“Hoje, a gente tem um entendimento de que a sexualidade pode ser trabalhada em todas as disciplinas e de forma transversal. Então, nós não pensamos mais em uma disciplina específica de Educação Sexual. É claro que, quando se trabalha sexualidade, há necessidade, às vezes, de um espaço específico para discutir determinadas questões que merecem aprofundamento com os alunos, quais sejam: virgindade, homossexualidade ou a questão do aborto.”

Por Antônia Lúcia

Vera Filgueiras é pedagoga, mestre em Sexologia Educacional, professora assistente do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, na UERJ, fundadora do Instituto de Sexologia do Rio de Janeiro (InSexRJ) e coordenadora da pós-graduação Lato Sensu em Sexualidade Humana, na Universidade Estácio de Sá.

Jornal Educar – Qual a finalidade do treinamento de capacitação dos professores na disciplina Educação Sexual?

Vera Filgueiras: A finalidade é instrumentalizar esse profissional não só com informações técnico-científicas, mas, principalmente, garantir que ele tenha postura e metodologia adequadas para desenvolver esse trabalho em relação à sexualidade.

JE – Quais são as maiores dificuldades encontradas pelos professores para falarem sobre esse tema?

VF: Dificuldades pessoais, mais do que conteúdo e metodologia propriamente ditos. A nossa cultura é revestida de repressão sexual, além da dificuldade de falar sobre essa questão. Com isso, o professor encontra mais resistência pessoal para trabalhar a sexualidade, do que propriamente conteúdo. Além desse obstáculo, temos também a questão metodológica. Muitas vezes, o professor se sente inseguro por não saber como fazer para que os pais que têm religiões mais radicais não se aborreçam ou proíbam seus filhos de discutir essa questão.

JE – Como a questão da sexualidade deve ser tratada pelo professor dentro da sala de aula?

VF: Acredito que duas questões são fundamentais no desenvolvimento do trabalho de sexualidade com os alunos na sala de aula: as informações objetivas que devem ser transmitidas e o uso de uma metodologia que propicie um senso crítico, diante de todas essas informações que lhe vão ser passadas. Então, há necessidade de uma metodologia que contemple vivência e dinâmica de grupo, para que ele tenha facilidade de se colocar e construir os seus conceitos sexuais de forma individual.

JE – As famílias apresentam resistências à abordagem dessas questões no âmbito escolar? Por quê?

VF: Eu, no meu trabalho de sexualidade em escola, desde 1985, nunca tive um problema sequer com família. E eu trabalhei consecutivamente até 1999. A Educação Sexual é uma orientação do Ministério da Educação que dá todas as diretrizes para que o educador possa trabalhar com esse assunto. Não é uma questão de a escola querer ou não. Hoje em dia, a escola tem que trabalhar. Só que muitas ainda não o fazem porque seus profissionais têm dificuldades pessoais e não conseguem identificar a metodologia mais adequada para desenvolver esse trabalho.

JE – Qual a metodologia usada nas salas de aula para alunos de 1.ª a 4.ª série do Ensino Fundamental?

VF: É uma metodologia específica para esta faixa etária. Você tem que trabalhar muito no concreto e muito com o que eles trazem. Pode-se trabalhar com massinhas de modelagens, com desenhos, com músicas, com bonecos de panos que representam a família e com outros recursos, mas partindo sempre da origem da criança, da família, dentro da árvore genealógica, porque a partir daí ele tem o entendimento de que existe uma origem. E, então, você pode começar a trabalhar a questão do corpo, a saúde, a higiene e a imagem.

 

 

JE – Numa discussão sobre sexualidade, o professor deve buscar um distanciamento das suas opiniões pessoais? Por quê?

VF: Sim. Porque cada um de nós tem seus valores pessoais, familiares e religiosos. Se eu demonstro a minha opinião, vou interferir na construção dos conceitos daqueles alunos. E, se meus valores são antagônicos ao daqueles familiares, vou intervir naquele processo de educação familiar. Então, eu tenho certeza de que o professor não deve colocar sua opinião pessoal.

JE – Esse trabalho já foi realizado junto às Secretarias Municipais de Saúde e Educação do Rio de Janeiro?

VF: Sim. Em 1994, eu fiz parte de uma ONG e nós elaboramos um projeto em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e Saúde do Município do Rio de Janeiro. Das 10 Coordenadorias Regionais da Secretaria Municipal de Educação, nós trabalhamos com sete, e os multiplicadores trabalharam com as outras.

JE – Quais foram os trabalhos que você já realizou na área de Sexualidade?

VF: Dissertação de mestrado “Educação, um Compromisso Feminino? Projeto Educarte e a Questão de Gênero na Formação de Educadores Sexuais”, Coordenação da oficina do SOE-CAP-UERJ “Questões da Adolescência: Sexualidade e Drogas”; organização do Projeto de Informação Profissional; cursos nacionais e internacionais; Projeto Educarte/96 – VIII Congresso Latino-Americano de Sexologia e Educação Sexual, Montevidéu e Uruguai ; oficina “Cuerpo, Musica y Sexualidad”; III Congresso Cubano de Educación, Orientación y Terapia Sexual, La Havana – Cuba, entre outros.

JE – Qual a finalidade do trabalho de orientação Sexual nas escolas? E qual a importância desse trabalho no exercício da cidadania?

VF: Em primeiro lugar, a questão do trabalho da sexualidade na escola engloba a saúde sexual, e essa saúde sexual faz parte do desenvolvimento integral dos alunos. Nós não temos que ter uma visão reducionista da Educação, mas sim uma visão holística. Se você proporciona o desenvolvimento integral dessa criança e se ela constrói conceitos que vão favorecer uma segurança na sua proposta de vida, isto auxilia na construção da cidadania desse aluno.

Vera Filgueiras
e-mail: verafilgueiras@uol.com.br