Através de brincadeiras e encenações, alunos resgatam as tradições folclóricas das regiões brasileiras

Por Lídia Freire

O vocábulo “folclore” vem do inglês, mais precisamente da união de duas palavras: “folk”, que significa “povo” e “lore”, que quer dizer estudo, conheci-mento. Enfim, é o estudo dos costumes e das tradições de um povo, representado pelos seus diversos movimentos culturais regionais. E foi em cima desse tema que a Creche-Escola Acalanto, localizada em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, desenvolveu uma de suas mais belas atividades durante o ano de 2001.

De acordo com a coordenadora dos Jardins 1, 2 e 3, Fernanda Bezerra de Almeida, a criança hoje é bem informada, mas também sofre grande influência da mídia, que nem sempre é educativa, levando-as muitas vezes a se afastarem das raízes culturais do país.
Partindo dessa premissa, a escola tem procurado mostrar aos alunos e trazer para o nosso dia-a-dia as raízes culturais de nossos povos através de brincadeiras, leituras e vários tipos de dinâmicas educativas. “Por todos esses motivos, todo dia é dia de folclore na escola. A gente vivencia isso, por exemplo, através de brincadeiras como amarelinha, escravos de Jó, pular elástico e pular corda, que são passadas de pai para filho. Antigamente, a gente tinha a rua, a pracinha. Hoje, nossas crianças são crianças de shopping”, analisa a coordenadora da creche.

Agosto é o mês do folclore, mas foi em setembro, no período de 24 a 28, que a Acalanto se rendeu às homenagens. Anualmente, a escola comemora a data e, em 2001, houve uma grande surpresa. “Nós fizemos um trabalho integrado dos pequenos com os maiores, que deu muito certo”, conta a pedagoga. Como exemplo, ela cita os pequeninos do Jardim I, com faixa etária regu-lando entre três e quatro anos, que trabalharam com as crianças da 2.ª série. A relação trouxe ganhos para os dois lados. Os pequeninos do Jardim I se sentiram importantís-simos ao trabalharem com os maiores, e estes com a responsabilidade de transmitir algo para os menores.

Durante uma semana, a escola se mobilizou para mostrar o resultado coletivo. De segunda a sexta, foi apresentada uma região do país, em mais ou menos 1h30min, espetáculo que contou com a participação entusiasmada de vários pais.

Ao contrário do que é realizado na maioria dos eventos comemorativos, ou seja, pesquisas transpostas para painéis através de figuras e textos, os alunos deram vida, literalmente, a tudo que descobriam sobre o te-ma: usaram a encenação.

A Região Norte deu início à série de apresentações e foi desenvolvida pelos alunos do Jardim II e da C.A.. Lendas da Amazônia, como a do Boto Cor-de-Rosa e a da Cobra Norato, não foram esquecidas. Além disso, destacou-se a importância da preservação ambiental. Problemas como desmatamento e poluição, relacionados à crise de energia, serviram como pano de fundo, enquanto as lendas da Vitória-Régia e da Iara ganharam vida ao serem interpretadas por crianças que vivem tão longe daquele que é considerado o maior santuário ecológico do planeta. O índio e o seringueiro, característicos da região, serviram para compor a narrativa.

Em seguida, veio o Nordeste, que nos faz lembrar da seca e do povo sofrido, mas que carrega personagens extremamente significativos, como a baiana, o pescador e Zumbi dos Palmares. “Logicamente, quem contava tudo isso era o Jorge Amado em seus livros, e aproveitamos para lhe fazer uma homenagem”, disse Fernanda de Almeida.

O escritor baiano morreu no dia 6 de setembro, aos 88 anos, quando os alunos ainda estavam em fase de pesquisa. A platéia interagiu com os pequenos atores, que, em cima do tema – Região Nordeste – preparam parlendas, quadrinhas e adivinhações. A criançada foi para o microfone e o público respondeu prontamente.

O Jardim I e a 2.ª série ficaram com a Região Sudeste, enfocando os dois Estados mais importantes em termos de tradição popular: Minas Gerais e Rio de Janeiro. A religiosidade, as igrejas e as procissões, tão valorizadas na terra do pão de queijo, entraram no roteiro da história. Foi um passeio pelas coisas mais importantes do folclore de Minas, incluindo a culinária e os artistas mineiros, como Aleijadinho, até descer para o Rio de Janeiro, momento em que surge a figura do malandro e o samba de botequim.

O carnaval – algumas crianças até se fantasiaram –, o desfile das grandes escolas e a boemia carioca não ficaram de fora. Uma cena pitoresca foi a que reproduzia um bar, com a presença de um garçom, ao som de Pelo Telefone, de Donga. A música, composta em 1917, e que marca oficialmente o nascimento do samba, foi acompanhada por batidas sincopadas em caixas de fósforo.

A Região Centro-Oeste exigiu esforço redobrado da equipe. De todos os recantos do Brasil, talvez seja o que ofereça menos material folclórico. Mesmo assim, o que há de mais representativo no coração do Brasil estava na montagem preparada pelos alunos. Não faltaram as figuras do vaqueiro, pescador, canoeiro e do caçador de jacaré. Além disso, houve, como era de se esperar, referências ao Pantanal e à lenda do Curupira.

No último dia da semana de comemoração do folclore, a escola se bandeou para o Sul, última região a ser explorada. Crianças entraram em cena para lembrar as figuras conhecidas do gaúcho – tradicional na fronteira do Brasil com a Argentina e o Uruguai – e do ervateiro. Como trabalho de vivência, os alunos menores fizeram e experimentaram o chimarrão em sala de aula.

As turmas apresentaram as dan-ças do pezinho e do pau-de-fita e salientaram a influência da colonização alemã, tão marcante nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A lenda do Negrinho do Pastoreio, ori-ginária do Rio Grande do Sul, por exemplo, ganhou uma bela dramatização. Reza a tradição oral que o Negri-nho do Pastoreio perdeu alguns cavalos dos quais cuidava e, por isso, apanhou violentamente de seu patrão, sendo, depois, jogado num formigueiro, de onde foi resgatado por Nossa Senhora. Por isso, é conhecido como o protetor de pessoas que perdem alguma coisa.