Uma Construção

Na última edição deste jornal, escrevi um pequeno artigo sobre a importância de nós, professores, não deixarmos nem permitirmos que a nossa prática pedagógica esvazie-se de invenção, de poeticidade. Insisto na busca por uma escola poética, que minimize as discussões acerca das disciplinas e persiga, mais intensamente, reflexões sobre o processo de construção do conhecimento. Para tanto, deveríamos estar trazendo as diversas manifestações artísticas, dentre tantas outras, para dentro do espaço escolar, em vez de considerá-las externas a ele. Permaneço em minha busca de incorporar o texto literário à dinâmica escolar e, assim, entendê-lo não como complementar, mas como intrínseco ao processo educativo, fundamental na construção do conhecimento, pois com base nele o sujeito cria a sua própria leitura do mundo, da realidade, de si mesmo. Como sempre me lembro de um texto quando estou escrevendo, busquei o de Lygia Bojunga, que fundamenta essa inicial conversa e pode despertar, nos educadores, a atenção e o cuidado que devem ter ao trabalhar com a Arte (no caso, a Literatura), tanto individual quanto coletivamente, pois ela é sempre mais do que parece ser. Vejamos...

Livro: a troca

Para mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena, os livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta, eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.

De casa em casa, eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar prás paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras. Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntima a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação. Todo o dia, a minha imaginação comia, comia e comia; e, de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e, pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que - no meu jeito de ver as coisas - é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo prá - em algum lugar - uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar."
Que nós, então, alarguemos a troca e possibilitemos a expansão desse espaço escolar em espaço de trocas, de vida, de criação, de múltiplas leituras, de diversos olhares, de possibilidades que não se esgotam, mas que, ao contrário, ampliam-se cada vez mais, a ponto de compreendermos que a escola é parte de um processo maior de busca e construção de conhecimentos.

RONA HANNING
Mestre em Educação Brasileira - PUC/RJ Profª Universidade Federal Fluminense (UFF) e-mail: ronahann@uol.com.br

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