Iniciação esportiva ajuda alunos a reavaliarem sua postura diante do esporte e da sociedade

Por Sandra Martins

Hiperatividade, indisciplina, dispersão, baixo rendimento escolar. Com este perfil, Diogo de Freitas Brito, 19 anos, aluno do Colégio Estadual Taiguara Challar da Silva, em Santa Teresa, seria um forte candidato a aumentar as estatísticas sobre evasão escolar. Mas, para sorte sua e da própria sociedade, em última análise, o enredo mudou. O fio condutor desta mudança foi o esporte, especificamente, o remo, através do professor de Educação Física Gilney Frossard Ouverney Motta, que utiliza a iniciação esportiva para minimizar os fatores sociais que levam o jovem a ter uma mudança no seu comportamento, que muitas vezes é agressivo e individualista, contribuindo para o aumento da violência urbana. Atualmente, pais e professores elogiam a mudança de conduta e o aumento da capacidade de concentração de Diogo.

Assim nasceu o Projeto Talento Olímpico nas Escolas Públicas, que, em síntese, traduz a preocupação de um ex-atleta, preparador físico de remo do Clube de Regatas Vasco da Gama e pós-graduado em Treinamento Desportivo, com o desperdício de futuros talentos e o fraco rendimento brasileiro no cenário esportivo mundial. Com tamanha sensibilidade para caçar talentos, Gilney percebeu que é geralmente nas escolas públicas que se verifica a maior incidência de alunos com energia física de sobra e ansiosos por atividades.

Sem muitas opções, já que normalmente as escolas não dispõem nem de espaços físicos e tampouco de equipamentos adequados para práticas esportivas, os alunos se desestimulam e tendem à ociosidade, sem poder extravasar sua energia. Para reverter este quadro, Gilney centrou o projeto em uma modalidade esportiva que tem pouca divulgação e que, conseqüentemente, é uma novidade para os alunos: o remo. Além disso, este é um dos esportes que mais traz benefícios à saúde, por envolver todos os segmentos musculares e por trabalhar, na parte cardio-respiratória, a resistência aeróbia e anaeróbia.

A preocupação com a qualidade e com o bom desenvolvimento esportivo dos alunos fez com que o professor priorizasse uma parceria com os clubes que têm tradição em remo, para garantir os equipamentos, que normalmente são caros e importados (trilho, carrinho, finca-pé, barcos de fibra de vidro trazida da Alemanha e remos dos EUA); garagem para os barcos (galpões nos clubes); assistência médica para quaisquer eventualidades; e participações em campeonatos e regatas sem que haja cobrança de resultados, visando ao aprendizado das técnicas utilizadas por atletas mais experientes nas largadas.

O trabalho é realizado através de atividades físicas e técnicas desportivas, e as cobranças são feitas naturalmente, sem conflitos, respeitando a individualidade dos participantes. Através da divulgação feita pelos próprios alunos, 41 adolescentes se inscreveram na modalidade. Atualmente, a turma é composta de 12 alunos, entre 15 e 17 anos (incluindo cinco moças), que terão de apresentar autorização assinada pelos pais e/ou responsáveis. O curso é praticado no Clube de Regatas da Lagoa, quatro vezes por semana, com horários na parte da manhã e à tarde, dependendo da disponibilidade do Clube.

A garantia do bom condicionamento físico das crianças como pré-requisito para iniciarem os treinamentos é um grande desafio para Gilney, uma vez que não são exigidos exames médicos específicos, devido às condições financeiras dos adolescentes, que não têm poder aquisitivo para arcar com os custos de um exame médico. Durante a inscrição, é feita uma triagem com o candidato, na qual o professor expõe tudo sobre a atividade e suas exigências. Em seguida, são realizados alguns testes com o remoergômetro (equipamento eletrônico simulador do remo que mede a resistência física da pessoa e indica a carga de exercício físico que é adequada às suas condições). Só a partir daí, o aluno poderá dar início às atividades.

 

 

Além dessa triagem, o cuidado deve ser redobrado para não exigir além da capacidade de cada aluno. Segundo Gilney, houve um caso em que o adolescente, ao se inscrever na atividade, pesava 120 quilos. Aos poucos, o professor foi aumentando a intensidade dos exercícios e, conseqüentemente, melhorando o condicionamento físico do rapaz, que, depois de quatro meses de treinamento, perdeu quase dez quilos e está em franco desenvolvimento na prática do remo.

Na primeira fase, que é a do aquecimento, os treinos começam com sessões de alongamento e corridas. A seguir, os alunos passam a ter os primeiros contatos com os remos no tanque (barco simulado colocado em um tanque de água), onde desenvolvem a psicomotricidade, durante duas semanas. Segundo Gilney, os movimentos executados no remo são mais complexos que os da natação, tidos como naturais. Trabalham-se dois movimentos básicos: retângulo e em “L”. Segurando o remo com as duas mãos, o aluno projeta um retângulo com a pá, depois faz o movimento em “L” e, por fim, aglutina os dois movimentos. Com essa prática, desenvolvem-se as qualidades físicas, a resistência, a força, a coordenação, o equilíbrio, a agilidade, o ritmo, a velocidade, a descontração e as técnicas desportivas.

A prática do esporte também poder ser trabalhada interdisciplinarmente, com os conceitos da Matemática, Álgebra e Física, uma vez que o remo é um sistema de alavanca, parte da hidromecânica, que dependendo do tipo de barco poderá ser mais ligeiro ou não. O professor Gilney explica sempre aos alunos como é possível aplicar em seus estudos as técnicas aprendidas no esporte. Na disciplina de História, por exemplo, eles podem buscar informações sobre os famosos remadores brasileiros.

Numa segunda etapa, após os treinos no tanque, aproximadamente duas semanas depois, os alunos passam para os barcos pequenos e individuais com dois remos (canoe). Mais experientes, eles passam para os barcos maiores, gradativamente, yole (com 8, 4 e 2 remadores e um timoneiro; e 4, 2 sem timoneiro), esquife (1, 2 e 4 remadores) e barcos de competição de casco livre. Depois, é dar continuidade às aulas intensamente e participar das regatas até ser descoberto por um grande clube.

A disciplina e o comprometimento são exigências naturais da prática esportiva, que inicialmente serviram de divisor de águas entre os interessados no curso e os que efetivamente quiseram aprender e se apaixonaram pela atividade, a ponto de mudarem seu comportamento tanto em casa como no colégio. Uma delas é Ana Carolina Albuquerque de Góis, 16 anos, habituada à disciplina devido à prática da natação, diz que se interessou pela atividade por dois motivos: novidade e manutenção da plástica.

Apesar da preocupação com a estética, ela confessou que seu rendimento escolar melhorou consideravelmente. O mascote do grupo, Renato do Couto, 11 anos, em suas primeiras remadas no tanque, afirmou que estava gostando da experiência. Apesar do pouco tempo de treinos, somente quatro meses, os alunos do professor Gilney já participaram de quatro regatas, sem nenhuma cobrança de resultados. Segundo ele, a intenção é adquirir experiência, treinar o ouvido para a nomenclatura e reavaliar sua postura diante do esporte e da sociedade.

Gilney Frossard Ouverney Motta
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