Por Cláudia Sanches

Ilha Fiscal: “Aqui se realizou o último baile do império” (André Ricardo)

"Conhecer a Baía de Guanabara de perto, sob um novo ponto de vista, e aprender a amá-la e preservá-la”. Esta é principal meta do projeto Baía da Guanabara Cultural, criado pelo grupo especializado em projetos educacionais em espaços não-formais, Ciência Interativa. O projeto resume-se ao estudo da matéria in loco: a bordo de um saveiro que contorna a Baía de Guanabara, os professores Valéria Vieira, de Biologia, e André Ricardo Botelho, de História, ministram aulas, para os estudantes, sobre ambas as disciplinas, associadas à Geo-grafia e a temas que estão na ordem do dia, como ecossistemas, impacto ambiental e poluição do meio ambiente.

O passeio começa na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e termina em Itaipu, em Niterói. À medida que a embarcação vai passando por praias, fortalezas e monumentos, os professores vão explicando, aos estudantes, detalhes sobre os pontos observados.

Desta vez, quem vive as experiências são os alunos da 8a série do Instituto Iguaçuano, instituição tradicional de Nova Iguaçu. Do Cais Nobre, na Marina da Glória, de onde sai a embarcação, eles já sentem o impacto da beleza natural da baía. “É sempre assim com todas as escolas. O primeiro momento é o de encantamento. Os professores esperam passar este êxtase antes de começarem a aula, deixando os alunos bem à vontade”, conta a coordenadora do programa Baía de Guanabara Cultural, bacharel em Turismo com especialização em Educação e integrante da equipe idealizadora do programa, Tereza Mendonça.

Passado o impacto, os professores começam a aula – três horas inesquecíveis de passeio em que os alunos “viajam” pela história do Rio de Janeiro e se sentem parte dela: “O mar ia até ao Outeiro da Glória. Tudo isto aqui é aterro”, conta Valéria enquanto mostra uma fotografia da época aos alunos. A aula continua: “Aquele ali é o monumento aos pracinhas mortos na II Guerra Mundial. A escultura simboliza mãos abertas em direção ao céu” – diz ela.

O professor André Ricardo fala um pouco de História. “Aqui nesta praia, a do Flamengo, os portugueses chegaram, em 1503. Imaginem só, gente, isto foi há quase 500 anos! Na época, os índios, que tinham o hábito de dar nome às coisas, a chamavam de praia de Uruçumirim, quer dizer, praia pequena. Nesse tempo, as viagens dos europeus eram muito complexas, comparadas à ida do homem à Lua. A população da embarcação viajava por meses, em mares totalmente desconhecidos. Havia homens que acreditavam que existiam monstros nos mares. Muitas caravelas afundavam, muitos homens morriam pelo caminho por doenças contagiosas, muito comuns na época. E, nestas praias, aconteceu um encontro grandioso, do homem branco com os indígenas”.

Assim é contada a história do Brasil, desde a chegada dos portugueses ao Rio de Janeiro, incluindo o encontro com os índios, seus hábitos e costumes, a miscigenação, o genocídio dos habitantes originais, a fundação da cidade do Rio, chamada, então, de São Sebastião do Rio de Janeiro, em homenagem ao Rei de Portugal, D. Sebastião, e a construção das fortificações da baía contra as invasões holandesas e francesas.

Ao chegarem à Praia de Botafogo, Valéria explica aos alunos que, na verdade, aquela formação é uma enseada: “Enseada tem forma de meia-lua e praia é totalmente aberta”. A aula de Geografia continua, tendo o Corcovado como mote. “Ele está inserido na Floresta da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo, que foi desmatada para dar lugar a uma plantação de café, mas reflorestada pelo imperador D. Pedro II” – explica Valéria, que aproveita para falar aos alunos sobre reflorestamento, isto é, replantio de árvores em áreas desmatadas.

 

Os próximos assuntos em pauta são a abertura dos portos; as modificações econômicas e urbanas no Rio de Janeiro e o cotidiano da cidade, que, segundo relatos em cartas de estrangeiros a parentes na Europa, já era bastante violenta: “Existem cartas de pessoas que contavam a dificuldade que tinham em sair nas ruas após às sete horas da noite por causa de assaltos” – revela.

Valéria desafia os estudantes fazendo-lhes perguntas: “Vocês sabem quantos rios deságuam na baía? Somam 55, incluindo os de outros municípios do estado do Rio, como o de Guapimirim. O que aconteceu no manguezal de Guapimirim no início desse ano?”, pergunta, referindo-se ao desastre ecológico ocasionado pela refinaria da Petrobrás. “Foi o maior desastre ecológico em 25 anos. Aliás, vocês sabem o que é um manguezal?” – provoca. E esclarece a curiosidade da meninada, explicando-lhe que o manguezal, ou mangue, típico dos trópicos, abriga árvores denominadas “mangues”, em áreas sujeitas às marés, e solo que é uma espécie de lama escura e mole.

A partir daí, aborda-se o impacto ambiental do desenvolvimento urbano. A discussão deságua no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, financiado pelo empréstimo do Banco Mundial de Desenvolvimento.

Em Niterói, a embarcação passa pelo Museu de Arte Contemporânea e pela ponte. A esta altura, os professores mostram aos alunos onde acontece a troca das águas da baía com o Oceano Atlântico.

Na volta para o cais, o saveiro pára em frente à Praça XV. De posse de ilustrações da praça XV desde 1500 até os dias de hoje, os professores debatem com os alunos as transformações da cidade que aconteceram no Centro do Rio, desde a chegada da família real, passando pelo Império, pela República Velha e pela administração de Pereira Passos, que promoveu a maior urbanização da história do Rio. Neste momento, fala-se também de questões sociais como a expulsão dos moradores dos cortiços do Centro para as favelas, durante a construção da Avenida Rio Branco, e da demolição do Morro do Castelo.

Para fixar mais as informações, os professores fazem uma gincana entre os alunos com questões relacionadas aos conteúdos: “Dividimos os alunos em grupos de índios rivais. O vencedor recebe uma premiação ao final da viagem” – conta o professor André Ricardo. Interdisciplinar, o programa do projeto é embasado no livro “Baía da Guanabara e Ecossistemas Periféricos”, do geógrafo Elmo Amador, em pesquisas de campo e congressos: “Os conteúdos são interativos porque não se pode falar em história da ocupação do Rio sem se falar em Geografia, História do Brasil e transformações ambientais”, justifica Valéria.

O estudante do Iguaçuano Claudio Henrique Freitas, de 15 anos, sintetiza bem os benefícios da aula-passeio: “Achava que os conteúdos ficavam distantes dos alunos e agora começo a entender tudo, associando o que eu ouvi em sala de aula ao que eu vejo. Estamos vivenciando o que estudamos”, entusiasma-se.

Segundo o professor André Ricardo, nas aulas em espaços informais as imagens ajudam os estudantes a fixarem os conteúdos, principalmente se eles forem previamente preparados pela escola. A professora Valéria Vieira, porém, chama-nos a atenção para um ponto importante. A turma que vai fazer o passeio deve estar consciente de que não se trata de mero entretenimento, mas de uma aula fora do espaço tradicional. Isto, segundo ela, vai determinar a aprendizagem.

A maioria das turmas que faz a viagem avalia o que foi ensinado durante a aula no barco. Outras o fazem depois, em sala de aula. O professor de História do Colégio Iguaçuano, Sérgio Lucena, por exemplo, vai fazer um debate com os alunos, dentro de sala. Mas há instituições de ensino que vão mais longe. É o caso do Colégio São José, cujos alunos, durante o passeio, coletaram material no local para fazerem análises em laboratório, na aula de Ciências, e confeccionaram uma homepage sobre o passeio. A escola aproveitou ao máximo o programa e enriqueceu a aprendizagem dos alunos.

De toda a experiência, fica um alerta importante. Para que a nova geração cuide da baía, é preciso que conheça sua beleza, tenha consciência de sua importância e a valorize. É necessário acabar com a idéia de que ela é poluída e suja. A troca de água da Baía de Gua-nabara, que acontece na altura de Niterói, é muito grande, porque ela não é muito fechada e isto garante a limpeza. As gerações futuras não vão ter carinho por lugares que não conhecem bem . Portanto, precisam conhecer a baía e saber de sua importância”, diz o professor André Ricardo.

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