Um aluno entra na sala de aula trazendo uma muda de manjericão roxo para a professora Denise, que se espanta ao ver a plantinha: “Manjericão roxo?” Então, ela e o restante da turma foram pesquisar a existência da espécie, já que nem ela mesma, que estimulou a turma a trazer mudas para a sala de aula, sabia da existência daquela erva.

Essa mobilização é resultado do projeto “Semeando Para Colher um Novo Cidadão”, do Ciep Ernesto (Che) Guevara. O projeto, que é a confecção de uma horta, partiu das professoras da Educação infantil, Maria Freitas e Denise Caldas. A idéia é não apenas construir brasileiros capazes de produzir para o seu próprio consumo, mas também despertar a consciência ecológica nas novas gerações:

“A clientela desse Ciep é muito carente, muitos vêm aqui para se alimentar. A maioria é de família de migrantes invasores de terras no bairro, tendo desmatado toda a cobertura vegetal para construir suas habitações. São favelas que ainda não foram urbanizadas. Muitas vezes, eles não têm sequer a concentração mínima necessária para iniciar o processo de pré-alfabetização. Aí pensamos: vamos ver se, manuseando a terra, a gente consegue chamar a atenção deles. Um dos objetivos da horta tem sido este: ajudar a trabalhar disciplina neles para começar a alfabetizá-los”, explica Denise. Objetivo este que, segundo ela, tem sido atingido.

As tarefas têm enriquecido muito a troca de experiências entre educadores e alunos. Eles começam a assimilar certos conceitos básicos de educação e higiene e já estão preparados para ser alfabetizados. “No momento em que uma criança me traz uma planta que a maioria não conhece, estamos estabelecendo uma troca de conhecimento. Além disso, eles já estão elaborando os conceitos de limites, que vão sendo exercitados durante o manuseio da terra, pois cada um tem sua hora de plantar a sua muda. Assim, eles aprendem a aguardar a sua vez e a ajudar os outros”, explica Maria entusiasmada.

Desde que iniciou o projeto, há três meses, ao lado do refeitório da escola, a horta já tem dado frutos: não só as ervas e leguminosas que brotam da terra, mas também outros ganhos, como, por exemplo, a integração das turmas de alfabetização com o restante da instituição de ensino e com a própria comunidade na qual o Ciep se situa.

Denise e Maria já sabiam que o empreendimento seria um grande sucesso, porque, esse ano, elas fizeram um jardim no pátio para embelezar a escola. “O jardim foi uma experiência gratificante, então já tínhamos noção do retorno desse tipo de trabalho. O interesse é muito grande”. Outro estímulo para iniciar o plantio das mudas foi a palestra de um biólogo, que ensinou os professores a confeccionarem um adubo ecológico feito de casca de legumes da própria cozinha e com resto de galhos e folhas que sujavam os pátios. O adubo leva de três a quatro meses para ficar pronto, e as professoras esperam ansiosamente para poder utilizá-lo.

As professoras lembram que a idéia do “Semeando” já existia no papel, em projeto da escola há algum tempo, mas ninguém acreditava na sua viabilidade: “A terra aqui é muito ruim e precisa ser capinada e muito bem adubada. Ninguém imaginava que fosse dar alguma coisa. Como não tínhamos ninguém para ajudar, eu e a Denise fizemos o serviço, capinando nós mesmas toda essa área”, contam elas mostrando suas mãos calejadas pela enxada. “Agora que começa a dar certo, o projeto já ganhou credibilidade e adeptos. Outras turmas começam a participar, pedindo aos pais que forneçam mudas, e a diretora da escola se propôs a contratar um serviço para capinar o resto do terreno”.

Outro tema da ordem do dia é a questão ecológica, que pode ser explorada de diversas maneiras através desse trabalho. Maria Freitas acha que as crianças são os melhores reprodutores de comportamento e aposta nelas para modificar o adulto, porque a horta acaba por mobilizar a estrutura da família do aluno. “Eles chegam em casa e pedem para a mãe arranjar uma muda para levar à escola. E como eles são filhos de pais que por desconhecimento e necessidade desmataram totalmente a região em que habitam, estamos reconstruindo nestas crianças os novos conceitos de relação com a natureza no sentido de cuidá-la e preservá-la. Assim, elas podem ser multiplicadoras desses valores de preservação dentro da sua família e na comunidade em que moram. Estamos construindo brasileiros mais conscientes”, acredita.

Além da questão de conscientização da necessidade de proteção ambiental, a horta dá asas à imaginação dos educadores e dos estudantes, sendo ponto de partida para discussões em diversas disciplinas e ajudando na transmissão dos conceitos, não só de Ciências, mas, também, de Matemática, Português e Artes Plásticas.

Em Ciências, o professor pode trabalhar conteúdos como os elementos que são e que não são da natureza, partes de uma planta, geminação e mudas, respiração vegetal x respiração humana; em Língua Portuguesa, pode passar noções de separação de sílabas a partir dos nomes das plantas, substantivos próprios ou comuns a partir da nomenclatura das plantas comparada aos nomes próprios; em Matemática, pode-se trabalhar a contagem, a divisão por tipos de vegetais, o que é erva, o que é legume, o que é raiz, quantidade, tamanho, formas e espessuras, entre outros conteúdos.

As turmas também têm exercido suas veias artísticas. Em Artes Cênicas, elas criam e dramatizam suas histórias dentro e fora da sala de aula a partir dos elementos vivenciados fora do contexto escolar. Além disso, levam para a biblioteca idéias com as quais constroem e reconstroem histórias. Em Artes Plásticas, confeccionam objetos com origami e fazem murais com desenhos, fotos e ilustrações de vegetais.

As professoras do Ciep estão trabalhando para que o projeto se estenda às outras turmas. A intenção é fazer mais plantações na escola para que, ainda esse ano, os alunos possam estar levando, pelo menos, algumas alfaces e cebolas para casa, e fazer com que a idéia contagie educadores de outras instituições de ensino. Como o Ciep (Che) Guevara é uma escola-pólo na região, onde se realizam muitos cursos, encontros de Educação e palestras, a possibilidade de divulgação da idéia é grande e empolga as idealizadoras.

Para Maria Freitas, o pequeno empreendimento é o primeiro resultado concreto daquilo que o projeto pode vir a ser. É uma pequena demonstração de que iniciativas como essa podem ser importantes na formação de cidadãos conscientes:

“Estreitar a relação do jovem com o meio ambiente é a melhor forma de eles concretizarem a crise. Em uma época que se vive a ameaça da escassez dos bens naturais é muito importante que se esteja em contato com a natureza e aprenda a amá-la e valorizá-la”.

Ciep Ernesto (Che) Guevara
Tel.: (0xx21) 3394-5174