Crianças estudam o Código de Trânsito brasileiro e discutem a falta de educação dos motoristas

Por Cláudia Sanches

Em um ano, o trânsito no Brasil produz 45 mil mortes, 500 mil feridos e, entre esses, 100 mil pessoas sofrem seqüelas irreversíveis. Será o novo Código suficiente para transformar essa trágica realidade? As estatísticas mostram que não. A maior parte dos acidentes automobilísticos está relacionada à falta de educação do brasileiro – a imprudência e o uso de bebidas alcóolicas –, o que aponta a necessidade de investir em educação nas escolas para que os futuros motoristas tornem-se cidadãos de verdade.

Sendo assim, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) elaborou o Programa de Educação e Segurança no Ensino Médio, que tem por objetivo educar os jovens nas próprias escolas. Afinal, segundo o coordenador Joaquim Lopes, é preciso construir uma nova consciência nos futuros cidadãos sobre suas responsabilidades como condutores de veículos e pedestres.

Aprovado pelo Ministério da Educação (MEC), o programa visa a incluir princípios e regras de tráfego nas aulas de disciplinas já existentes, conforme diz a resolução no 50 do Código Nacional de Trânsito.

Em Física, por exemplo, nas lições sobre Centrífuga, pode-se aprender como os carros batem. Em Português, cabe analisar o Código de trânsito nas interpretações de texto. Em Biologia, é possível falar sobre o impacto danoso dos ônibus no meio ambiente, principalmente quando os motoristas aceleram desnecessariamente, acarretando maior queima de combustível e de borracha e a conseqüente poluição da atmosfera.

Para que seja mais bem sucedido, o projeto prevê a capacitação das escolas e o treinamento dos professores. Nessa linha, o Denatran está desenvolvendo um segundo projeto, o Rumo à Escola, consultoria educacional para que os professores conscientizem as crianças sobre sua cidadania. E as iniciativas governamentais não param por aí.

O Centro de Educação para Trânsito da Secretaria Municipal de Trânsito do Rio de Janeiro (SMTU) desenvolve, há dois anos, um projeto junto a escolas de Ensino Fundamental do município, sobre respeito ao semelhante no trânsito. Dispondo de recursos como materiais impressos, vídeos e cartilhas, o Centro faz um trabalho de conscientização com os estudantes. No bate-papo, eles relatam casos de seu cotidiano, aprendem as leis de trânsito e conversam sobre assuntos como excesso de velocidade, uso de bebidas alcóolicas ao volante, desrespeito à sinalização, formação de novos motoristas e novos pedestres. O projeto também inclui apresentação de um grupo de teatro nas escolas, que dramatiza temas associados ao trânsito de forma interativa.

 

Trânsito: questão de cidadania

Para o diretor do Centro de Educação no Trânsito, Marcelo Paiva, é preciso educar a população, já que respeito às leis é uma questão de cidadania. Com formação em Medicina, Paiva defende também a importância de aliar qualidade de vida à direção segura, já que fatores bioquímicos e psicológicos como o estresse levam motoristas a cometerem infrações e imprudências no trânsito.

“O tráfego nas grandes cidades é, talvez, um dos maiores estresses a que o indivíduo está submetido. Por isso, a educação deve contemplar o ser humano. A pessoa sabe que não deve atravessar o sinal vermelho, mas ela o faz. Para se construir um bom processo pedagógico, deve-se considerar o indivíduo. É preciso fazê-lo assimilar as ações comportamentais, para que, na hora em que estiver atravessando a rua com pressa de chegar ao trabalho, lembre-se do que aprendeu. Uma das maneiras mais eficazes de fixar esses conceitos é a música, porque as pessoas a assimilam bem e se lembram das letras nessas situações”, diz Paiva, que seleciona músicas brasileiras para levar às salas de aula, como ganchos para as discussões sobre as normas de trânsito, como por exemplo A Cidade Ideal de Os Saltimbancos, de Chico Buarque: “A cidade ideal dum cachorro/ tem um poste por metro quadrado/Não tem carro, não corro, não morro/ e também nunca fico apertado...”.

A nova administração está redesenhando o Centro, que inaugura, este ano, a primeira biblioteca de trânsito no Rio de Janeiro, com 6 mil volumes sobre o tema, inicialmente. A biblioteca será um espaço interativo com uma réplica de sinalização, para que a crianças possam participar de jogos educativos em um espaço extraclasse. As crianças das escolas do município do Rio vão visitar a biblioteca, o que na opinião de Paiva beneficiará muito o aprendizado: “Os estudantes ficarão mergulhados em um centro de cultura, que é uma biblioteca. É muito mais interessante do que permanecer em sala”, argumenta.

Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, o Centro de Educação para Trânsito também tem planos de introduzir conceitos de trânsito nos programas curriculares, nas disciplinas já existentes. Para isso, o corpo docente fará uma reciclagem em trânsito. Paiva garante que não dá para ensinar esses conceitos como se ensina Português ou Biologia: “A criança não apreende. Não dá para falar sobre trânsito no quadro-negro como se faz com a Matemática. Na hora H, o indivíduo comete a infração, pois um fator biológico, que é o estresse, o faz cometê-la, apesar de ele saber que não deve atravessar o sinal. Trânsito é, então, fator humano. É preciso que se discutam os valores com as crianças”, conclui o coordenador.

Para construir não só a cidade ideal de Chico Buarque, mas também um Brasil onde haja respeito no trânsito e cidadania plena, é preciso que se contemple o futuro e a educação seja parceira nessa empreitada. Afinal, caberá às crianças de hoje cultivar o espírito comunitário, solidário, assim como construir cidades onde os carros parem, mesmo diante do sinal verde, para dar passagem aos pedestres.

 

Centro de Educação para o Trânsito
Tel: 252-4067
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CEC Tel: 496-3760

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