Quem
pensa que brincar com boneca de pano é coisa do passado ou acha
que ouvir histórias de Saci Pererê e de um sabugo de milho
não se enquadram no mundo digital? Puro engano. A magia do faz-de-conta
da turma do Sítio do Pica-Pau-Amarelo continua encantando crianças
de todas as idades e camadas sociais. E, é através desta
linguagem lúdica, trabalhada pela Cia. da Mães, que diferentes
elementos são utilizados para enriquecer a formação
do ser humano, como: valorização da auto-estima, socia-bilidade,
acesso à cultura e estímulo do imaginário. Mas
o que é a Cia. das Mães? Não é uma companhia
deteatro profissional. É simplesmente um grupo de mães que
resolveu passar para os amigos de seus filhos o ato prazeroso de ouvir
e contar histórias infantis. A brincadeira começou em 1997,
com duas mães fazendo uma encenação comemorativa
ao centenário de Monteiro Lobato, a convite das professoras do
Jardim de Infância de seus filhos em um colégio de Niterói,
o Assunção. O
sucesso das mães-atrizes foi o pontapé para
a criação de um grupo que, tempos depois, viria a se chamar
Cia. das Mães. Atualmente, o grupo, que conta com dez integrantes,
já fez quatro adaptações e diversas apresentações
em escolas públicas, privadas, externatos, orfanatos e Sesc/Niterói.
Mas
como diz a autora do projeto e articuladora do grupo, Mônica Martins,
o que começou como uma brincadeira gostosa tomou um vulto
inesperado que procuramos manter sob controle, devido à limitação
própria de um grupo independente, autodidata, sem patrocínio,
que ensaia enquanto os filhos estão na escola. Mas,
por que Monteiro Lobato? Na era do mundo digital ainda cabe falar em boneca
de pano que fala? Bom, para responder esta pergunta, Mônica lembrou
o quanto este autor foi marcante em sua infância, principalmente
por ter tido a oportunidade de conhecer, através de uma excursão
escolar, o set de filmagem da primeira versão televisiva do Sítio
do Pica-Pau- Amarelo em Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio. Da lembrança infantil à realidade madura foi quase um pulo. Passados alguns anos, Mônica e Ana Angélica propuseram à Associação de Mulheres de Piratininga (Niterói) desenvolver atividades com as crianças sem recursos daquela região e, assim, criaram o projeto Domingo Cultural, no qual elas são estimuladas a trabalhar o imaginário a partir da literatura infantil. |
Em
abril de 1999, as duas amigas criaram uma oficina (leitura, pintura, dramatização
com caracterização) com o texto Memórias de
Emília, de Monteiro Lobato. As crianças, que
nem bonecas têm para brincar, ficaram enlouquecidas com aquela boneca
espevitada que falava e as fazia sonhar, salientou Mônica.
Tamanha foi a empolgação com a turma do Sítio do
Pica-Pau-Amarelo, que as duas amigas resolveram trabalhar outros textos
de Monteiro Lobato. Com
o desenvolvimento do trabalho, vieram as parcerias. E a primeira foi com
o Espaço Maria Jacinta que cedeu o local para apresentações
de uma adaptação de Memórias de Emília.
Na ocasião, a escritora niteroiense Maria Tereza apoiou a dupla
na criação de um grupo de teatro amador e, aí, surgiu
a Cia. das Mães, que, como o nome indica, é um grupo formado
por mães que têm como traço comum a paixão
de ver o olhar brilhante e sonhador de uma criança envolvida pela
magia do faz-de-conta das histórias infantis. Participam
do grupo as fisioterapeutas Ângela Azevedo (Tia Anastácia)
e Silvana Pelluso (Pedrinho), a professora aposentada e ex-diretora de
escola Maria Sônia Scovino (Dona Benta), a assistente social Ana
Angélica dos Anjos (Visconde de Sabugosa), a chilena Irene Herrera
(Marques de Rabicó), Deise Marconi (Narizinho), a ex-bancária
Arliety Solles (Saci), a psicóloga e diretora do grupo Denise Mello,
a jornalista e autora do projeto Mônica Martins e Ieda. Outro
parceiro foi o Sesc/Niterói que as convidou para encenar Memórias
da Emília e que também propiciou à Cia. das
Mães realizar um de seus sonhos: o de levar crianças carentes
para o teatro. Maria Sônia, a Dona Benta, considera
que este é o melhor público, uma vez que as crianças
são interessadas e ávidas por conhecer um mundo diferente
do seu cotidiano, o que possibilita a viagem dos sonhos, o conhecimento
e o convívio com outras realidades sociais tão próximas
e, ao mesmo tempo, tão distantes deles. No
entanto, para continuar a viagem ao universo de Monteiro Lobato, Mônica
teve que fazer contato com o Geraldo Casé, diretor da TV Globo
- emissora que detém os direitos autorais -, que dirigiu a primeira
versão do Sítio do Pica-Pau-Amarelo. Diante desta iniciativa,
Casé não só autorizou oficialmente o projeto como
passou a orientá-las no sentido de procurar manter o estilo da
primeira versão linguagem, figurinos, trilha sonora, entre
outros aspectos. Para as integrantes da Cia. das Mães, o trabalho
está sendo duplamente gratificante. Primeiro, pela resposta do
público-alvo e, depois, pelos seus próprios filhos, que
acompanham todo o processo, ajudando as mães nos ensaios, na divulgação
com os amigos nas escolas e até fazendo substituições
quando falta alguma atriz na peça. A próxima investida da trupe será o Aniversário da Emília, ainda em fase de adequação do texto e ensaios. Entre as adaptações que, volta e meia, são solicitadas estão: Resgatando os Mares (encenada no dia do Meio Ambiente), O Dia que Não Aconteceu, Memórias de Emília, A Reforma da Natureza, O Sarau e o Descobrimento do Brasil.
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