicóloga Rosa Prista.

Na opinião da especialista, muitos professores e pais têm exigido da criança uma aprendizagem que Rosa classifica como formalizada por consistir em escrever e conhecer letrinhas de forma muito precoce. “A conseqüência disso é o empobrecimento da iniciativa, da autonomia, da criatividade e da própria possibilidade de as crianças fazerem escolhas, afinal elas ficam com o pensamento fragmentado. Assim, a exigência de folhas mimeografadas em demasia traz o formal para a sala de aula, impõe modelos. Quem determina não é o interior da criança, mas um adulto que quer mostrar tecnicamente belas imagens que são meramente montadas por suas idéias, e não pelo grupo infantil”, critica.

Quando a livre expressão da criança é respeitada, garantem os especialistas, a entrada na escola aos dois, três, quatro ou cinco anos contribui de forma favorável para toda a vida acadêmica do aluno.

“Se a criança estiver em um espaço educacional no qual os professores compreendem o seu desenvolvimento, considero essa etapa extremamente saudável, já que possibilita a construção da afetividade, da comunicação e enfatiza a ludicidade como dado primordial nas atividades de desenvolvimento. Nesse tipo de espaço, os profissionais agem sem pressa, sem produtos didáticos prontos, sem manifestar ansiedade frente aos resultados”, completa Rosa.

A professora Cristina Castilho acrescenta que a vivência com a escola ajuda a criança a formar melhor os conceitos, a respeitar regras e a se socializar. “O que, a princípio, parece atender apenas à necessidade dos pais que precisam trabalhar – não só por questões financeiras, mas também por uma realização profissional –, acaba sendo muito benéfico para os filhos. O mundo hoje evolui mais rápido e há a necessidade de que a criança seja estimulada mais cedo. Na escola, ela adquire uma segurança emocional que a ajuda a resolver vários problemas sem interferência do adulto”, conclui.

E foi em busca da independência e da socialização dos filhos que a jornalista Lúcia Cassalto, mãe de Pedro, três anos, e a professora Edivana Muniz, mãe de Matheus, também três anos, decidiram investir na Educação Infantil.

Edivana, no momento, não trabalha, mas, por achar o filho muito sozinho, há seis meses, o matriculou em uma escola. “Ele melhorou em tudo. Quase não brincava com outras crianças, era muito inibido. Hoje, está mais solto, mais independente, desenvolveu até a fala”, comemora.

Já Lúcia trabalha fora o dia todo e preferiu a escola a manter uma babá em casa. No entanto, ela garante que faria a mesma opção se fosse desempregada: “Talvez, se estivesse em casa, não deixaria o Pedro passar tanto tempo na escola (ele estuda em horário integral). No entanto, ele não ficaria em casa de forma alguma. As escolas hoje têm bons projetos pedagógicos e a criança aprende a enxergar o mundo de outra maneira. Acho que todas as crianças deveriam ir para o colégio o quanto antes”.

A advogada Mônica Couri, mãe de Júlia, de dois anos e um mês, fez um acordo com o marido de que abriria mão da vida profissional em função da única filha, pelo menos, até ela completar três anos. O trato e a idéia de que a escola seria uma obrigação para Júlia fizeram com que Mônica relutasse em matricular a menina no maternal. Mas, depois de visitar algumas escolas com as amigas que estavam interessadas em matricular os filhos, ela mudou de idéia.

“Vi que a escola tinha um ambiente agradável e que o convívio com outras crianças poderia ajudar a Júlia mais tarde. Em duas semanas, percebi a evolução dela. Melhorou a fala e já está até tirando a fralda. O melhor é que ela pede para ir. Se não se sentisse bem lá, certamente não pediria”, conta a mãe.

Pais Participativos

Se em outras fases a participação da família na escola é considerada fundamental, na Educação Infantil ela se torna uma exigência. Especialistas são unânimes em afirmar que, mesmo com agendas lotadas e uma rotina profissional intensa, pais e mães devem dedicar um tempo à vida escolar dos filhos. Com base nesse princípio, a Secretaria Municipal de Educação criou o Conselho Escola-Comunidade (CEC) com o objetivo de integrar família e escola.

“Nosso objetivo é aproximar, cada vez mais, os pais da escola”, diz Carmem Lúcia Guedes, da divisão de Educação Infantil da Secretaria.

A psicóloga Rosa Prista afirma que o maior erro dos pais é o fato de, por excesso de compromisso, delegarem a terceiros a responsabilidade de cuidar dos filhos. “Este é um fenômeno presente em uma sociedade na qual a busca desenfreada por Ter vem impedindo o ser humano de Ser. Tenho trabalhado em várias comunidades e tenho assistido ao abandono das famílias em relação a seus filhos. Alguns por motivos reais, pois precisam trabalhar o dia inteiro. Mas o fato é que muitos pais vêm delegando à Educação Infantil toda e qualquer tarefa que seria de sua responsabilidade”, critica.

A conclusão da psicóloga é que a Educação Infantil pode ser muito lucrativa para as crianças desde que os pais levem em conta que “o importante não é o filho estar em uma escola, mas sim em uma escola de qualidade”, adverte.

Colégio São Vicente de Paulo
Tel.: (21) 2620-5115