Por Andréia Brilhante e Rosane Carneiro

O que fazer com tamanha quantidade de lixo, que daqui a algum tempo não caberá no planeta, com o lixo que compõe a pobreza vocabular ou com o lixo social, que representa a miséria de cada dia e até gera mais um tipo de lixo, o moral? Estas e outras questões foram levantadas nas turmas do Ensino Médio do Colégio Estadual Nicarágua, em Realengo, onde um trabalho interdisciplinar teve o lixo por tema – o Projeto Biodiversidade.

Os professores analisaram o tema nas turmas, sob os ângulos mais diversos, através de contos, músicas, cartazes, artesanato e peças teatrais. E um assunto que poderia parecer nada atraente, a princípio, demonstrou-se rico a ponto de envolver todos os alunos. “Estamos conseguindo manter na escola o aluno deficiente, envolvendo-o neste programa”, afirma o diretor do Colégio, Jorge Luiz Portilho.

Lixo reaproveitado

No projeto, uma das questões abordadas foi a reciclagem. O objetivo foi despertar a consciência ecológica dos alunos. “Chegará um momento em que a humanidade terá que tomar uma decisão sobre o que fazer com tanto lixo. O lixo é de todos nós, afinal. E a reciclagem é uma solução, com a vantagem de que as comunidades carentes aumentam a renda com a reciclagem”, enfatizou a professora de Literatura Elza Ferreira da Cruz.

Os alunos aprenderam que muita coisa que vai para a lixeira pode virar comida. “Crianças subnutridas às vezes têm recuperação espetacular através do aproveitamento de alimentos que iriam para o lixo. Se você joga sementes de abóbora fora, uma pastoral da criança pode utilizá-las para fazer cajuzinhos”, disse a professora de Química Solange Mendonça. Depois, os ensinamentos foram comprovados na prática: os alunos prepararam uma mesa com alimentos como bife de casca de banana e bolinhos de arroz.

Lixo vocabular

Não sou feliz
Não sou feliz, não sou feliz
Oh, por quê?/ Que horror!
O pobrezinho morrendo de fome
Catando lixo na rua para comer
Criança dormindo no chão
Morre em paz, oh, criança
Não tem respeito, não tem respeito
Por que será que o país não se preocupa com este mal?
Vendo as crianças dormindo mal
Morrendo de cola, achando normal
Será que um dia vão ter um Natal?
Morre em paz, oh, país
Morre em paz, oh, país

Paródia da música natalina Noite Feliz, feita pelos alunos Michele da Conceição e Silton Coutinho

A professora de Língua Portuguesa Sandra Vitezi Ramiro analisou o lixo vocabular com os alunos. “Eles buscaram erros de Português nos jornais, na tevê e em conversas do dia-a-dia e os destacaram em cartolinas”, explicou. Vícios de linguagem e erros que passam muitas vezes despercebidos foram confrontados com a maneira certa de falar e escrever.

Para apontar e questionar o lixo social, alguns alunos fizeram uso do poema de Manuel Bandeira O bicho: “O bicho não era um cão/ O bicho não era um gato/ O bicho não era um rato/ O bicho, meu Deus, era um homem.” Uma paródia da música natalina Noite Feliz, feita pelos alunos Michele da Conceição e Silton Coutinho, também retratou a degradação humana: “Não sou feliz/ Não sou feliz/ Oh, por quê?/ Que horror!/ O pobrezinho morrendo de fome/ Catando lixo na rua para comer/(...) Por que será que o país não se preocupa com este mal?/ Vendo as crianças dormindo mal/ Morrendo de cola, achando normal/ Será que um dia vão ter um Natal? ...”

Lixo moral

A professora de Literatura Elza Ferreira abordou o lixo moral, associado ao social e, às vezes, conseqüência dele. Um exemplo está no personagem Jerônimo, do romance O Cortiço, de Aluízio Azevedo, lido por conta do projeto. Jerônimo era um português correto, honesto, que foi morar no cortiço, reduto de miséria e degradação. À medida que se envolveu com o meio, foi mudando de comportamento. Conheceu a sensual Rita, separou-se da mulher, perdeu o zelo pela família e matou o amante de Rita. Tamanho lixo moral retratado serviu para conscientizar os alunos da realidade de muitas pessoas, situação que pode ser revertida através da solidariedade e da informação. “Falamos também aos alunos da importância de saberem quem está trabalhando a nosso favor, para que possam votar conscientes e começar a mudar a sociedade”, completou a professora.

Por dentro do lixo

Lixo é todo resíduo sólido proveniente de atividades humanas ou de processos naturais (restos de vegetais e animais mortos, poeiras). O lixo urbano é um dos maiores problemas ambientais da atualidade, gerado pela explosão demográfica e pelo consumo excessivo da sociedade contemporânea. Qualquer tentativa de reduzir a quantidade de lixo ou alterar sua composição pressupõe mudanças no comportamento social. Segundo a Organização das Nações Unidas, a situação torna-se ainda mais crítica nos países pobres, onde famílias inteiras sobrevivem do lixo – anualmente em todo o mundo morrem em média 5,2 milhões de pessoas de doenças contraídas através do lixo.

 

 

 

No Brasil, a maioria dos resíduos vai para os lixões, depósitos sem tratamento, a céu aberto, que geram chorume (líquido ácido e contaminante nascido da decomposição da matéria orgânica do lixo) e gases tóxicos que, juntos, poluem solo, água e ar.

“O gerenciamento do lixo é de competência municipal. A partir do momento em que muitas prefeituras tratam o assunto como prioridade, consegue-se canalizar mais recursos”, afirma o diretor executivo do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), André Vilhena. O Cempre é uma entidade sem fins lucrativos criada por empresas para promover a conscientização sobre o lixo e a reciclagem no país.

O Rio de Janeiro produz cerca de 12 mil toneladas de lixo por dia. Deste total, quase 80% vão para os lixões – são 60 em todo o estado. Para tentar resolver o problema, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável criou em junho de 2000 o projeto Pró-Lixo, com um novo sistema de gerenciamento do lixo urbano. Em 76 localidades com população de até 150 mil habitantes (82% dos municípios do Rio) devem ser implantados serviços de coleta, educação ambiental, proteção de recursos hídricos, limpeza de encostas e logradouros públicos, coleta seletiva, reciclagem de resíduos e aterro sanitário. O Pró-Lixo será realizado em conjunto com as prefeituras e em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), como parte do programa nacional Lixo e Cidadania.

“Os lixões do estado serão desativados, recobertos e isolados. Criaremos então aterros sanitários e galpões para aproveitamento do lixo, através de coleta seletiva ou compostagem”, explica Francisco Sertan, diretor do Departamento de Certificação Ambiental e coordenador do Projeto. Ele acrescenta que os lixões considerados prioritários serão os que estão às margens do Rio Paraíba, na Mata Atlântica e em beiras de estradas. Com custos de R$ 11 milhões, retirados do Fundo Estadual para Conservação do Ambiente, o Pró-Lixo pretende beneficiar 2,5 milhões de habitantes fluminenses até o final do projeto, previsto para 2003.

Colégio Estadual Nicarágua
Tel: (0xx21) 401-5733

 

Os tipos de lixo *

Residencial – dos domicílios
Comercial – dos estabelecimentos comerciais
Público – de vias urbanas e praças
De fontes especiais – exigem cuidados diferenciados em acondicionamento, manipulação e disposição final (ex.: lixo industrial, hospitalar e radioativo)

Fonte: Cempre
* os três primeiros formam a maioria do lixo urbano.


Lixo no Brasil

  • são 240 mil toneladas por dia, sendo 100 mil de lixo urbano
  • nas cidades, cerca de 75 mil pessoas vivem como catadores em lixões e nas ruas
  • 30% da população não têm coleta regular de lixo
  • o desperdício anual com o lixo não-reaproveitado é de R$ 5 bilhões

Fonte: Cempre e Programa Lixo e Cidadania, do Unicef


O destino do lixo urbano

Lixões – 76%

Aterros controlados – 13%

Aterros sanitários – 10%

Tratamento (reciclagem, compostagem ou incineração) 1%

Fonte: Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública