Para Paulo Freire, o diálogo é uma relação horizontal que se nutre de amor, carinho, humildade, esperança, fé e confiança. Ele não pensa a realidade como um sociólogo que procura apenas atendê-la, mas busca nas ciências (sociais e naturais) elementos para compreender mais eficientemente a realidade e poder intervir de forma mais eficaz nela. Por isso, ele pensa a Educação ao mesmo tempo como ato político, ato criador e ato de conhecimento.

A alfabetização, em vez de se impor como algo estranho ao mundo psicossociológico do analfabeto, ajusta-se neste quadro como decorrência natural da tomada de consciência lúcida dos problemas. A consciência crítica (que substitui a consciência mágica) tende para a mobilidade crescente que tem como instrumento natural a utilização da leitura, porta de entrada em um novo mundo cultural simbolizado pela linguagem escrita. O que se propõe ao analfabeto não é, simplesmente, a aquisição de uma nova técnica que ele não deseja e cuja utilidade não percebe: propõe-se a solução de seus problemas vitais através do manejo de um instrumento que ele utilize de forma autônoma.

De maneira esquemática, podemos dizer que o “Método Paulo Freire” consiste em três momentos interdisciplinarmente entrelaçados:

a. a investigação temática pela qual aluno e professor buscam, no universo vocabular do aluno e da sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua biografia;

b. a tematização pela qual eles codificam e decodificam esses temas; ambos buscam o seu significado social, tomando assim consciência do mundo vivido; e

c. a problematização na qual eles buscam substituir uma primeira visão mágica por uma visão crítica, partindo para a transformação do contexto vivido.

As atividades de alfabetização exigem a pesquisa do que Freire chama de “universo vocabular mínimo” entre os alfabetizandos. É trabalhando este universo que se escolhem as palavras que farão parte do programa. Estas palavras, mais ou menos dezessete, chamadas “palavras geradoras”, devem ser vocábulos de grande riqueza fonêmica, colocados, necessariamente, em ordem crescente das menores para as maiores dificuldades fonéticas, lidas dentro do contexto mais amplo da vida dos alfabetizandos e da linguagem local, que, por isso mesmo, é também nacional.

A decodificação da palavra escrita, que vem em seguida à decodificação da situação existencial codificada, compreende alguns passos que devem, rigorosamente, se suceder.

 

 

Tomemos a palavra TIJOLO, usada como a primeira palavra em Brasília, nos anos 60, escolhida por ser uma cidade em construção, para facilitar o entendimento.

1.º) Apresenta-se a palavra geradora “tijolo”, inserida na representação de uma situação concreta: homens trabalhando numa construção;

2.º) Escreve-se simplesmente a palavra: TIJOLO

3.º) Escreve-se a mesma palavra com as sílabas separadas:
TI - JO - LO

4.º) Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba:
TA - TE - TI - TO - TU

5.º) Apresenta-se a “família fonêmica” da segunda sílaba:
JA - JE - JI - JO - JU

6.º) Apresenta-se a “família fonêmica” da terceira sílaba:
LA - LE - LI - LO - LU

7.º) Apresentam-se as “famílias fonêmicas” da palavra que está sendo decodificada:
TA - TE - TI - TO - TU
JA - JE - JI - JO - JU
LA - LE - LI - LO - LU
8.º) Apresentam-se as vogais: A - E - I - O - U

Este conjunto das “famílias fonêmicas” da palavra geradora foi denominado de “ficha de descoberta”, pois ele propicia ao alfabetizando juntar os “pedaços”, isto é, fazer dessas sílabas novas combinações fonêmicas que, necessariamente, devem formar palavras da Língua Portuguesa. Quando o alfabetizando consegue articular as frases, formar palavras, ele está alfabetizado. É claro que o processo requer, evidentemente, o aprofundamento após a alfabetização.

O “Método” obedece às normas metodológicas e lingüísticas, mas vai além delas, porque desafia o homem que se alfabetiza a se apropriar do código escrito e a se politizar, tendo uma visão de totalidade da linguagem e do mundo.

O “Método” nega a mera repetição alienada e alienante de frases, palavras e sílabas, ao propor aos alfabetizandos “ler o mundo” e “ler a palavra”, leituras, aliás, como enfatiza Freire, indissociáveis. Daí ter se posicionando, algumas vezes, contra as cartilhas.

O trabalho de Paulo Freire é mais do que um método que alfabetiza, é uma ampla e profunda compreensão da Educação, que tem como cerne de suas preocupações a sua natureza política.

Fonte: Instituto Paulo Freire
www.paulofreire.org.br