A Saúde a Serviço da Educação Inclusiva

Psiquiatra infantil acredita que a Educação Inclusiva é a conseqüência natural de decisões corretas tomadas por médicos e educadores

Kátia Machado

"O Professor imagina precisar saber muito sobre a área de Saúde para lidar com crianças com algum tipo de deficiência, mas bastam-lhes conhecimentos para elaborar sua aula" - José Belisário FilhoJacques é um menino com transtornos autísticos. Mas tal problema não significa retardo mental. Pelo contrário, ele é um exemplo de garoto com capacidade intelectual condizente com sua faixa etária. Apenas não compreende o funcionamento do mundo social que o rodeia. Estimulando-o corretamente desde pequeno, a mãe de Jacques sempre discordou dos médicos que queriam segregá-lo do mundo e não aceitava que o chamassem de autista. Enfim, chegou a época de ingressar na escola e, conseqüentemente, iniciou-se a luta daquela mãe para conseguir matricular o menino em uma escola da comunidade. Após freqüentar duas instituições educacionais em que não souberam tratar o caso, Jacques ingressou em uma escola pública onde foi recebido pela diretora, de braços abertos. Esta educadora, corajosamente e, mesmo sem recursos, devolveu a Jacques o direito de estudar e aprender a conviver com meninos de sua idade.

Este caso é relatado pelo psicanalista e psiquiatra infantil José Belisário Filho, em seu livro Inclusão. Uma Revolução na Saúde, lançado recentemente pela editora WVA. Percorrendo o país por conta da divulgação de sua obra, Belisário defende a inclusão de crianças e jovens com transtornos cognitivos, como o autismo e psicoses, em escolas regulares. Para este médico, com Mestrado em Pediatria, doutorando em Neuropatologia, a saúde deve estar a serviço da Educação. "É preciso ir às escolas e ouvir os professores. Assim, estaremos medicando e preparando jovens para que sejam alunos, insiram-se na sociedade, em vez de serem segregados ou trancados em casa."

Lamentavelmente, ainda são poucos os médicos que têm pontos de vista semelhantes ao de Belisário. "Os profissionais da área Saúde não conseguem falar a mesma língua dos educadores", conclui. Por isto, muitas vezes acabam atrapalhando o processo da Educação Inclusiva, cujos resultados favoráveis comprovam a urgência de ações que tornem a Educação capaz de reconhecer diferenças, promover aprendizagem de qualidade e, ao mesmo tempo, atender às necessidades de cada criança individualmente.

O doutor José Belisário acredita que a inclusão traz enormes benefícios a qualquer criança – das que têm déficit intelectual às que nascem com capacidade superior à dos colegas da mesma faixa etária, ou às ditas "normais"–, pois o convívio entre elas extingue o preconceito, a discriminação devido a diferenças verificada em todo o mundo. A inclusão, segundo o psiquiatra infantil, é a conseqüência natural de decisões corretas tomadas por médicos, terapeutas, familiares e professores desde o momento em que nasce um bebê com algum tipo de limitação.

Sobre o procedimento de profissionais das áreas de Saúde e Educação no trato da questão, o doutor Belisário concedeu a seguinte entrevista ao Jornal Educar :

JE - Por que o senhor afirma que Educação e saúde devem andar lado a lado?

O caminho do conhecimento é bastante amplo e consiste em saber de si mesmo e do outro. Sendo assim, tais "conhecimentos" são áreas inseparáveis e, quando um é deficiente, o outro reflete as conseqüências. Por isto, sempre afirmo, em minhas palestras, que a Saúde deve estar a serviço da Educação.

Jornal Educar - Como é possível aproximar médicos, terapeutas e educadores e criar uma Educação para todos?

José Belisário - Esta é uma situação complicada, pois os profissionais da área de Saúde e os de Educação não falam a mesma língua. Eu acho que, pensando em termos de espaço público, o ponto de partida seria a criação de fóruns regionais em que o assunto possa ser analisado pelas duas áreas. O espaço serviria tanto para a discussão de casos como para o aprendizado com a experiência de cada um dos profissionais. Hoje em dia, é isto que tento fazer.

JE - Em nosso país, os médicos ajudam ou atrapalham o processo de inclusão?

JB - Eles têm atrapalhado mais do que ajudado, pois na formação deles não existe a idéia da inclusão. Estes profissionais, em seu curso, não aprendem nada sobre deficiências cognitivas como o autismo. Eles têm idéias pré-concebidas e, ao diagnosticar um caso semelhante, agem com base no preconceito.

 

JE - Desde quando o senhor começou a defender a Educação Inclusiva?

JB - Eu comecei a agir sem saber que estava trabalhando pela inclusão. Eu percebi que alguns de meus pacientes precisavam estar na escola para poderem crescer. Fui até as escolas para esclarecer a situação deles e percebi que travava uma grande luta dentro do sistema de Educação. Foi aí que me aproximei dos grupos que lutam pela inclusão.

JE – Como o senhor vê a Educação Inclusiva?

JB – Cada criança deve ocupar o lugar que lhe é de direito. Na escola, cabem todos os alunos, sendo atendidas as necessidade de cada um deles – dos que têm déficit intelectual aos que nasceram com habilidades invejáveis, os ditos superdotados. Todos devem sentir-se bem e ter prazer em aprender. Tudo isto é possível na Educação Inclusiva.

JE - Há estudos ou pesquisas que comprovem a eficácia da Educação Inclusiva?

JB - Não há estudos quantitativos, por falta de metodologia adequada. No entanto, mesmo havendo casos de fracassos, como é comum a cada nova forma de educar, a minha experiência comprova que a intervenção é sempre bem-sucedida, pois oferece progresso às crianças e denuncia sistemas de Educação autoritários.

JE - O que mais atrapalha o processo da Educação Inclusiva?

Um grave problema social que nos faz não paramos para analisar a realidade e nem tentarmos mudá-la, preferindo fingir que não existem problemas e diferenças entre as pessoas.

JE - O senhor prefere acompanhar crianças com problemas cognitivos, como o autismo?

JB - Lido com várias situações, mas gosto especificamente de estudar o autismo porque esta é a patologia que considero mais complicada de se tratar. O autismo é o transtorno da cognição social. O autista não entende, muitas vezes, o funcionamento do grupo social que o cerca.

JE - Para por em prática a inclusão, o professor precisa conhecer as patologias das crianças com que trabalha?

JB - O professor imagina precisar saber muito sobre a área de Saúde para lidar com crianças com algum tipo de deficiência. No entanto, nem sempre o pessoal da área de Saúde sabe muito mais para dar o retorno necessário a ele. Bastam-lhe conhecimentos suficientes para elaborar sua aula. Eu, como profissional da área de Saúde, não posso ensinar ao professor como planejar sua aula, mas tenho condições de mostrar-lhe o que é melhor para aquela criança no ponto de vista mental.

JE - No seu livro "Inclusão. Uma revolução na Saúde", o senhor distingue professor de educador? Qual é a diferença?

JB - Aqueles que estão sempre dispostos a abraçar propostas inovadoras e eficazes, como a inclusão, buscando sempre novos recursos, são profissionais que denomino "educadores". Professores são os burocratas que dificultam a implantação de um novo conceito de escola, que pressupõe que a Educação é para todos.

JE - Atualmente, existem mais educadores ou professores?

JB - Para a nossa felicidade, cada vez mais educadores buscam conhecer mais as necessidades de seus alunos, mesmo que elas sejam especiais.

JE - Quanto aos pais, o que tem sido feito convencê-los de que têm papel fundamental na luta pela inclusão de seus filhos?

JB - É neste ponto que a Saúde é fundamental. Se o profissional da área de Saúde oferece aos pais segurança, imediatamente eles procuram os educadores. No entanto, o que ocorre, normalmente, é que os próprios especialistas têm preconceitos, inseguranças quanto ao futuro das crianças ditas "especiais". Na maioria das vezes, os médicos e terapeutas são mais pessimistas do que os pais.

JE - A Educação Inclusiva beneficia também quem não tem deficiências?

JB - Sem dúvida. Estes alunos são os mais beneficiados, embora, obviamente, a inclusão também traga enormes benefícios para os alunos com deficiências. É essencial formarmos cidadãos que respeitem os outros cidadãos, ainda que estes apresentem deficiências.

 

José Belisário

Tel: (0xx31) 9979-0162

 

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