Os
especialistas garantem: trabalhar com projetos didáticos é
fascinante e surpreendente. Fascinante pela capacidade de envolver até
os alunos mais displicentes. Surpreendente por trazer embutido o germe
do inesperado. A seguir, você vai ler nove perguntas recorrentes
sobre o tema, respondidas por três grandes craques no assunto. São
questões que afligem quem nunca se aventurou por esse mundo
e também quem já não é mais iniciante. Nossos convidados são Regina Scarpa, coordenadora-geral do Centro de Estudos e Documentação para Ação Comunitária, em São Paulo; Vinicius Ítalo Signorelli, professor de Ciências Naturais e integrante do programa Parâmetros em Ação, do Ministério da Educação; e Vera Grellet, coordenadora de projetos da Redeensinar. Muitas respostas são complementares. Outras revelam pontos de vista diferentes. Prova de que, em Educação, você bem sabe, não há uma verdade única, cristalizada. O que significa trabalhar com projetos didáticos?
Vera Grellet< É partir de questões ou situações
reais e concretas, contextualizadas, que interessem de fato aos alunos.
Compreender a situação-problema é o objetivo do projeto.
As ações e os conhecimentos necessários para a compreensão
são discutidos e planejados entre o professor e os alunos. Todos
têm tarefas e responsabilidades. É como se fosse uma viagem:
estamos em São Paulo (o que sabemos) e queremos chegar a Salvador
(o caminho simboliza o que vamos aprender). Temos de decidir o que fazer,
o que levar, dividir tarefas. Durante a viagem, teremos também
de tomar novas decisões. A aprendizagem se dá durante todo
o processo e não envolve apenas conteúdos. Aprendemos a
conviver, a negociar, a nos posicionar, a buscar e selecionar informações
e a registrar tudo isso. Vinicius
Signorelli< Significa dar aos alunos a oportunidade de aprender
a fazer planejamentos com o propósito de transformar uma idéia
em realidade. Significa, ainda, ensinar formas de elaborar cronogramas
com objetivos parciais, nos quais o trabalho em direção
aos objetivos finais é avaliado permanentemente de modo
a corrigir erros de processo ou mesmo de planejamento. Alunos que planejam
e implementam projetos aprendem a analisar dados, considerar situações
e tomar decisões. Regina Scarpa< Compartilhar com os alunos uma aprendizagem com sentido. A escola costuma trabalhar conteúdos que não fazem sentido imediato para os alunos. Os projetos didáticos são uma evolução porque, além de tratar os conteúdos programados, eles contextualizam essas aprendizagens na busca de um produto final. Qual a diferença entre trabalhar com projetos e com temas geradores?
Regina< O tema gerador foi concebido como uma forma de ampliar
a interdisciplinaridade. Muitas vezes, no entanto, essa junção
era uma forçada de barra, uma integração
artificial e ilusória, porque é difícil explorar
bem os conteúdos de tantas disciplinas. Num projeto, os conteúdos
estão muito bem definidos, pois as crianças precisam de
uma diversidade de situações de aprendizagem sobre um determinado
assunto para aprender. Vera<
Os temas geradores são assuntos, não questões ou
situações-problema que motivem o desenvolvimento de um projeto.
O tema em si não é motivador e geralmente é apresentado
pelo professor sem a participação dos alunos. Signorelli<
Tema gerador é uma expressão de muitos significados entre
os educadores. Originalmente, é uma proposta pedagógica
elaborada por Paulo Freire e composta de uma seqüência de ações
envolvendo toda a comunidade escolar (professores, alunos e familiares).
O projeto didático é uma idéia mais ampla. O fundamental
é que os alunos tenham a oportunidade de imaginar uma ação,
traçar um plano para torná-la real num tempo predeterminado,
realizar esse plano, controlar o processo, responder aos acontecimentos
imprevistos e chegar ao resultado projetado. Do ponto de vista didático-pedagógico,
o projeto, uma vez realizado, foi bom se os alunos aprenderam muito, não
se o produto ficou bonito ou o resultado bem apresentado. O tema de um projeto é escolhido pelos alunos, pelo professor ou coletivamente? O que cabe a cada um decidir? Regina<
O tema do projeto deve ser escolhido pelo professor, pois ele sabe os
objetivos didáticos e os conteúdos que deseja trabalhar.
Isso não quer dizer que não exista lugar para a tomada de
decisões dos alunos. Ao contrário. Para que os estudantes
de fato compartilhem o projeto, eles têm de ter uma participação
ativa. O que faz com que eles gostem de um projeto não é
o fato de fazer passeios ou manejar máquinas fotográficas
e gravadores, mas a importância de saber claramente o que todos
vão produzir e para quem. Signorelli<
Essa questão se relaciona com o objetivo geral da Educação
básica mais comentado atualmente, que é o desenvolvimento
da autonomia. No caso dos projetos didáticos, é preciso
estabelecer, em primeiro lugar, o que os alunos já têm condições
de decidir sozinhos e deixá-los agir. Vera< O tema pode ser levado pelo professor, mas os alunos têm de estar interessados em desenvolvê-lo. Além disso, o planejamento para a execução deve ser discutido e negociado. O professor precisa ter clareza das competências que deseja que a garotada desenvolva e dos conhecimentos necessários para isso, ou seja, cabe a ele criar as condições para que o projeto caminhe: garantir o acesso às informações, a participação de todos e um clima de colaboração e respeito mútuos. |
Que decisões o professor precisa tomar antes de dar início a um projeto didático? Signorelli<
É sempre bom lembrar que um projeto didático é uma
forma de ação pedagógica. Para colocá-la em
prática, é preciso ter um planejamento pedagógico,
isto é, fazer escolhas sobre o que será ensinado, como se
dará esse processo e como será a avaliação
mesmo que o desenrolar dos acontecimentos transforme as decisões
originais. Em seguida, o professor deve imaginar os passos necessários
ao planejamento e implementação do projeto junto com os
alunos. É esse exercício de imaginação que
permite saber quais decisões serão compartilhadas com a
turma. Compartilhar aqui tem dois sentidos: explicar adequadamente as
razões de uma decisão, quando esta é tomada pelo
professor; e orientar claramente a decisão, quando ela será
tomada pelos alunos. As decisões compartilhadas são tomadas
em razão do potencial de ensino. Para isso, o professor deve se
perguntar: O que meus alunos aprenderão ao tomar essa decisão?
Eles estão em condições de tomar essa decisão
de forma autônoma ou tenho de monitorá-los? Se os estudantes
são imaturos, assuma o comando. Mas saiba que, quando o professor
decide tudo, não há projeto didático. Vera<
Há dois pontos de partida: a questão que justificará
o projeto e as competências que serão desenvolvidas na solução
da situação-problema. Os conteúdos são ferramentas
para compreender os fenômenos e, portanto, devem ser selecionados
mais tarde. Regina< É de responsabilidade do professor conhecer bem as necessidades de aprendizagem dos alunos. Mas, quando ele compartilha um projeto, precisa ter a flexibilidade de mudar algumas etapas previstas. O professor deve encarar o que foi planejado como uma hipótese de trabalho. À medida que algo se torna coletivo, ele pode rever o planejamento. Um projeto didático precisa ser interdisciplinar? Vera<
A meu ver, sim. Os projetos são interdisciplinares porque partem
de questões reais, concretas e contextualizadas. Regina<
Não necessariamente. Num projeto de criação de uma
enciclopédia de animais, por exemplo, é obrigatório
que os conteúdos de Língua Portuguesa e Ciências Naturais
estejam presentes. Mas para que isso aconteça, os conteúdos
de Ciências precisam ser definidos previamente pelo professor, assim
como os de leitura, escrita e oralidade. Signorelli< Não. Um projeto didático é um caminho para ensinar algo que faça sentido para os alunos e que sonhos podem se tornar realidade. Isso pode acontecer em uma única disciplina. Todo projeto didático deve ter um produto final? Signorelli<
Sim. Projeto é o esforço de criar uma idéia e o trabalho
desenvolvido para torná-la realidade. Sem ter algo para realizar,
para alcançar ou mostrar, não existe projeto. Regina<
Sim, deve haver um produto compartilhado com os alunos, ou seja, eles
se co-responsabilizam pela realização de algo coletivo.
O produto escolhido também deve ser próximo das práticas
sociais reais dos alunos. O resultado de um projeto pode ser uma ação,
como um sarau de poesias, por exemplo, ou objetos concretos. Vera< Sim, sem dúvida. Como é feita a avaliação do que os alunos aprendem com o projeto pedagógico?
Signorelli< Num projeto que envolve mais de uma disciplina,
o ideal é que cada professor defina o que quer ensinar e os critérios
para avaliar a turma. Além disso, a criação, o planejamento
e a implementação de um projeto proporcionam situações
nas quais os estudantes podem aprender valores, atitudes ou procedimentos.
Esses conteúdos podem ser trabalhados simultaneamente em mais de
uma disciplina e, nesse caso, sua aprendizagem deve ser avaliada coletivamente. Vera<
A avaliação deve ser feita durante todo o processo, pois
dela dependem os passos seguintes e os ajustes. Com relação
às aprendizagens individuais, podem ser elaborados procedimentos
para que cada aluno possa perceber e acompanhar a própria evolução.
O produto final também é um elemento importante de controle. Regina< A avaliação deve ser feita no início do trabalho, durante o processo e no final. Uma boa situação de aprendizagem é aquela na qual o aluno tem um problema a resolver. Por isso, o professor precisa verificar como esse aluno resolve o problema no início do ano e ao longo do desenvolvimento do projeto. Não é preciso criar situações artificiais de avaliação. O ideal é aproveitar a própria situação de aprendizagem. A avaliação não deve servir para categorizar o estudante, mas oferecer indícios de como anda a evolução da classe. Qual é a duração ideal de um projeto pedagógico? Vera<
Em princípio, ele deve terminar quando todos concordarem que a
questão inicial foi respondida. Mas, usando novamente a metáfora
da viagem, é possível programar uma viagem para um mês
e definir as aprendizagens que cabem nesse tempo. Regina<
No Cedac, trabalhamos com projetos que duram um semestre letivo (cerca
de quatro meses). Mas eles podem durar um bimestre ou mesmo um ano inteiro. Signorelli< Depende daquilo que se quer ensinar. Mas é preciso lembrar que os projetos longos (um semestre ou mais) precisam ser muito bem definidos. Caso contrário, podem se perder pelo caminho e desandar. Como vencer a resistência dos professores que só acreditam em aulas expositivas e dão pouco crédito ao planejamento, discussão e execução coletiva de um projeto? Regina<
O professor formado do jeito antigo não tem parâmetros para
essa nova prática e pode criar resistência a ela. Hoje, porém,
temos tanta informação que é difícil não
mudar o contexto de aprendizagem. Ensinar é fazer aprender. Se
os alunos não aprenderam é porque o professor não
soube ensinar. Num projeto didático, trabalha-se com procedimentos,
conceitos e atitudes como conteúdos de aprendizagem. Numa linha
meramente transmissiva, geralmente são trabalhados apenas fatos
e conceitos. Já com projetos, é importante que os alunos
também aprendam procedimentos de estudo, seleção
e pesquisa de material. Sem falar no desenvolvimento de atitudes, como
ter responsabilidade, exprimir opiniões, fazer escolhas. Eu aconselho
esse professor resistente a experimentar um projeto e ver a diferença
nos próprios alunos. Signorelli<
O melhor jeito de quebrar a resistência é realizando projetos
maravilhosos na escola e explicando a esses colegas como se faz para as
coisas acontecerem. Vera< A experiência de participar de um projeto costuma acabar com qualquer resistência. É só experimentar para começar a gostar.
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