O Que é Que estão me Ensinando?
Cristiane Mano, revista EXAME

A batalha pelo futuro do país começa na escola. Já é um progresso que em seis anos, de 1991 para 1997, a taxa de analfabetismo brasileira tenha caído de 12,2% para 6,0%. Mas é pouco. Num dos pontos principais para a formação de um país desenvolvido, o ensino de Ciências e Matemática, estamos engatinhando: os estudantes de escolas públicas e privadas da 3ª série do 1º ciclo tiveram desempenho em Matemática abaixo da média de crianças de outros dez países da América Latina, segundo a Organização Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (Orealc), órgão da Unesco. Dá para melhorar? Claro que dá. Veja as sugestões de cinco cientistas e matemáticos de primeira linha.

1. Fazer currículos menos específicos

(Imre Simon, professor de Ciência da Computação da Universidade de São Paulo, PhD pela Universidade de Waterloo, em Ontário, no Canadá)

“Os currículos no Brasil são extraordinariamente burocráticos. Além disso, são muito focados, levam a uma especialização precoce. Isso não foi tão crítico no passado, mas eu temo que possa ser fatal no futuro. Tudo indica que a sociedade caminha para um período de mudanças profundas e rápidas. Talvez uma das maiores mudanças seja a prática de atividades multidisciplinares, realizadas em equipe. Numa situação dessas, uma rigidez de formação pode ser altamente prejudicial. Uma tendência que deveríamos seguir é gradualmente transformar o sistema para que o enfoque seja cada vez mais horizontal, sem o aprofundamento em detalhes sem razão de ser. Isso equiparia os nossos estudantes com uma bagagem que lhes conferia maior ousadia na vida profissional, fundamental numa época de grandes mudanças”.

2. Reestruturar os cursos de formação de professores

(Élio Mega, coordenador do Departamento de Matemática do Curso e Colégio Etapa, pós-graduando em Educação Matemática pela PUC-SP)

“Um dos problemas do ensino de Matemática no Brasil é a falta de preparo de muitos professores - se não a maioria. No caso de professores do 1º e 2º ciclos (antigo primário), falta conhecimento da Matemática básica. Se o professor não está seguro sobre o que fala, como pode explicar? Mesmo quando se propõem métodos modernos de ensino, alguns apoiados no uso da tecnologia, verifica-se que o professor ensina mecanicamente. Uma possível solução seria reestruturar os cursos de formação dos professores. Nos cursos de licenciatura, técnicas e métodos de ensino deveriam ser tratados objetivamente: como usar o computador, a calculadora, materiais manipulativos, situações-problema etc. Para os professores já formados, seria necessário um amplo programa de reciclagem que envolvesse a (re)aprendizagem de conteúdos”.

3. Trocar as exposições pelo debate

(Oswaldo Frota-Pessoa, professor emérito do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo)

“O pior defeito do ensino é a persistência do método expositivo simples, em que o professor diz como são as coisas e os alunos tomam nota para estudar para as provas. É preciso estimular a atividade dos alunos, combinando algumas estratégias. Uma delas é o método de problemas, que consiste em levantar uma questão que interesse aos alunos e fazê-los pensar e debater, em busca de um resultado. Outra é o método indutivo-dedutivo. Professor e alunos procuram, em discussão, resolver uma questão específica. Aí chegam a um princípio geral aplicável a outros casos específicos. Ainda há o método de projetos, em que os alunos planejam, com o professor, uma pesquisa sobre um assunto que lhes interesse e saem a campo para obter dados. Para consertar o ensino, é necessário “converter” os professores. As aulas têm que ser conduzidas com um diálogo”.

4. Ciência sem laboratório não é Ciência

(Silvio Meira, professor de Engenharia de Software da Universidade Federal de Pernambuco, PhD em Computação pela Universidade de Kent, na Inglaterra)

“A falta de laboratórios é a principal deficiência no ensino de Ciências do Brasil. Sem a experiência prática, a Ciência se torna um conjunto de formulações abstratas. É muito mais difícil a compreensão dos fenômenos sem vê-los. Como as escolas são mal equipadas, não atraem os melhores profissionais para dar aulas. Hoje se ensina a mesma coisa que se ensinava há 15 anos. E o que é pior: ensina-se da mesma forma. Os métodos são os mesmos. O laboratório quebra aquela fórmula dos professores que repetem o conteúdo dos livros no quadro-negro”.

5. Mudar os métodos de avaliação

(Takeshi Kodama, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutor em Física Nuclear Relativística pela Universidade de Waseda, no Japão)

“O ponto básico é o imediatismo do ensino. Parece que as provas são consideradas um objetivo e não uma conseqüência. O importante na Ciência básica é o processo de raciocínio para chegar à resposta de um determinado problema. Mas o que geralmente se privilegia no ensino hoje é a memorização. Aliás, o problema começa na maneira de formular a questão. Esse ponto é muito desprezado no ensino básico. Isso gera alunos que são simplesmente usuários de “manuais” (os livros didáticos) para obter respostas. Esse aspecto é realmente perigoso para o futuro do país. Acaba criando o recurso humano medíocre. Mesmo nos cursos superiores de Física e Matemática, há muitos alunos que ainda não sabem o que é uma estrutura lógica. Isso é fruto de um ensino que, desde cedo, pede respostas imediatas, sem exigir o processo de pensamento

"Exame" n .21, ano 33 de 20 de outubro de 1999

 

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