Uma realção de amor: o livro e eu

Por Beatriz Dusi

A co-responsável por eu estar aqui, resenhando livros infanto-juvenis, é a Prof.a Nilma Lacerda, a quem eu muito agradeço. Foi sob sua coordenação que um grupo bastante interessado em Literatura infantil e juvenil se reuniu e resenhou, para a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), o catálogo “Premiados de 92”, referente às obras que receberam prêmios e láureas por terem se destacado na produção literária do ano de 1991. Provei do sabor e não parei mais de resenhar.

Mas a morada da aranha
é a mais frágil das moradas
(Corão, 29, 40)

“Essa fragilidade evoca a de uma realidade de aparências ilusórias, enganadoras. Assim, será a aranha a artesã do tecido do mundo ou a do véu das ilusões que esconde a Realidade Suprema?”

CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT,
Alain – Dicionário de Símbolos. 10a ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

Nilma é uma aranha mágica que tece fios maravilhosos de pura emoção, enredando-nos em sua teia de palavras amorosas, sonhadoras e prazerosas, e nós leitores não queremos sair desse enlevo. Tecelã de sonhos, ela nos envolve em sua teia nada frágil. É o ser criador presenteando-nos com sua obra.

Ela é professora graduada em Português-Literaturas, com Mestrado e Doutorado em Literatura Brasileira, e autora premiada de livros para crianças, jovens e adultos, tais como: “Dois Passos Pássaros” (FNLIJ); “E o Vôo Arcanjo” (Record); “Viver É Feito à Mão / Viver É Feito em Vermelho” (Miguelim); “As Fatias do Mundo” (RHJ) – Prêmio Jabuti 1997; e “Manual de Tapeçaria” – vencedor do Prêmio Rio de Literatura, categoria: Romance/1985 –, que, após 15 anos de estréia, está sendo reeditado pela Editora Revan com novo projeto gráfico, no qual o destaque é a capa feita pelas bordadeiras de Dumont, especialistas em passar emoções através dos fios coloridos das linhas.

Colaboradora em periódicos ligados à Literatura tais como “Leitura: Teoria e Prática”, “Notícias”, “Doce de Letra” e outros, Nilma tem, também, publicado vários ensaios e, no ano de 2000, lançou “Fantasias”, “Fingimentos” e “Finalmente” (Revan), “Cartas do S. Francisco: Conversas com Rilke à Beira do Rio” (Caminho das Águas) e traduziu, ainda, “O Homem das Miniaturas”, do original francês de Virginie Lou (Revan).

Como conferencista em congressos nacionais e internacionais, sua palavra sempre é bem recebida. No último Congresso de Literatura Infantil e Juvenil em Cartagena (Colômbia), pudemos testemunhar o brilho do seu discurso e o entusiasmo da platéia. A autora recebeu a bolsa VITAE de Literatura para desenvolver o projeto “Um Homem Valente”, sobre a poética do pintor Iberê Camargo (ainda inédito).

Vamos saborear um pouco dos livros “Fantasias”, “Fingimentos” e “Finalmente” e aposto que terão o maior prazer em lê-los na sua integridade, deixando a imaginação correr solta...

FANTASIAS. Nilma Gonçalves Lacerda; il. Christiane Mello. Rio de Janeiro: Revan, 2000.

Quem ao olhar fantasias expostas ou vestidas por outras pessoas não teve, por um momento, vontade de se incorporar àquele traje de ilusão?

Lily – nossa protagonista – uma menina muito esperta que se veste e se despe com os trajes de pirata, índio, bailarina, cigana etc. com tanta desenvoltura. Sua imaginação voa longe e ela vivencia cada vestuário como se fosse ela própria a heroína das histórias inventadas.

Nesse troca-troca de roupas, a bagunça é inevitável e o ralhar da mãe, a que tudo assiste sem conseguir deter a filha na bagunça que se forma, é atenuado quando ela própria se vê refletida nos devaneios da menina.

As ilustrações da Christiane dialogam em harmonia com as palavras de Nilma, mostrando que a artista reinterpretou a história com a sua linguagem específica.

FINGIMENTOS. Nilma Gonçalves Lacerda. il. Marcelo Ribeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2000.

Auto Psicografia
O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
(...)
Fernando Pessoa
Cancioneiro

Só os poetas fingem? Não, é claro. Todos nós, em algum tempo, fingimos o que não somos. Mas, nada que prejudique a quem quer que seja. Ulisses e Heitor são dois colegas que estão sempre conversando durante o período escolar.

Ulisses sempre com a cabeça em outras histórias que não aquelas dadas em sala de aula. Só que ele sempre está presente no local – lutando, sofrendo e também participando junto com Vasco da Gama, Santos Dumont, Alice, Peter Pan etc.

Sua imaginação é prá lá de fértil, a ponto de...

Não vou contar mais, pois assim vocês vão querer saber das peripécias do Ulisses.

Que as ilustrações do Marcelo são dinâmicas e alegres não restam dúvidas, despertando emoção no leitor, ao ganharem movimento e volume nas páginas coloridas.

FINALMENTE! Nilma Gonçalves Lacerda; il. Angela Amarante. Rio de Janeiro: Revan, 2000.

O sonho de Vitória era ganhar um cachorrinho de verdade. Seu pai prometia, mas não cumpria o desejo dela. Então, a menina resolveu a questão. Se não podia ter cachorro, brincaria de dinossauro, gato, camaleão etc. Para tal empreitada, bastava a imaginação. Cada bichinho tinha uma maneira carinhosa e diferente de ser tratado, e eram todos participantes ativos das histórias inventadas pela Vitória.

Como acaba a história? Não ouso contar. Leiam o livro, vão gostar.

As ilustrações de Angela ressaltam, com muita propriedade, os elementos essenciais da narrativa, incluindo, aí, os modelos vivos que dão vida às gravuras.

E, como diz a própria autora:

“Claro que, em todas as narrativas, o sonho se impõe à realidade, as verdades dos personagens, reconhecidas, são integradas ao cotidiano.”

Em tempo: No final de cada livro há explicação sobre os personagens, de uma maneira surpreendente e inovadora.