Através da música e da literatura, alunos mostram a contribuição do negro na formação da sociedade brasileira

Por Sandra Martins

O que é racismo? Quais as suas causas? Como ele se manifesta na sociedade brasileira? Ele existe ou só é perceptível a quem sofre esse tipo de violência? Como combatê-lo? Estes foram alguns dos questionamentos levantados por alunos de 5.ª a 8.ª série do Ensino Fundamental no seminário integrado entre a Escola Municipal Rudá Iguatemi Villanova, o Colégio Estadual Bairro Nova Aurora e o Ciep 210, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.

O tema – candente, atual e permeado de complexidade – teve como objetivo remeter o educando a entender algumas diferenças sociais e preconceitos raciais existentes na sociedade brasileira. A proposta do projeto, organizado pelos professores Lucivaldo Dias, Vera Lúcia e Vânia Brum, é fazer com que o estudante entenda e saiba administrar a discriminação racial, lutando pela sua eliminação, respeitando e valorizando as diversidades étnicas e culturais.

Inicialmente, o tema foi subdivido em três subtemas – Dia Nacional da Consciência Negra, 306 Anos de Zumbi e O Racismo –, que foram trabalhados em grupos de 10 alunos da 8.ª série. Os estudantes assistiram a vídeos, visitaram o Museu Histórico Nacional e fizeram pesquisas em salas de leitura e de campo, com entrevistas feitas com parentes e amigos.

O resgate do negro como um ser humano começou com um passeio ao continente africano, quando os alunos puderam conhecer as diferentes culturas, lendas, religiosidade, história e topografia, através das aulas de Geografia com o professor Lucivaldo. A turnê continuou pelos continentes europeu, sul-americano e norte-americano, perpassando pelas rotas de colonização até chegar ao auge do comércio escravo, ao fim da escravidão e à luta pela igualdade de direitos.

Nos Estados Unidos, o pastor protestante e pacifista Martin Luther King pregava direitos iguais para brancos e negros. Na África do Sul, Nelson Mandela, preso 27 anos por combater o regime do Apartheid (regime de isolamento racial), chegou à presidência promovendo alianças multirraciais. No Brasil, Zumbi dos Palmares tornou-se referência como líder da resistência dos escravos, conhecidos como quilombolas; devido à ascensão e derrocada do Quilombo dos Palmares, além de outras insurreições contra o regime escravocrata.

Considerando que a escola é o melhor lugar para se discutir mudanças de conceitos e do olhar do ser humano para com o próprio ser humano, diversos professores trabalharam os temas em suas disciplinas.

Conhecer o passado para se firmar no presente e se impor no futuro começa com a história da própria família. E este foi o caminho trilhado pela professora de História Vera Lúcia, que estimulou os alunos a fazer um levantamento familiar, ouvindo relatos da infância de seus avós e pais, como era a sociedade naquela época e como eles praticavam sua religiosidade.

Ao apresentar um quadro esculpido de um “preto velho”, a estudante Marcela da Silva, 16 anos, afirmou que, através do sincretismo dos cultos africanos e da religião católica dos brancos, os escravos conseguiram preservar para as gerações futuras os fundamentos religiosos de sua terra natal. Para ela, a mensagem deixada pelos milhões de “pretos-velhos” que morreram na escravidão era de que “não bastava só ter cor, e sim lutar pelos seus direitos”.

A legislação abolicionista, a Lei Áurea e as atuais leis que combatem o racismo e a discriminação racial foram elencadas na palestra feita pelo grupo capitaneado por Daiane Ferreira dos Santos, 14 anos, aluna do Colégio Estadual Bairro Nova Aurora, na qual foram relatadas denúncias da prática de racismo.

Utilizando-se de ícones negros como o poeta Solano Trindade, Castro Alves, José do Patrocínio, Grande Otelo e Taís Araújo, a professora de Português Leir Menezes apresentou as diferentes formas de alerta em prol da valorização da contribuição do negro na formação da sociedade brasileira, através da poesia, da música, da literatura e da religiosidade, que denunciam o sofrimento do negro e seus descendentes. A depreciação étnica está tão arraigada no cotidiano, segundo a professora Leir, que as pessoas não se dão conta das formas pejorativas de tratamento, como: “neguinho”, “fedor de preto”, “macaco”, “preto de alma branca”, “moreninha marrom bombom”, “nega do cabelo duro”, “pretinho simpático”.

Com os dados coletados, o professor Aluísio, de Matemática, orientou os alunos a confeccionarem gráficos e tabelas com os percentuais populacionais nas fazendas brasileiras, onde o número dos escravos era três vezes maior que o número de brancos.

Nas aulas de Ciências, com a professora Zeneide, os alunos tomaram conhecimento de que não existe a decantada supremacia racial. O brasileiro é um povo mestiço (índios nativos, africano e europeus) e, portanto, não existem diferenças genéticas que potencializem uma raça em detrimento de outra.

Na opinião da aluna Cintia Santos, 15 anos, os temas pesquisados, infelizmente, fazem parte do dia-a-dia deles: “estas coisas acontecem com a gente, e agora nós podemos entender melhor como encarar o preconceito e lutar contra ele”. Segundo o professor Lucivaldo, os alunos acabam sendo discriminados duas vezes, pelo tom da pele e pela região em que moram, a “Baixada Fluminense”, periferia composta por habitantes de baixa renda e de descendência negra.

Apuradas e depuradas, as informações foram transformadas em textos de fácil assimilação, apresentados, posteriormente, pelos grupos em palestras ilustradas com maquetes e cartazes, além da Jornalteca (mural com fotografias, matérias jornalísticas enaltecendo personalidades negras, atividades culturais, denúncias de casos de racismo e as conquistas alcançadas nos tribunais).

De acordo com o professor Lucivaldo, o resultado alcançado no projeto foi excelente. “Os alunos perceberam que é hipocrisia afirmar que o preconceito não existe. Ele está presente em nossas vidas e quem sofre essa violência na própria pele sabe o quanto dói. Por isso, deve ser encarado e combatido.”


Escola Municipal Rudá Iguatemi Villanova
Tel.: (0xx21) 2660-0517