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Trabalhador Mirim: um Paradoxo ao Desemprego no Brasil

Por Ednaldo Carvalho



Quando nos debruçamos sobre a questão do trabalho infantil no Brasil, salta aos olhos o paradoxo que é a existência de tal situação simultaneamente ao alto nível de desemprego do trabalhador adulto. Se falta trabalho para o chefe de família, como sobra para as crianças? Uma análise sociológica, certamente, indicaria-nos causas conjunturais, associadas a problemas culturais, históricos e econômicos do país.

O trabalho é inerente ao ser humano. Todos devemos trabalhar. Porém, na idade certa. É comum ouvirmos falar "trabalho desde os sete, nove, onze anos", como se o fato de iniciar tão jovem a luta pela sobrevivência fosse um ato voluntário e não uma exigência do contexto social, que obriga muitas crianças a sujeitarem-se a tal realidade. Antes de ser um ato louvável, dado o esforço destas crianças, o fato denuncia a injustiça social vigente, que atinge incontáveis crianças que deveriam estar sendo educadas, na escola e no lar, e preparadas para uma vida cidadã.

Recentes dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram que 250 milhões de crianças de 5 a 14 anos trabalham em todo o mundo. Destas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE e divulgada em 1993, 4 milhões fazem parte de nossas estatísticas. Daí ser o Brasil um dos países no mundo, com maiores índices de trabalho infantil.

As características de tal gênero de trabalho são dignas de alarmar e envergonhar qualquer país. A insalubridade imposta aos pequenos trabalhadores é inegável. São enormes os riscos à segurança e à saúde das crianças, além de outros biológicos, ergonômicos, físicos, químicos, mecânicos. Diariamente, o contingente mirim de trabalhadores os enfrenta no exercício de várias e perigosas funções, de conseqüências, muitas vezes, irreversíveis.

 

 

Os pequenos trabalhadores são utilizados em várias atividades. Na cultura do alho, plantam a semente, colhem, limpam e trançam a hortaliça, trabalhando a céu aberto. Na fabricação de louças, trituram a matéria prima, moldam a massa e as peças, e acomodam-nas nos fornos. Na fabricação de caixotes, fazem cortes, arrumação e empilhamento. Em pedreiras, executam serviços de extração, beneficiamento, corte, polimento e carregamento de pedras. Na avicultura, abatem, tratam e embalam as aves. Na cultura do tomate, manuseiam o agrotóxico, preparando o solo para o plantio e fazendo a colheita. Além disto, trabalham nas culturas do milho, do arroz, do café, da goiaba, do feijão, da cana-de-açúcar e do sisal, cujas fibras os enceguessem; na pesca; nas olarias; na distribuição e venda de jornais, entre outras tantas funções.

As crianças fazem trabalho de adultos, cumprem longas jornadas. Trabalham cinco, seis, até sete dias na semana, muitas vezes em tempo integral e, em vários casos, com expediente à noite. Ganham menos de um salário mínimo. Começam a trabalhar antes dos dez anos de idade. A grande maioria não tira férias. Não há tempo para brincar, para ser criança.

Sonega-se o direito à cidadania destes pequenos brasileiros. Se calarmos a voz e cruzarmos os braços diante deste problema, estaremos persistindo em caminhar na contramão da luta por uma sociedade mais justa.

O mundo "desenvolvido" investe na Educação, na Ciência, e apressa-se em desenvolver os modelos de produção digitais, procurando oferecer qualidade de vida e justiça social aos povos adiantados. Enquanto isto, o Brasil se arrasta, insistindo em não considerar prioridade o investimento maciço na Educação.

Somente a mobilização da família, da escola, , dos professores e da sociedade, aliada a um esforço "combativo" de refinanciamento do ensino público, do investimento na pesquisa e de resgate do ensino universitário poderá redesenhar esta realidade. Hoje, o quadro que se apresenta faz doer nossa consciência impõe aos "pequenos heróis" uma vida massacrada por um contexto social dominante e faz crescer a cada dia, em nosso meio, em pleno alvorecer do século XXI, o neo-escravismo, desta vez, contra a tenra semente da nação que construímos às nossas crianças.

Ednaldo Carvalho
Editor do Jornal Appai

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