Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual deveria ser considerada um direito humano básico". Tal pensamento, fundamentado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), levou a professora Josefina Maria Albino de Sousa a criar o "Projeto 1,2,3, o Amor Tem sua Vez" e implantá-lo na Escola Municipal Diogo Feijó, no Alto da Boa Vista.

Especialista em sexualidade humana, Josefina dá aulas para alunos de 8 a 13 anos (de 3a e 4a séries) que têm dúvidas mil sobre sexo, nem sempre sanadas pelos pais. E, para estudantes com este perfil seu projeto é de grande utilidade, pois faz a criança conhecer o próprio corpo, cuidar dele e aprender a se prevenir contra doenças sexualmente transmissíveis (DST), gravidez precoce e drogas.

"A criança tem que ter a noção de que o corpo lhe pertence e precisa ser bem cuidado. A idéia é fazê-la entender que ele só deve ser tocado com o seu consentimento e no momento certo, quando houver amor, afeto. Mostramos-lhe que a relação sexual tem que ser vivida de forma plena, com compreensão, respeito a si e ao outro, e só deverá ocorrer quando os dois parceiros estiverem preparados", diz Josefina.

A professora garante que tais ensinamentos e a educação sexual nas escolas não estimulam o sexo precoce: "Pesquisas feitas em escolas no Brasil mostraram que, depois da implementação da orientação sexual, a incidência de doenças sexualmente transmissíveis caiu e as primeiras relações sexuais foram retardadas. A partir do momento em que se tem noção das conseqüências advindas da iniciação sexual, a tendência é adiá-la", afirma.

A televisão e os veículos de comunicação poderiam exercer importante papel no que diz respeito à educação sexual no Brasil. Mas, segundo a professora, deseducam mais do que educam. "Eles encobrem a realidade. Nas novelas, por exemplo, o final é sempre feliz. Ninguém engravida na adolescência. E , se isto ocorre, logo aparece um príncipe encantado para acolher e amar a heroína por toda a vida", lembra ela.

Aulas descontraídas, mas sérias

A aula de orientação sexual ministrada por Josefina ocorre uma vez por semana, tem 1h30 de duração e é bem descontraída e dinâmica. Embora não seja obrigatória, é assistida pela maioria dos alunos. Nela, todos expressam seus sentimentos, emoções e afetos. Em uma das tarefas realizadas, um aluno, de olhos fechados, tem que descobrir quem está a sua frente, através do toque no corpo do outro. O que se observa é que a criança não quer tocar as partes íntimas do colega, por respeito. Também não quer ser tocada, pelo mesmo motivo. Isto é o mote para que a professora Josefina explique aos alunos que se o corpo de cada um for tocado sem permissão, existirá abuso sexual da outra parte.

Em outra atividade, a professora distribui uma palavra a cada criança e ela tem que descrever sentimentos cuja a letra inicial seja a mesma de cada letra da palavra. O excesso de rancor, agressividade ou medo sinalizam a necessidade de averiguar suas causas.

Entre os recursos utilizados em sala também está uma família de bonecos de pano, que compreende pai, mãe, avós e bichinhos de estimação. A mãe tem um bebezinho dentro da barriga. Quando as crianças tiram a calça do pai, aparece o pênis. "Um aluno juntou um boneco a uma boneca e disse: 'Eles estão fazendo sexo'. Eu lhe perguntei por que eles estavam fazendo sexo. Um deles respondeu: 'porque eles se amam e estão trocando carinho'", conta a professora.

Na aula, há, também, tarefas com massa de modelar. A turma molda os órgãos sexuais masculino e feminino. A professora leva pênis artificial para a sala e as crianças aprendem a manusear camisinhas feminina e masculina. "É um trabalho difícil, porque mexemos com vivências, culturas, criações e religiões diferentes. Sempre esbarramos em mitos, crendices e tabus", conta Josefina.

O aprendizado é comple-mentado pela exibição de fitas de vídeo sobre sexualidade. A professora apresenta um desenho animado aos alunos que mostra a história da mãe que, além de trabalhar fora, faz todas as tarefas da casa, juntamente com a filha. O pai e o filho homem não tomam parte em tais tarefas. Um dia, a mãe é internada com estafa por excesso de trabalho. Quando volta para casa, reúne a família e diz que não teve tempo de conversar com o pai e os filhos sobre a doença, porque sempre esteve muito atarefada. Com medo de perder a mãe e esposa, a família divide entre si as tarefas da casa. Resultado: sobra mais tempo para o convívio familiar e o lazer. As crianças aprendem, graças ao vídeo, a não serem machistas, não pensarem que existem tarefas só de homem ou de mulher. Isto não é tudo. "Existe uma conscientização sobre a cidadania, de que as pessoas só são diferentes no sexo, pois tarefas masculinas ou femininas não vão interferir na sua sexualidade", explica Josefina.

Josefina, que também é professora de Educação Física, aproveita para promover campeonatos de futebol em que meninos e meninas jogam no mesmo time. Segundo ela, os garotos já escolhem, sem preconceito, jogar com meninas.

Outro recurso utilizado são as palestras que informam os alunos sobre os aparelhos reprodutores feminino e masculino. Nelas, a turma também aprende sobre as doenças sexualmente transmissíveis e como se prevenir contra elas.

Como é possível notar, as aulas de educação sexual não se limitam a tratar de sexo. "Abordar a sexualidade é falar de vida, emoções, afeto, sentimentos ligados ou não ao prazer sexual. A sexualidade, afinal, começa na vida intra-uterina e termina na morte", esclarece a professora.

Josefina, cujo projeto será apresentado no Congresso Latino-Americano de Sexologia, na cidade de Cuz-co, no Peru, de 23 a 27 de outubro, com a experiência de quem entende do que faz, aproveita para dar dicas aos pais de alunos. "Muitas pessoas fantasiam quando a criança lhes pergunta algo sobre sexualidade. Mas a explicação tem que ser simples, direta. Os pais são o principal ponto de referência dos filhos neste assunto e contribuirão para que a vivência sexual destes seja feliz ou não. O carinho do pai ao tocar a barriga da mãe durante a gravidez faz a criança que testemunha a ação desenvolver uma sexualidade feliz". A família, portanto, deve fazer sua parte e também a escola, sem esquecer que as crianças precisam ser ouvidas sem repreensão e esclarecidas. Só assim poderão construir seus caminhos, valores e papéis na sociedade.

Escola Municipal Diogo Feijó Josefina Maria Albino de Sousa Tels: (0xx21) 492-2293 / 581-9641

Educação Sexual é Lei

Desde o dia 30/03/1998, pela resolução 2/98, foram instituídas as leis de diretrizes curriculares nacionais e foi lançado o programa de orientação sexual e prevenção contra DST, Aids e drogas. A orientação sexual foi, então, inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ela é um de seus temas transversais, assim como o estudo do meio ambiente. O PCN diz que é obrigatória a orientação sexual nas escolas de 1o e 2o graus, de forma multidisciplinar e contínua, ministrada em, no mínimo, uma hora de aula semanal, em caráter obrigatório no que diz respeito à escola, e facultativo, no que se refere ao aluno. A lei, porém, não vem sendo cumprida em diversas instituições.