A experiência de uma escola pública pioneira e moderna, na qual estudar é um prazer para os alunos. Esse é o resultado de uma proposta de educação que acredita no sonho como processo de transformação

Por Cláudia Sanches

Quando se fala em estudar os pensadores, a primeira idéia que se vem à cabeça é uma aula de Filosofia. Mas na Escola Municipal Mozart Lago, onde cada turma elegeu um pensador para trabalhar, os alunos estudaram todas as disciplinas do currículo escolar através do subprojeto Os Nossos Sonhadores. A experiência faz parte da proposta pedagógica Só um Sonhador Constrói o Futuro, que, no semestre anterior, levou uma escola de samba mirim às ruas do bairro de Oswaldo Cruz, para falar sobre o meio ambiente.

O subprojeto mostrou o sonho como essência do processo de transformação: “Queremos demonstrar o sonho como algo realizável, basta que se tenha ação, mostrar quantos sonharam e quantos fizeram”, diz Lilian Santos, coordenadora pedagógica.

De Leonardo Da Vinci a Gabriel, o Pensador, os estudantes pesquisaram a vida e obra dos pensadores com a orientação do corpo docente. Lilian conta que as escolhas das turmas variaram muito, desde os pensadores clássicos gregos, passando por Che Guevara, Lampião, até chegar a sonhadores mais contemporâneos como John Lennon e até a alguns mais polêmicos como os Bandeirantes. “Num primeiro momento, achamos estranho considerar Lampião e os Bandeirantes como sonhadores, mas a polêmica resultou em uma discussão interessante e concluímos que o sonho de alguns pode ser o pesadelo dos outros”, brincou.

Para garantir a interdisciplinaridade, cada turma pôde escolher um sonhador, que não precisava ter necessariamente relação com o conteúdo de uma disciplina específica. A professora de Educação Física, Suzane Gomes, que é fã de John Lennon, escolheu o músico, e os alunos produziram uma coreografia com a música Imagine. No entanto, como a canção é uma proposta da ideologia pacifista, eles estudaram conteúdos de História e Geografia, como a guerra do Vietnã, e abordaram a questão da ética e dos valores do mundo neoliberal.

Durante a culminância, Suzane leu a tradução das músicas que foram encenadas, um trabalho realizado em parceria com a professora de Inglês. “Explorando as obras a partir de diversas disciplinas, podemos promover a relação entre elas. As crianças ficam muito estimuladas com o gancho para as matérias”, explicou Suzane.

Foi assim que a poesia Rosa de Hiroshima, de Vinícius de Moraes, rendeu aulas de História – porque fala de um contexto histórico, que é a Guerra –, de Língua Portuguesa e Literatura, tendo sido apresentada em forma de jogral. A turma da 7.ª série de Ciências, por exemplo, que escolheu Hebert de Souza como pensador, começou a desenvolver leituras e pesquisas sobre sua vida. “Eles abordaram temáticas como cidadania e ética, e, a partir da Campanha do Natal Sem Fome, estudaram o corpo humano, a alimentação e a subnutrição. No final, eles decidiram ingressar na campanha, arrecadando mais de 120 quilos de alimentos não perecíveis”, contou Lilian

A equipe da diretora Regina Célia Gonçalves aposta em uma Educação moderna, baseada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que prevêem a interdisciplinaridade e levam em conta a realidade do aluno. “Queremos que a criança alcance uma visão maior do mundo. Para isso, é preciso que haja flexibilidade nos conteúdos. Assim, os saberes se transformam em uma rede de informações”.

Com Villa-Lobos, os alunos da Educação Infantil deram continuidade ao processo de alfabetização a partir das letras das composições; estudaram Matemática com as métricas dos versos; e produziram maquetes de trens em Artes Plásticas, uma referência à música O Trenzinho Caipira. A partir da cantiga Ciranda Cirandinha, trabalharam folclore, psicomotricidade e apresentaram um teatro musical, no qual as crianças desenvolveram a expressão corporal.

A 1.ª série escolheu a sonhadora Cecília Meireles, que fundou a primeira biblioteca infantil no país, e apresentou um jogral recitando uma poesia. Através das poesias, trabalhou-se conteúdos de Ciências com elementos do texto, como as flores e os animais; em Matemática, os conteúdos estudados foram: noção de quantidade, operações, números crescentes e descrentes e seqüência numérica com os números de rimas, versos e estrofes. Outra turma de crianças dramatizou uma peça com a poesia musicada A Arca de Noé, do sonhador Vinícius de Moraes, interpretada por Chico Buarque de Holanda e Milton Nascimento.
Outro sonhador escolhido pelas crianças para apresentar uma coreografia foi Monteiro Lobato. Elas produziram uma coreografia da música Emília, personagem do Sítio do Pica-Pau- Amarelo.

Para Regina Célia, o mais importante do programa é a utilização de diversas linguagens, como a dança, a música e o teatro – o que valoriza a cultura dos alunos e a auto-estima da clientela da escola. O projeto Só o Sonhador Constrói o Futuro, desenvolvido há mais de dez anos, transformou a cara da escola. Segundo Regina, a Mozart Lago tornou-se uma escola referencial, porque os alunos estudam de maneira prazerosa. “O estudante vem para cá feliz, porque é uma escola limpa e bonita, onde o lema é estudar com prazer. Não trabalhamos em cima de livros e cadernos o tempo todo. Utilizamos a arte, que deu um toque de beleza na escola.

A principal aliada dos professores, além da criatividade, é a sucata. Com a orientação do professor Plínio Sacramento, a escola é toda decorada com material reciclado. “Por isso, o aluno não suja e não picha, já que vê esse espaço como a continuidade de sua casa. O projeto mexeu até com a maneira de se vestir, e eles passam a vir para cá com uma roupa limpa, asseada e bonita”, afirmou.

Seguindo a proposta da Secretaria de Educação, a escola também é um espaço aberto aos pais e à comunidade. Segundo a direção, essa proposta ajuda os educadores a terem mais opções na elaboração dos ensinamentos, buscando outros saberes e outras formas de expressão, além de estarem abertos a receber informações de fora, consolidando o papel fundamental do professor na transformação da Educação: “Se sonhamos com uma escola de qualidade, precisamos de ação. Nós vamos buscar os meios, a troca de experiências”, garantiu Lilian.

A culminância dos projetos, segundo Lilian é importante porque une estudantes e corpo docente, criando assim um intercâmbio entre eles: “Vemos o professor realizar um trabalho que o outro não conhece. Cada um mostra o que está fazendo e como o faz, proporcionando a oportunidade de o outro conhecer os trabalhos. Quando o professor de Língua Portuguesa Plínio Caliman soube da pesquisa sobre Lampião, lembrou que tinha bastante literatura de cordel em casa e passou para a turma”, recorda a professora.

Na opinião de Lilian, essa prática pedagógica é muito mais difícil do que a metodologia tradicional, mas o retorno é muito recompensador: “Esse é um trabalho construído no dia-a-dia junto com a comunidade, com muita dedicação e persistência, não é um trabalho fácil. Para chegar a esses resultados, precisamos estudar muito, nos atualizar, debruçar sobre os PCNs, para que possamos oferecer uma escola dinâmica e eficaz e resgatar o aluno para dentro da escola. Entretanto, o feedback faz valer esse nosso esforço”, diz ela, que continua sonhando com uma ensino de qualidade para a população e mostra, com sua ação, que é possível despertar a esperança de que dias melhores virão para o profissional da Educação.