Problema neurológico pode ser a causa do atraso escolar

Por Jacy Pereira

O inventor da lâmpada Thomas Edison não conseguia aprender a ler e foi taxado de deficiente mental pelo professor. O cientista Albert Einstein não falou até os quatro anos e só conseguiu ler aos 11. Ambos foram vítimas da dislexia – um problema neurológico, em geral de origem genético-hereditária, que se caracteriza pela dificuldade acentuada na leitura, escrita, soletração e ortografia.

Segundo a Associação Multiprofissional de Assistência à Criança e ao Adolescente Disléxico (Amacad), cerca de 10% da humanidade tem dislexia, e a mesma porcentagem serve para medir a incidência do problema nas escolas. A fonoaudióloga e professora Vera Arruda, presidente da Amacad, afirma que a dislexia, muitas vezes, é a responsável pelos altos índices de repetência e abandono escolar, podendo, em alguns casos, levar até a desvios comportamentais. “Nossa maior preocupação, hoje, é fazer com que a criança ou o adolescente disléxico não seja excluído. A criança disléxica é criativa e tem capacidade de aprender o que quiser quando bem estimulada. Mas, se não for ajudada, não tiver carinho e atenção, poderá desenvolver deficiências comportamentais sérias, tornando-se até um delinqüente”, ressalta Vera, acrescentando que uma pesquisa norte-americana a impressionou ao revelar que 70% a 80% da população carcerária possui dislexia.

Por falta de conhecimento, a maioria das pessoas acaba descobrindo a dislexia já na fase adulta. No entanto, o problema pode ser perfeitamente identificado na pré-escola. Conforme destaca a presidente da Amacad, falta aos professores informação e formação para identificar a dislexia. Ela revela que são muito difíceis e, praticamente, raros os casos em que a dislexia é identificada por um professor na sala de aula. Por isso, o principal objetivo da Amacad é informar os educadores sobre a dislexia e os efeitos que ela pode causar na vida da criança ou do adolescente. Em recente encontro realizado pela associação entre professores de vários Cieps, estudantes de Letras e pais de crianças disléxicas, as fonoaudiólogas chamaram a atenção dos participantes para que passassem a observar mais as crianças dentro da sala de aula e em casa. “Todo o comportamento da criança deve ser observado. Se está agitada ou apática demais; se tem variação de humor; baixo rendimento; falta de coordenação motora; dificuldade em se concentrar ou em reconhecer símbolos e se troca, omite ou acrescenta letras na escrita, fala ou leitura com freqüência, é sinal de que algo não vai bem”, explica Vera, lembrando que, quando a criança está aprendendo a ler, essas dificuldades podem parecer normais, mas, se elas persistem, é sinal de que há algum distúrbio.

Como exemplo, a fonoaudióloga citou alguns erros que costumam ser cometidos por crianças disléxicas: na fala, trocam o “b” por “p” (pola no lugar de bola) ou “f” por “v” (voca no lugar de foca). Na leitura, confundem letras visualmente parecidas como “q” com “p” “d” com “b” e “m” com “n” e, na escrita, fazem inversões do tipo “par” no lugar de “pra” .

É comum ainda, nos casos de dislexia, a pessoa alterar palavras, unindo-as –“demanhã” em vez de “de manhã” –, ou dividindo-as – “com igo” em vez de “comigo”. O disléxico também costuma ter a memória imediata prejudicada (em uma leitura costuma esquecer, no segundo parágrafo, o que foi lido no primeiro) e sente dificuldade para aprender um segundo idioma ou para efetuar cálculos.

Preconceito – Pais e profissionais interessados em estudar e divulgar o tema reclamam que a falta de informação faz com que muitos professores confundam dislexia com desleixo. “O disléxico é um indivíduo aparentemente saudável e com uma capacidade infinita para aprender. A diferença é que ele aprende e percebe as coisas de forma diferente. Como citamos anteriormente, o meio em que ele vive influenciará positivamente ou negativamente sua vida. Se não fosse assim, não haveria tantos advogados, médicos, pintores, escritores e atores disléxicos. O que mais nos preocupa é que o disléxico quando não reconhecido como tal recebe um dos piores rótulos que é o de vagabundo, burro, preguiçoso. Isso poderá traçar o seu destino”, destaca Vera, que também sofre de dislexia.

Diagnóstico – Chegar a um diagnóstico preciso sobre a dislexia é o grande desafio dos profissionais que lidam com o tema. Segundo Vera, a proposta da Amacad não é fazer com que os professores diagnostiquem, nas escolas, o problema, mas que eles tenham meios de levantar a hipótese do distúrbio e sinalizar o problema para os pais. “Sem dúvida, o professor é o mais importante de todos os profissionais que lidam com o disléxico. É ele quem está diariamente avaliando o aluno ou, pelo menos, deveria estar. A nosso ver, a avaliação através de testes ou provas não reflete e nunca irá refletir a capacidade de aprendizagem de um aluno. A prova é uma avaliação final, se dependermos apenas dela para chegarmos à conclusão de que o aluno não acompanhou a turma, pode ser tarde demais. Daí a importância de se estar bem-informado sobre a dislexia ”, acentua a presidente da Amacad.

A primeira providência a ser tomada pelo professor, diz a fonoaudióloga, é encaminhar o aluno com distúrbios para a orientação educacional. Caso a escola não possua o serviço, o profissional pode pedir ajuda a associações especializadas, como a Amacad. O diagnóstico deve ser feito por uma equipe multidisciplinar composta por psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo, neurologista, oftalmologista, otorrinolaringologista e pediatra. Juntos e baseados nas informações passadas pelos professores, eles irão recorrer a estudos de imagem do cérebro, diagnóstico de exclusão e a outros recursos da Medicina para descobrir o que está comprometendo o processo de aprendizagem daquela criança e, a partir daí, fazer o encaminhamento necessário. Caso a dislexia seja comprovada, o apoio da família e da escola será fundamental para que a criança supere as suas limitações. Uma das principais orientações dadas aos pais e professores é que evitem constranger o disléxico, comparando-o com outras pessoas. “Os disléxicos aparentemente não demonstram que têm dificuldades de aprendizado, porque têm inteligência acima da média, raciocínio lógico-formal e são muito criativos. Por isso, eles mesmos se comparam com os outros sem que ninguém precise fazê-lo”, sintetiza Vera.

O acompanhamento fonoaudiólogico e psicopedagógico é considerado, no Brasil, a melhor forma de tratamento para as crianças disléxicas. Aliados a eles, devem ser feitos treinamentos constantes de leitura; aulas de desenho, que ajudam a trabalhar a coordenação motora fina (pinçamento); e atividades de Educação Física, que ajudam a desenvolver a coordenação motora grossa (corpo). “Exercícios como caminhadas, brincadeiras de virar cambalhota, saltar e pular de um pé só ajudam no equilíbrio e na coordenação motora da criança disléxica”, ensina Vera.

Uma particularidade no cérebro dos portadores de dislexia justifica o fato deles serem bem-sucedidos quando estimulados. Em geral, eles têm dominância do lobo temporal direito do cérebro que é responsável pela área do desenho e da criatividade. Ao mesmo tempo em que isso explica a esperteza dos disléxicos, evidencia o porquê da dificuldade deles com a linguagem, que é influenciada pelo lobo esquerdo.

Outro detalhe interessante é que em função da dominância do lobo direito, 75% dos disléxicos são canhotos (o cérebro age de forma invertida, ou seja, o seu lado direito comanda o lado esquerdo do corpo e vice-versa). Com tanta complexidade, há características da dislexia que a ciência ainda não conseguiu explicar. Uma delas é o fato de a maior incidência do distúrbio ocorrer entre o sexo masculino. Em média, existem três homens para cada mulher portadora de dislexia. “A dislexia ainda é objeto de estudo, assim como o cérebro humano. Ambos são inesgotáveis. Temos que ter sempre cuidado com as colocações. Portanto, nosso pedido é para que as pessoas procurem ajudar essas crianças antes de rotulá-las. Afinal, as dificuldades fazem parte da nossa vida. Todos nós, em algum momento, sentimos dificuldades em realizar alguma coisa”, finaliza Vera Arruda.

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