Editor pesquisa e resgata a dignidade do Hino Nacional brasileiro Por Rosane Carneiro Imagine a cena: uma criança, em qualquer parte do país, pergunta: ‘Aqui é vírgula ou ponto de exclamação?’ E ouve a resposta: ‘Põe qualquer coisa. É só o Hino Nacional brasileiro’.” Com este exemplo, o editor Alberto Arguelhes, da WVA Editora, procura mostrar a importância da correção em um dos grandes símbolos do país, o Hino Nacional. Alberto é hoje a maior autoridade no assunto, e foi até parar em Brasília por conta do símbolo nacional. Explica-se: quando o editor resolveu, em agosto de 2000, publicar na íntegra a letra do Hino nas últimas páginas de reedições de seus livros, teve uma desagradável surpresa. O que havia era uma sucessão de erros acumulados ao longo do tempo, desde que o Hino foi oficializado (ver box), em 1922, com letra de Joaquim Osório Duque Estrada e melodia de Francisco Manuel da Silva. “Descobri que não existiam versões idênticas da letra”, conta ele. Erros de ortografia, acréscimo de preposições (Brasil de um sonho intenso), preposições trocadas (dessa que virou desta), crases inexistentes, retirada ou troca de vírgulas por pontos de exclamação e até a omissão de direitos de terceiros foram alguns dos erros encontrados. Era só o começo. Em um CD sobre o hinário nacional, Alberto, já muito intrigado com as diferenças, descobriu, por exemplo, que faltavam aspas nos versos Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida, no teu seio, mais amores! . “As aspas são obrigatórias. Trata-se de citação do poema Canção do Exílio, escrito em 1843, em Portugal, por Gonçalves Dias”, esclarece. No site do Ministério da Cultura encontrou a crase erroneamente colocada em À imagem do Cruzeiro resplandece, e no do Ministério do Exército, além da repetição do erro, mais uma outra crase equivocada, em Ouviram do Ipiranga às margens plácidas. Alberto buscou então orientação no Ministério da Cultura, que lhe indicou a Biblioteca Nacional. Lá chegou ao decreto que oficializou o Hino, o Decreto 15.671, de 6 de setembro de 1922, assinado pelo presidente Epitácio Pessoa. “Não estavam lá as crases erradas, mas, em compensação, faltavam vírgulas e travessões, por exemplo”, diz, citando a ausência de hífen em verde-louro. Recorrendo novamente à Biblioteca, conseguiu os manuscritos originais de Joaquim Osório, de 1909 e 1916. Mas, ao comparar o Decreto de 1922 com os manuscritos, verificou ainda mais erros. A cruzada de Alberto foi parar na imprensa, em colunas sociais e telejornais, até que o Ministro da Cultura, Francisco Weffort, veio a público para defender a originalidade do Decreto de 1922. Mas Alberto já verificara que a versão vigente, no entanto, era a do Decreto 5.700, de 1º de setembro de 1971. Este afirmava a correção do Decreto de 1922, mas, no entanto, as versões do Hino nos dois decretos discordavam. “O Ministério verificou as informações e modificou a página na Internet”, conta o editor. “Mas Francisco Manuel da Silva continua em alguns sites a se chamar Francisco Manoel da Silva, como na página do Senado Federal, por exemplo”, aponta. |
De qualquer forma, as observações do editor foram reconhecidas e Alberto, após visita a Brasília a convite do Ministério da Cultura, participará também da elaboração de novo decreto que deverá aproximar ainda mais o Hino Nacional brasileiro da versão original. O que começou com a simples intenção de potencializar o uso de cada livro por alunos e professores, agregando um valor social extra às obras, transformou-se em uma luta. “O Hino é nossa carteira de identidade como cidadãos do mundo, é o próximo que trabalha por todos no anonimato. Senti-me no direito e com o dever de questionar o conteúdo dos documentos oficiais”, enfatiza Alberto. Agora, Alberto e Claudia Werneck, sua esposa e sócia na WVA Editora, preparam livro completo, nas versões adulta e infantil, e documentário sobre a história do Hino. “O mais importante é que o fato me permitiu fazer um exercício pleno de cidadania. O que está em questão não é apenas o erro no Hino, mas a nossa omissão coletiva como cidadãos”, conclui.
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