
Por
Denise Pellegrini
Conhecer
a produção dos grandes pensadores ajuda a aprimorar o trabalho
em classe e crescer na profissão
Quando
você observa seus alunos e avalia quanto cada um já sabe antes de introduzir
um novo conceito em sala de aula está colocando em prática, mesmo sem
se dar conta, as idéias de vários pesquisadores. Muitas atitudes que parecem
apenas bom senso foram, ao longo dos anos, objeto de estudo de gente como
Emilia Ferreiro, Célestin Freinet, Paulo Freire, Howard Gardner, Jean
Piaget e Lev Vygotsky. Apesar de seus trabalhos não coincidirem em muitos
aspectos, em outros tantos eles se complementam. “Todos partem do princípio
de que é preciso compreender a ação do sujeito no processo de aquisição
do conhecimento”, sintetiza a pedagoga Maria Tereza Perez Soares, uma
das coordenadoras gerais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de
1ª à 8ª série.
A
vida e o trabalho desses seis pensadores foram o tema mais lembrado por
nossos leitores em cartas e e-mails enviados à redação como resposta à
pergunta: “Qual reportagem você leu em Nova Escola, não esquece e gostaria
de ver republicada?” A resposta está nas próximas páginas. Você vai (re)ver
aqui as principais idéias difundidas por eles, com uma novidade: quais
são os erros de interpretação mais comuns em nosso país.
Tantos
professores estão interessados nos aspectos teóricos da profissão por
vários motivos. Em primeiro lugar, por sua atualidade. Todas essas idéias
estão reunidas nos PCN. Além disso, já se foi o tempo em que uma corrente
de pensamento era eleita a preferida (tal qual moda), enquanto as demais
eram simplesmente esquecidas.
Prova disso é o recente sucesso da teoria das inteligências múltiplas,
de Gardner. Muito festejada, ela foi adotada por algumas escolas — que
não deixaram de lado os ensinamentos em que se baseavam até então. “Ninguém
pode se valer de apenas um teórico”, acredita Kátia Smole, coordenadora
do Mathema, equipe de formação e pesquisa na área de Matemática. “Conhecer
os estudiosos da Educação e o processo de aprendizagem dos alunos sempre
ajuda o professor a refletir sobre sua prática e compreender as políticas
públicas”, completa Maria Tereza.
Emilia
Ferreiro
A vanguarda na alfabetização
A
rede estadual do Ceará mantinha, até 1996, classes de alfabetização. Anteriores
ao Ensino Fundamental, elas retinham crianças por anos a fio fora do ensino
regular porque não conseguiam aprender a ler e escrever. A rede cearense
é hoje organizada em ciclos, o que permite aos alunos se alfabetizar ao
longo dos anos. Com uma proposta calcada nas idéias de Jean Piaget, Lev
Vygotsky e Paulo Freire, as escolas estaduais cearenses têm, no que se
refere especificamente à alfabetização, a psicolingüista argentina Emilia
Ferreiro como referência básica. “Respeitamos o nível de desenvolvimento
dos estudantes, verificando em primeiro lugar em que altura do processo
da leitura e da escrita eles estão”, conta Lindalva Pereira Carmo, responsável
pela Coordenadoria de Desenvolvimento Técnico e Pedagógico do Estado.
Diagnosticar quanto os alunos já sabem antes de iniciar o processo de
alfabetização é um preceito básico do livro Psicogênese da Língua Escrita,
que Emilia escreveu com Ana Teberosky em 1979. A obra, um marco na área,
mostra que as crianças não chegam à escola vazias, sem saber nada sobre
a língua. De acordo com a teoria, toda criança passa por quatro fases
até que esteja alfabetizada:
- pré-silábica:
não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada;
- silábica:
interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada
letra;
- silábico-alfabética:
mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas;
- alfabética:
domina, enfim, o valor das letras e sílabas.
Hoje, o conhecimento sobre esse processo continua avançando. “Analisar
que representações sobre a escrita o estudante tem é importante para o
professor saber como agir”, afirma Telma Weisz, consultora do Ministério
da Educação e autora de tese de doutorado orientada por Emilia Ferreiro.
“Não é porque o aluno participa de forma direta da construção do seu conhecimento
que o professor não precisa ensiná-lo”, ressalta. Ou seja, cabe a você
organizar atividades que favoreçam a reflexão da criança sobre a escrita,
porque é pensando que ela aprende.
“Apesar
de ter proporcionado aos educadores uma nova maneira de analisar a aprendizagem
da língua escrita, o trabalho da pesquisadora argentina não dá indicações
de como produzir ensino”, avisa a educadora Telma. Definitivamente, não
existe o “método Emilia Ferreiro”, com passos predeterminados, como muitos
ainda possam pensar. Os professores têm à disposição uma metodologia de
ensino da língua escrita coerente com as mudanças apontadas pela psicolingüista,
produzida por educadores de vários países.
“Essa
metodologia é estruturada em torno de princípios que organizam a prática
do professor”, explica Telma. O fato de a criança aprender a ler e escrever
lendo e escrevendo, mesmo sem saber fazer isso, é um desses princípios.
Nas escolas verdadeiramente construtivistas, os alunos se alfabetizam
participando de práticas sociais de leitura e de escrita. A referência
de texto para eles não é mais uma cartilha, com frases sem sentido.
No
Ceará, por exemplo, os estudantes aprendem a ler em rótulos de produtos,
propagandas e bulas de remédio, além de ter à disposição muitos livros.
“Com a implantação dos ciclos, os professores de todas as séries passam
a ser responsáveis pelo processo de aquisição da leitura e da escrita”,
completa Lindalva.
Emilia
Ferreiro
Psicolingüista argentina, doutorou-se pela Universidade de Genebra,
orientada por Jean Piaget. Inovou ao utilizar a teoria do mestre
para investigar um campo que não tinha sido objeto de estudo piagetiano.
Aos 62 anos, é pesquisadora do Instituto Politécnico Nacional, no
México.
O
que ficou
As
crianças chegam à escola sabendo várias coisas sobre a língua. É
preciso avaliá-las para determinar estratégias para sua alfabetização.
Um
alerta
Apesar
de a criança construir seu próprio conhecimento, no que se refere
à alfabetização, cabe a você, professor, organizar atividades que
favoreçam a reflexão sobre a escrita.
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Quer
saber mais?
A
Produção de Notações na Criança, Hermine Sinclair, 184 págs., Ed.
Cortez Cultura Escrita e Educação, Emilia Ferreiro, 179 págs., Ed.
Artmed Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky,
300 págs., Ed. Artmed
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Célestin
Freinet
Uma escola ativa e cooperativa
Jornal
escolar, troca de correspondência, cantinhos pedagógicos, trabalho em
grupo, aulas-passeio. Práticas atuais, presentes em muitas escolas, elas
nada mais são do que idéias defendidas e aplicadas pelo educador Célestin
Freinet desde os anos 20 do século passado, na França. “Ele propunha uma
mudança da escola, que considerava teórica, desligada da vida”, explica
Marisa Del Cioppo Elias, professora do Departamento de Tecnologia da Educação
da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
“Sua sala de aula era prazerosa e bastante ativa. O trabalho é o grande
motor de sua pedagogia.”
As
práticas de ensino propostas por Freinet são fruto de suas investigações
a respeito da maneira de pensar da criança e de como ela construía o conhecimento.
Ele observava muito seus alunos para perceber onde tinha de intervir e
como despertar neles a vontade de aprender. O educador compreendia que
a aprendizagem se dá pelo tateio experimental. “Quando a criança faz um
experimento e dá certo, a tendência é que repita aquele procedimento e
vá avançando”, descreve Marisa. Mas, de acordo com Freinet, ela não avança
sozinha. Tanto é assim, que a cooperação está entre os pontos fundamentais
de sua pedagogia.
A
interação entre o mestre e o estudante também é essencial para a aprendizagem.
O professor consegue essa sintonia levando em consideração o conhecimento
das crianças, fruto de seu meio. Para Rosa Maria Whitaker Sampaio, coordenadora
do Núcleo Freinet Cidade de São Paulo, estar em contato com a realidade
em que vivem os alunos é fundamental. “Professores que levam sua turma
a aulas-passeio e organizam sua sala em cantinhos, mas que ignoram aspectos
sociais e políticos ao redor da escola, não estão de acordo com o que
propunha o educador.”
Na
Escola Freinet de Natal, as idéias do mestre francês são a essência do
projeto pedagógico. “A escola traz o que está fora para dentro e procura
dar sentido a todo o trabalho realizado aqui por meio dessa relação de
aplicabilidade na vida”, afirma Claudia Santa Rosa, fundadora e diretora
da instituição até o final do ano passado. Para Freinet, aproximando as
crianças dos conhecimentos da comunidade elas podem transformá-los e,
assim, modificar a sociedade em que vivem. Esse é um trabalho de cidadania,
de democratização do ensino. “Sua pedagogia traz embutida uma preocupação
com a formação de um ser social que atua no presente”, avalia Claudia.
A
Escola Freinet é mantida por uma cooperativa de professores, bem ao gosto
do mestre francês, sem ser radical. “Buscamos respaldo em outras teorias,
como as de Piaget e Vygotsky”, avisa a diretora. “O próprio Freinet dizia
que o educador deve ter a sensibilidade de atualizar sua prática e isso,
aliás, é o que faz com que ele ainda seja moderno.”
Na escola de Natal, as turmas desenvolvem atividades coletivas, em grupo
e individuais. “Cada aluno cria seu plano de trabalho, escolhendo entre
as possibilidades apresentadas pelo professor”, conta. Alguns pesquisam
em livros, outros produzem textos, desenham ou pintam nos vários cantinhos
da sala. “Nesse momento, há uma relação estreita com a teoria das inteligências
múltiplas”, destaca Claudia. “No final, todos socializam o que foi produzido.”
Com
base em procedimentos dessa natureza, fica mais fácil pôr em prática a
pedagogia do êxito, defendida pelo educador francês. O sucesso da criança
é o produto de seu trabalho que, ao final do dia, é apresentado aos colegas.
“Isso eleva a auto-estima da turma”, finaliza Marisa.
Célestin
Freinet
Nascido em 1896 em Gars, um vilarejo ao sul da França, o professor
primário não chegou a concluir seus estudos na Escola Normal de
Nice. Com o início da 1ª Guerra, alistou-se e participou dos combates.
Em 1920, iniciou a carreira docente, construindo os princípios de
sua prática. A educação, a seu ver, deveria proporcionar ao aluno
a realização de um trabalho real. Faleceu em 1966.
O que ficou
Ninguém avança sozinho em sua aprendizagem. A cooperação é fundamental.
Um
alerta
Levar
a turma a aulas-passeio não faz do professor um praticante da pedagogia
de Freinet. É preciso considerar a realidade em que os alunos estão
inseridos.
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Quer
saber mais?
Célestin
Freinet: Uma Pedagogia de Atividade e Cooperação, Marisa Del Cioppo
Elias, 108 págs., Ed. Vozes Freinet e a Escola do Futuro, Maria
de Fátima Morais (org.), 200 págs., Ed. Bagaço Freinet, Evolução
Histórica e Atualidades, Rosa Maria Whitaker Sampaio, 239 págs.,
Ed. Scipione,
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Paulo
Freire
O importante é ler o mundo
Mais
do que um educador, Paulo Freire foi um pensador. Sua obra mais famosa,
Pedagogia do Oprimido, dá as linhas da educação popular que desejava.
Para ele, não havia educação neutra. O processo educativo seria um ato
político, uma ação que resultaria em relação de domínio ou de liberdade
entre as pessoas. De um lado, estaria a burguesia e, do outro, os operários.
Uma pedagogia que libertasse as pessoas oprimidas deveria passar por um
intenso diálogo entre professores e alunos.
Paulo Freire se opunha ao que chamava de educação bancária. “Esse tipo
de ensino se caracteriza pela presença de um professor depositante e um
aluno depositário da educação”, afirma José Eustáquio Romão, diretor do
Instituto Paulo Freire, de São Paulo, e professor do Centro de Ensino
Superior de Juiz de Fora (MG). “Quem é educado assim tende a tornar-se
alienado, incapaz de ler o mundo criticamente.”
A
formação docente era uma preocupação constante do pesquisador pernambucano.
“Ele acreditava que o educador deve se comportar como um provocador de
situações, um animador cultural num ambiente em que todos aprendem em
comunhão”, explica Romão. Segundo o velho mestre, ninguém ensina nada
para ninguém e as pessoas não aprendem sozinhas.
Essas
e outras idéias de Freire estão hoje em grande evidência no meio educacional.
São exemplos o conceito de escola cidadã (que prepara a criança para tomar
decisões) e a necessidade de cada escola ter um projeto pedagógico que
reconheça a cultura local. A gestão que acaba de se encerrar na Secretaria
Municipal de Educação de Betim, em Minas Gerais, bebeu nessa fonte. A
então secretária, Ana Maria da Silva Santos, afirma que todos têm voz
dentro da escola. “Previmos a democratização da Educação, em que a inclusão
de todos, não só dos portadores de deficiência, é fator fundamental.”
O projeto pedagógico de cada escola de Betim é definido com a participação
dos alunos e da comunidade, que escolhem os diretores pelo voto direto.
Conselhos pedagógicos discutem currículo, avaliação, conteúdo, calendário
e metodologia. Foi criada também a escola de pais, um espaço de formação
em que as famílias têm acesso a informações científicas e filosóficas.
“Formados, eles podem participar mais ativamente dos fóruns decisórios”,
justifica Alfredo Johnson Rodriguez, coordenador da Divisão Pedagógica
de Betim.
O
município mantém ainda um programa de alfabetização de adultos, baseado
no “método Paulo Freire”, criado no início da década de 60, que tornou
o educador conhecido internacionalmente. Até então, os adultos eram alfabetizados
pelos mesmos procedimentos adotados com crianças. A mudança tinha como
pressuposto a utilização de “palavras geradoras”, termos que faziam parte
da vida dos alunos. Eles, a seu ver, não deveriam apenas aprender a formar
palavras fora de um contexto, mas compreender seu próprio papel na sociedade.
O princípio do método permanece atual, apesar de a técnica de silabação
em que estava baseado ser totalmente ultrapassada. De acordo com Romão,
Freire tinha plena consciência de que era preciso atualizar suas idéias
para avançar. “Ele dizia que antes de ensinar uma pessoa a ler as palavras
era preciso ensiná-la a ler o mundo. Essa é a essência de suas idéias.”
Paulo
Freire
Nascido em 1921, no Recife, formou-se advogado em 1959, mas nunca
exerceu a profissão. O ensino era sua paixão. Exilado após o golpe
militar de 1964, foi para o Chile, onde escreveu Pedagogia do Oprimido
(1968), livro que o tornou conhecido mundialmente. Morreu em 1997,
em São Paulo, cidade da qual foi secretário de Educação de 1989
a 1991.
O que ficou
É preciso pôr fim à educação bancária, em que o professor deposita
em seus alunos os conhecimentos que possui.
Um
alerta
A
técnica de silabação utilizada por ele em seu método de alfabetização
de adultos está ultrapassada, ainda que a idéia de trabalhar com
palavras geradoras permaneça bastante atual.
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Quer
saber mais?
Convite
à Leitura de Paulo Freire, Moacir Gadotti, 176 págs., Ed. Scipione
Pedagogia da Esperança — Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido,
Paulo Freire, 245 págs., Ed. Paz e Terra Pedagogia do Oprimido,
Paulo Freire, 218 págs., Ed. Paz e Terra
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Howard
Gardner
Valorizando o ser por inteiro
Dezoito
anos se passaram desde que o livro Estruturas da Mente: Teoria das Inteligências
Múltiplas, de Howard Gardner, foi lançado nos Estados Unidos. Publicado
no Brasil em 1994, ele causou um boom. De lá para cá, a teoria do psicólogo
americano, que propõe a existência de um espectro de inteligências a comandar
a mente humana, suscitou muitos comentários, contrários e favoráveis.
De
acordo com Gardner, estas seriam nossas sete inteligências:
- Lógico-matemática:
capacidade de realizar operações matemáticas e de analisar problemas
com lógica. Matemáticos e cientistas têm essa capacidade privilegiada.
- Lingüística:
habilidade de aprender línguas e de usar a língua falada e escrita
para atingir objetivos. Advogados, escritores e locutores a exploram
bem.
- Espacial:
capacidade de reconhecer e manipular uma situação espacial ampla ou
mais restrita. É importante tanto para navegadores como para cirurgiões
ou escultores.
- Físico-cinestésica:
potencial de usar o corpo para resolver problemas ou fabricar produtos.
Dançarinos, atletas, cirurgiões e mecânicos se valem dela.
- Interpessoal:
capacidade de entender as intenções e os desejos dos outros e, conseqüentemente,
de se relacionar bem com eles. É necessária para vendedores, líderes
religiosos, políticos e, o mais importante, professores.
- Intrapessoal:
capacidade de a pessoa se conhecer, incluindo aí seus desejos, e de
usar essas informações para alcançar objetivos pessoais.
- Musical:
aptidão na atuação, apreciação e composição de padrões musicais.
Atualmente,
Gardner admite a existência de uma oitava inteligência, a naturalista,
que seria a capacidade de reconhecer objetos na natureza, e discute outras,
a existencial ou espiritual e até mesmo uma moral — sem, no entanto, adicioná-las
às sete originais.
Nílson José Machado, professor do Departamento de Metodologia da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (USP), acredita que Gardner não
aprofundou seus estudos. “Houve apenas um espraiamento horizontal.” Apesar
disso, ele reconhece que a discussão em torno da teoria trouxe alertas
importantes para quem trabalha com Educação. “A escola deve considerar
as pessoas inteiras e valorizar outras formas de demonstração de competências
além dos tradicionais eixos lingüístico e lógico-matemático”, afirma.
Kátia
Smole, que defendeu sua dissertação de mestrado sobre o assunto na USP,
afirma que é comum o conceito ser empregado indevidamente por várias escolas.
“Ter aulas de música não garante aos estudantes desenvolver a inteligência
musical”, exemplifica. “Para que isso aconteça é necessário que o aluno
pense sobre aquilo que faz e esteja em situação de criação ou resolução
de problemas.”
No Colégio Sidarta, em Cotia, na Grande São Paulo, a teoria de Gardner
é a base da proposta pedagógica, criada com a assessoria da Escola do
Futuro, da USP. “Atendemos às diferenças individuais e respeitamos as
potencialidades dos alunos”, diz a diretora Elaine Moura. Lá, os alunos
ora estudam juntos, ora nas estações de trabalho (cantos nas salas onde
são organizados diferentes recursos pedagógicos). “É importante que o
professor favoreça essas múltiplas inteligências. Por isso, todos os estudantes
passeiam pelas diferentes estações.”
Howard
Gardner
O psicólogo americano de 56 anos é professor de Cognição e Educação
e integrante do Projeto Zero, um grupo de pesquisa em cognição humana
mantido pela Universidade de Harvard. Também leciona neurologia
na Escola de Medicina da Universidade de Boston. Escreveu dezoito
livros.
O que ficou
A escola deve valorizar as diferentes habilidades dos alunos
e não apenas a lógico-matemática e a lingüística, como é mais comum.
Um
alerta
Para
que as diversas inteligências sejam desenvolvidas, a criança tem
de ser mais que uma mera executora de tarefas. É preciso que ela
seja levada a resolver problemas.
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Quer
saber mais?
Estruturas
da Mente: Teoria das Inteligências Múltiplas, Howard Gardner, 340
págs., Ed. Artmed Ensino e Aprendizagem por Meio das Inteligências
Múltiplas, Linda Campbell, Bruce Campbell e Dee Dickinson, 308 págs.,
Ed. Artmed Inteligências Múltiplas na Sala de Aula, Thomas Armstrong,
192 págs., Ed. Artmed
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Jean
Piaget
Da experiência nasce o conhecimento
A
teoria do conhecimento, construída por Jean Piaget, não tem intenção pedagógica.
Porém, ofereceu aos educadores importantes princípios para orientar sua
prática. “Piaget mostra que o sujeito humano estabelece desde o nascimento
uma relação de interação com o meio”, explica Jean-Marie Dolle, professor
emérito da Universidade Lumière-Lyon 2, na França, e especialista na obra
piagetiana. “É a relação da criança com o mundo físico e social que promove
seu desenvolvimento cognitivo”, completa o professor Mário Sérgio Vasconcelos,
coordenador do curso de pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual
Paulista, campus de Assis.
Para Piaget, a forma de raciocinar e de aprender da criança passa por
estágios. Por volta dos 2 anos, ela evolui do estágio sensório-motor,
em que a ação envolve os órgãos sensoriais e os reflexos neurológicos
básicos (como sugar a mamadeira) e o pensamento se dá somente sobre as
coisas presentes na ação que desenvolve, para o pré-operatório. “Nessa
etapa, a criança se torna capaz de fazer uma coisa e imaginar outra. Ela
faz isso, por exemplo, quando brinca de boneca e representa situações
vividas em dias anteriores”, explica Vasconcelos. Outra progressão se
dá por volta dos 7 anos, quando ela passa para o estágio operacional-concreto.
Aqui, consegue refletir sobre o inverso das coisas e dos fenômenos e,
para concluir um raciocínio, leva em consideração as relações entre os
objetos. Percebe que 3 - 1 = 2 porque sabe que 2 + 1 = 3. Finalmente,
por volta dos 12 anos, chegamos ao estágio operacional-formal. “O adolescente
pode pensar em coisas completamente abstratas, sem necessitar da relação
direta com o concreto. Ele compreende conceitos como amor ou democracia.”
Essas informações, bem utilizadas, ajudam o professor a melhorar sua prática.
“Devemos observar os alunos para tornar os conteúdos pedagógicos proporcionais
às suas capacidades”, recomenda Dolle. Para Vasconcelos, a criança é um
pesquisador em potencial. “Levantando hipóteses sobre o mundo, ela constrói
e amplia seu conhecimento.” Nesse processo, você, professor, tem papel
fundamental. Ser construtivista não é deixar o aluno livre, acreditando
que evoluirá sozinho. “O mestre precisa proporcionar um conflito cognitivo
para que novos conhecimentos sejam produzidos”, endossa Ulisses Araújo,
professor do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas.
“Uma
máxima da teoria piagetiana é que o conhecimento é construído na experiência”,
afirma Araújo. Isso fica claro quando se estuda a formação da moral na
criança, campo a que o pensador suíço se dedicou no início da carreira
e no qual Araújo se especializou. “Para Piaget, o que permite a construção
da autonomia moral é o estabelecimento da cooperação em vez da coação,
e do respeito mútuo no lugar do respeito unilateral”, explica Araújo.
“Dentro da escola, isso significa democratizar as relações para formar
sujeitos autônomos.”
Em
Salvador, a Escola Municipal Barbosa Romeo tem nessa questão uma das maiores
preocupações. De acordo com a coordenadora pedagógica Elisabete Monteiro,
além de os professores trabalharem com projetos, o que elimina a simples
transmissão de conhecimento, a equipe usa o respeito mútuo como estratégia
para integrar os estudantes ao ambiente escolar. Boa parte da clientela
vem do Projeto Axé, que atende crianças em situação de risco e com muita
dificuldade na aquisição da leitura e da escrita. “Temos um conselho escolar
forte e alunos representantes de sala atuantes. O que vai ser trabalhado
em sala é discutido coletivamente”, explica Elisabete.
Jean
Piaget
Nascido na Suíça, em 1896, numa família rica e culta, aos 7 anos
já se interessava por estudos científicos. Biólogo de formação,
estudou Filosofia e doutorou-se em Ciências Naturais aos 22 anos.
Em 1923, lançou A linguagem e o Pensamento na Criança, o primeiro
de seus mais de sessenta livros. Faleceu em 1980, na Suíça.
O que ficou
É na relação com o meio que a criança se desenvolve, construindo
e reconstruindo suas hipóteses sobre o mundo que a cerca.
Um
alerta
O
professor deve respeitar o nível de desenvolvimento das crianças.
Não se pode ir além de suas capacidades e deixá-las agir sozinhas.
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Quer
saber mais?
A
Difusão das Idéias de Piaget no Brasil, Mário Sérgio Vasconcelos,
285 págs., Ed. Casa do Psicólogo O Juízo Moral na Criança, Jean
Piaget, Ed. Summus, 304 págs. Para Compreender Jean Piaget, Jean-Marie
Dolle, Ed. Agir
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Início
Lev
Vygotsky
Processos internos e influências externas
O
indivíduo não nasce pronto nem é cópia do ambiente externo. Em sua evolução
intelectual há uma interação constante e ininterrupta entre processos
internos e influências do mundo social. Por defender essa idéia, o psicólogo
Lev Vygotsky é considerado um visionário. “Ele se posicionou contra as
correntes de pensamento que eram aceitas em sua época”, explica Teresa
Rego, professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP), que defendeu suas teses de mestrado e
doutorado sobre Vygotsky. O estudioso nascido na Bielo-Rússia se contrapôs
ao pensamento inatista, segundo o qual as pessoas já nascem com suas características,
como inteligência e estados emocionais, predeterminados. Da mesma forma,
enfrentou o empirismo, corrente que defende que as pessoas nascem como
um copo vazio e são formadas de acordo com as experiências às quais são
submetidas. “Ele construiu uma terceira via, a sociointeracionista”, diz
Teresa.
Vygotsky
entende que o desenvolvimento é fruto de uma grande influência das experiências
do indivíduo. “Mas cada um dá um significado particular a essas vivências.
O jeito de cada um aprender o mundo é individual”, explica a educadora
paulista. Para ele, desenvolvimento e aprendizado estão intimamente ligados:
nós só nos desenvolvemos se (e quando) aprendemos. Além disso, o desenvolvimento
não depende apenas da maturação, como acreditavam os inatistas. “O ser
humano tem o potencial de andar ereto, articular sons, conquistar modos
de pensar baseado em conceitos. Mas isso resulta dos aprendizados que
tiver ao longo da vida dentro de seu grupo cultural”, completa Teresa.
“Apesar de ter condições biológicas de falar, uma criança só falará se
estiver em contato com uma comunidade de falantes.”
A
idéia de um maior desenvolvimento quanto maior for o aprendizado suscitou
erros de interpretação. “Muitas escolas passaram a difundir um ensino
enciclopédico, imaginando que quanto mais conteúdo passassem para os alunos
mais eles se desenvolveriam”, lembra Teresa. “Para ser assimiladas, no
entanto, as informações têm de fazer sentido.” Isso se dá quando elas
incidem no que o psicólogo chamou de zona de desenvolvimento proximal,
a distância entre aquilo que a criança sabe fazer sozinha (o desenvolvimento
real) e o que é capaz de realizar com ajuda de alguém mais experiente
(o desenvolvimento potencial). Dessa forma, o que é zona de desenvolvimento
proximal hoje vira nível de desenvolvimento real amanhã.
O
bom ensino, portanto, é o que incide na zona proximal. “Ensinar o que
a criança já sabe é pouco desafiador e ir além do que ela pode aprender
é ineficaz. O ideal é partir do que ela domina para ampliar seu conhecimento”,
recomenda Teresa. A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre baseia
sua proposta nessas idéias e nas de Paulo Freire. “Organizamos o ensino
com base numa pesquisa socioantropológica feita na comunidade a cada início
do ano”, conta o secretário José Clovis de Azevedo. Nas falas dos moradores,
a cultura do grupo é detectada. “A Matemática, a História, a leitura ou
a escrita são ensinadas tomando como ponto de partida as vivências coletivas.
Assim, tornam-se significativas para todos os estudantes.”
Lev
Vygotsky
Apesar da vida curta — morreu de tuberculose em 1934, aos 37 anos
— o pensador bielo-russo teve uma produção intelectual intensa.
Formado em Direito, também fez cursos de Medicina, História e Filosofia.
Por motivos políticos, suas obras foram censuradas e chegaram ao
Ocidente apenas nos anos 60 — no Brasil, só no início da década
de 80.
O que ficou
O aprendizado é essencial para o desenvolvimento do ser humano e
se dá sobretudo pela interação social.
Um
alerta
A
idéia de que quanto maior for o aprendizado maior será o desenvolvimento
não justifica o ensino enciclopédico. A pessoa só aprende quando
as informações fazem sentido para ela.
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Quer
saber mais?
A
Linguagem e o Outro no Espaço Escolar: Vygotsky e a Construção do
Conhecimento, Ana Luiza Smolka, 180 págs., Ed. Papirus Vygotsky,
Aprendizado e Desenvolvimento: Um Processo Sócio-Histórico, Marta
Kohl de Oliveira, 111 págs., Ed. Scipione Vygotsky, uma Perspectiva
Histórico-Cultural da Educação, Teresa Rego, 138 págs., Ed. Vozes
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Matéria extraída da Revista Nova Escola, de jan/fev de 2001,
nº 139
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