Projeto Ensina a Alunos a Matemática do Dia-a-Dia

Por Cláudia Sanches

Teresópolis, Região Serrana, interior do Estado do Rio. Distante dos grandes centros urbanos, em um bairro carente da cidade, na Escola Municipal José Fernandes, uma professora brasileira surpreende pelo seu trabalho. Com pouquíssimos recursos, mas muita criatividade, Jackeline Cândido da Silva, professora da 1.a série, encanta pela seriedade e persistência com que exerce sua profissão.

Apesar de viver num país em que os professores são tão desvalorizados e desmotivados, Jackeline considera sua missão, que é colocar pela primeira vez as crianças em contato com a Matemática, de grande responsabilidade. Para ela, sua função não se resume à transmissão do conteúdo da matéria, mas se estende à sua desmistificação.

“A Matemática sempre foi vista como um bicho-de-sete-cabeças. Está na hora de acabar com esse folclore e ensinar a disciplina de uma forma mais gostosa”, explica, entusiasmada, a educadora que idealizou, há dois anos, o projeto que já começa a dar frutos, o Matemática Divertida. Para criar o programa, ela trabalhou muito: debruçou-se sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais, procurou os livros mais atualizados e contou, ainda, com a ajuda de muitos profissionais.

A idéia do projeto é ensinar a Matemática a partir de situações-problema, criadas dentro da própria sala de aula ou através de questões trazidas da comunidade em que habitam as crianças. “Em vez de ‘jogar’ os conteúdos, trabalhamos os números e as operações a partir daquilo que é comum ao dia-a-dia do aluno, de maneira lúdica, pois é muito mais fácil fixar o que é de seu interesse ou faz parte de sua realidade”, diz ela.

Por exemplo, para ensinar ordem crescente e decrescente, e números pares e ímpares, ela utilizou baralhos, propondo exercícios a partir de seus números e naipes. Para a compreensão das horas, os estudantes trabalharam com relógios quebrados ou confeccionados com material reciclado. Já as noções de medida foram passadas a partir do trajeto que as crianças fazem de sua casa até a escola, uma vez que quase todos vão a pé. Antes de lançar o conteúdo, a professora pediu, como dever de casa, que os estudantes contassem o tempo que gastam para percorrer o caminho, para que fosse discutido no dia seguinte. As noções de formas geométricas foram ensinadas através de dobraduras de papel, recorte e colagem.

As quatro operações, que fechavam o ciclo do ano letivo, também foram tratadas de forma especial. Para falar sobre adição e subtração, ela pediu às crianças que recortassem de folhetos de promoção de supermercados os preços dos produtos e os colassem no caderno. Na aula seguinte, a matéria foi apresentada com todas as suas nomenclaturas e os alunos foram estimulados, principalmente, a fazer os cálculos de cabeça, a fim de que pudessem levar o que aprenderam para seu cotidiano.

“Afinal, qual é a razão de ser do que se aprende na escola? Não é servir para a vida real? Então, os conteúdos não devem ser uma coisa abstrata”, questiona. Portanto, com o objetivo de mostrar a concretude do conteúdo, foi criada, pelas crianças, uma tabela intitulada “Os Números de Nossa Vida”, para que elas tivessem noção de como os números estão, cada vez mais, presentes no nosso dia-a-dia. Dessa forma, eles conseguiram assimilar o tema com muito mais facilidade. “Nessa tabela colocamos a quantidade de crianças existentes em cada turma e, com o material resultante, somamos, multiplicamos e dividimos”, explica a professora. No final do ano, Jackeline preparou uma grande surpresa para as crianças, denominada Problematização da Pizza. Segundo a educadora, nessa aula, muitas crianças da turma experimentaram, pela primeira vez, uma pizza.

 

Partindo do princípio de que a Divisão é o cálculo mais complexo das quatro operações, ela fez um desafio muito gostoso à turma: trouxe duas pizzas para que eles dividissem irmamente uns com os outros, antes dela iniciar a aula sobre Divisão. Dessa maneira, os alunos resolveram o problema, comeram a pizza e o conteúdo foi passado à turma.

Assim, as pizzas foram partidas em oito fatias. Uma delas deveria ser dividida entre seis alunos e a outra, entre sete. Estava lançado o desafio. O problema foi escrito no quadro negro e os alunos o resolveram, comendo a pizza. Da primeira, sobraram dois pedaços e da segunda, restou apenas um. Então, a professora explicou que havia uma maneira bem mais fácil e econômica de escrever aquele problema, e que iria traduzi-lo para uma chamada “linguagem matemática”, apresentando, por conseguinte, a operação aos alunos.

Os resultados do projeto estimularam toda a equipe da escola. As professoras das turmas de 2.a série perceberam a diferença na agilidade de pensamento das crianças e no rendimento na disciplina, que antes era insatisfatório. Para ela, a inteligência dos alunos da rede pública de ensino, às vezes, é muito subestimada. Ela defende o lançamento de mais desafios para os alunos, a fim de que possam dar sempre mais retorno: “As crianças precisam ser estimuladas, pois são extremamente criativas e inteligentes. Quanto mais você cobra, mais ela dão”, argumenta.

Com o entusiasmo das crianças e dos professores, foi criado, no final do ano, o “Dia da Matemática”, em que todas as turmas participaram de brincadeiras e atividades diferentes, de acordo com sua faixa etária, visando a estimular o raciocínio matemático. “Foi um sucesso tão grande que eles estão reivindicando outro evento. Não conseguimos mais ensinar a disciplina de outra maneira. Nesse momento, precisamos contagiar o professor, divulgar o sucesso dos trabalhos, porque muitos andam desestimulados com sua profissão e já não acreditam em mudanças. Se conseguimos contagiar os professores de nossa equipe com os resultados dos trabalhos, por que não contagiar também a sociedade?”, finaliza Jackeline.


Escola Municipal Manuel José Fernandes
Prof.a Jackeline Cândido da Silva