Novas medidas do governo prometem colocar a indústria do tabaco contra a parede e complicar a vida de quem fuma

Yuri Vasconcelos

Fumantes, preparem-se! O Ministério da Saúde está para lançar um pacote de ações que vai dificultar a vida de quem não consegue viver sem a fumaça de cigarro. Antitabagista ferrenho, o ministro José Serra promete fazer o que seus antecessores tentaram e não conseguiram: vencer a luta contra o fumo. Se vai conseguir, é outra história. O país tem 35 milhões de fumantes, e calcula-se que, a cada ano, 80 mil pessoas (ou nove por hora) morrem vítimas de alguma doença relacionada ao consumo do cigarro. Menos de 3% dos fumantes conseguem abandonar o vício por ano, segundo estatísticas mundiais. A Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera o tabagismo a maior pandemia de todos os tempos, informa que 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo são dependentes do cigarro, o equivalente a um terço da população adulta. Resultado: o fumo mata anualmente 3,5 milhões de pessoas, mais do que a Aids, a cocaína, a heroína, o álcool, o suicídio e os acidentes de trânsito somados. A ironia é que pesquisas feitas nos Estados Unidos mostraram que a maioria dos fumantes sabe disso, mas julga que nada acontecerá com eles.

Um grupo de países, entre os quais o Brasil, tenta incluir-se, procura reverter esse quadro. “Com a criação da Agência de Vigilância Sanitária e a colocação do cigarro entre os itens a ser fiscalizados, temos o instrumento legal para normatizar esse mercado”, acredita o ministro da Saúde. A primeira medida será aumentar as campanhas antitabagistas. “É preciso substituir mensagens sutis e genéricas, como ‘Fumar provoca diversos males à saúde’, por frases duras e diretas, como ‘Hoje você me acende, amanhã eu te apago’ ou ‘Fumar aumenta em 22 vezes a chance de contrair câncer’”, diz Serra. Ele afirma que o ataque direto é a melhor estratégia nessa guerra. Para isto, pretende conseguir a inserção de advertências no meio dos anúncios - e não somente no final, como ocorre hoje - e a ampliação da restrição da propaganda na televisão e no rádio. Projeto de lei enviado ao Congresso prevê que os anúncios só poderão ser veiculados após as 23 horas – atualmente, são difundidos duas horas mais cedo.

Em outro front, o governo estuda uma forma de abrir um processo nos Estados Unidos contra a indústria multinacional do tabaco. A idéia é cobrar o ressarcimento dos gastos do Sistema Único de Saúde com as doenças originadas do fumo. A indenização pode ficar entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões. “O Brasil tem boa chance de vencer”, avalia o americano Richard Daynard, diretor da Tobacco Products Liability Project, entidade especializada em processos contra o lobby do fumo. “Como as sedes das empresas de cigarro ficam nos Estados Unidos e os planos de Marketing são feitos lá, o Brasil pode alegar que a responsabilidade pela venda, no país, é dessas empresas”, afirma. Recentemente, a Guatemala entrou com uma ação similar puxando a fila. O gesto foi seguido por Panamá, Bolívia e Venezuela. A decisão deve sair em dois meses.

No ano passado, após longa disputa, os fabricantes de cigarro dos Estados Unidos aceitaram pagar US$ 206 bilhões a 39 dos 50 estados americanos, para se livrar de ações semelhantes. O dinheiro será pago em 25 anos e vai custear tratamentos de fumantes, campanhas antitabagistas e a criação de uma fundação para desestimular o hábito entre os jovens. No Brasil, começam a pipocar ações judiciais. A Associação de Defesa da Saúde dos Fumantes entrou, em julho de 1995, com uma ação civil coletiva contra os fabricantes, alegando que a propaganda de cigarro é enganosa e abusiva porque omite que o cigarro causa dependência. “Estamos otimistas”, disse o advogado Luiz Carlos Mônaco, diretor da entidade. “O juiz do processo inverteu o ônus da prova. As empresas terão de mostrar que tudo o que argüimos não é verdade”, diz. Há pelo menos outras cinco ações individuais em andamento. A mais adiantada é movida contra a Souza Cruz pela família de Nélson Cabral Alves, morto de infarto, aos 41 anos, após fumar quatro maços de cigarro por dia durante 23 anos. Depois de receber sentença favorável da Justiça carioca, a ação foi derrotada no segundo julgamento. Ainda cabe recurso às instâncias superiores.

Nos últimos anos, os cientistas somaram 25 doenças comprovadamente causadas pelo cigarro e outras 15 em que ele é forte suspeito de ser o responsável. Segundo a OMS, o fumo está por trás de 25% das mortes por infarto e de 30% dos casos de câncer, para falar das doenças principais relacionadas ao fumo. O governador de São Paulo, Mário Covas, 68 anos, é uma das vítimas mais conhecidas. Em 1986, após fumar por mais de 30 anos a média de quatro maços por dia, sofreu um infarto e precisou colocar duas pontes de safena e uma mamária. No ano passado, extraiu a bexiga, tomada por um tumor maligno. As duas doenças estão associadas, em tese, ao fumo que, por sinal, ele abandonou.

As pesquisas sobre os efeitos do cigarro surpreendem. Todos os dias surgem informes sobre seus malefícios ao organismo, alguns não completamente comprovados. A julgar por esses dados, o cigarro faz mal dos dentes à pele, do coração ao cérebro. Nas mulheres, acredita-se que pode acelerar a menopausa, ao interferir no ciclo hormonal, e provocar a osteoporose, ao reduzir o fluxo sanguíneo nos ossos. Recém-chegadas às estatísticas das vítimas, as mulheres parecem ser mais vulneráveis à dependência do cigarro. Não se sabe por que motivo elas sofrem mais para largar o vício. O mesmo acontece com as pessoas mais jovens. O fato é preocupante porque 90% dos fumantes ficam viciados antes dos 19 anos. É o caso das estudantes Priscila Mendes da Silva, 14 anos, que deu as primeiras tragadas há dois anos, e Tatiana Lameirinhas, 18 anos, fumante desde os 15. “O cigarro me acalma”, diz Priscila. “Agora não penso em largar, mas, quando quiser, consigo”, acredita Tatiana.

Não é tão fácil como ela imagina. A nicotina, o agente responsável pela dependência, não perdoa. Os mecanismos do vício ainda são desconhecidos, mas os médicos já têm algumas pistas. Sabe-se que, em apenas oito segundos, a nicotina chega ao cérebro, onde faz seu estrago, confundido com prazer. Ela substitui um neurotransmissor, substância mensageira entre os neurônios, natural do organismo. Agindo em seu lugar, estimula a produção de dopamina, outro neurotransmissor associado à sensação de prazer. A primeira sensação é de bem-estar, mas, como todo fumante sabe, é passageira. Se não renovar o estoque de nicotina no cérebro, o fumante começará a passar mal e a sentir-se ansioso. Provavelmente, terá depressão, irritabilidade, insônia e dificuldade de concentração.

”O fumo vicia da mesma forma que o álcool e a cocaína”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da clínica antitabagista da Universidade Federal de São Paulo. “Embora a síndrome de abstinência do cigarro seja mais branda do que a de outras drogas, o hábito é tão arraigado que fica mais difícil abandoná-lo.” A atriz Nair Belo, de 68 anos, fumante desde os 11, confirma. “O vício é mesmo muito forte”, diz. “Só dá para parar com tratamento.” Ela admite que tentou meia dúzia e ainda não conseguiu. Não está sozinha. Estima-se que de cada dez fumantes nove querem abandonar o hábito e seis já fizeram uma tentativa. Fica cada vez menor o grupo de fumantes irredutíveis, como o jornalista gaúcho Paulo Sant’Ana, de 59 anos. Na contramão dos que tentam com mais ou menos empenho livrar-se do vício, ele garante que nunca pensou em parar.

 

“O cigarro já faz parte da minha personalidade”, afirma. Sant’Ana e outros fumantes acreditam que não é possível tomar um café ou sentar-se na frente do computador sem acender um cigarro. ”Costumava fumar um maço por dia”, lembra o oncologista Drauzio Varella, 55 anos. “Até perceber que era absurdo tratar pacientes de câncer causado pelo cigarro e continuar fumando.” Varella parou de fumar sozinho, o que é muito difícil. Para quem não tem a mesma força de vontade, uma boa notícia é o lançamento, previsto até julho, do Zyban, uma droga que contra-ataca a nicotina no cérebro e cuja liberação está sendo estudada pelo Ministério da Saúde. “Após um ano de tratamento, quase a metade dos fumantes abandona o vício”, garante Cláudio Péricles, assessor médico da Glaxo Wellcome no Brasil, empresa responsável pelo remédio, o primeiro que não contém nicotina. É diferente dos adesivos e chicletes vendidos no país há mais de dez anos. O tratamento com essas substâncias tem eficácia em torno de 16%, índice que aumenta com sessões de terapia.

Há métodos menos ortodoxos. O ex-ministro Mailson da Nóbrega, 56 anos, largou o vício após tratar-se com acupuntura. “Comecei a fumar aos 12 anos. Em 1988, coloquei um ponto cirúrgico na orelha e parei num estalo.” A técnica, trazida ao país pelo acupunturista Fage Marat, também funcionou com a gerente de Marketing Grace Penteado, 31 anos. “Hoje, percebo quanto as pessoas que fumam cheiram mal”, afirma a ex-fumante. Nenhum desses métodos garante sucesso total, mas eles podem ajudar. “O essencial é que a pessoa esteja motivada”, afirma a psiquiatra Maria Tereza Lourenço, do Grupo de Apoio ao Tabagista do Hospital do Câncer de São Paulo. Em um ano e meio de atividade, mais de 500 pessoas já passaram pela clínica do hospital. “Logo após o tratamento, entre 40% e 60% delas conseguem êxito. Um ano depois, esse número cai para 24%”, diz a médica. “As pessoas voltam a fumar em situação de estresse, mas uma recaída deve ser encarada como um tropeço numa longa caminhada.” O consolo é que já está provado que a cada nova tentativa é mais fácil dar adeus ao cigarro.

Yuri Vasconcelos
(colaboraram: Frances Jones, Jorge Pontual, de Nova York, sucursais e correspondentes)

Melhoria de vida

O que se ganha quando alguém pára de fumar

De imediato: melhora o ar em torno do ex-fumante.
20 minutos: pressão arterial e batimento cardíaco caem para o normal, assim como a temperatura das mãos e dos pés.
8 horas: nível de monóxido de carbono no organismo está normalizado. Aumenta a quantidade de oxigênio no sangue.
24 horas: é reduzido o risco de ataque cardíaco.
48 horas: aumenta sensibilidade ao cheiro e ao gosto.
De 2 a 12 semanas: melhora a circulação sanguínea. Capacidade pulmonar aumenta 30%. Já é mais fácil caminhar.
De 1 a 9 meses: diminui congestão, tosse e respiração ofegante. 1 ano: cai pela metade o risco de doenças cardíacas.
De 10 a 15 anos: expectativa de vida igual à de quem nunca fumou.

Caminhos da cura

Existem vários métodos que ajudam os fumantes a abandonar o vício

Zyban
É a primeira droga contra o fumo que não tem nicotina. Age no cérebro estimulando a liberação de dopamina e diminuindo a síndrome de abstinência (depressão, irritabilidade, insônia etc.). O tratamento dura três meses e é eficiente em 45% dos casos. Sua liberação no país deve ocorrer até julho.

Reposição de nicotina
Os adesivos atenuam a síndrome de abstinência liberando pequenas doses da droga. O tratamento dura 40 dias. O chiclete de nicotina é ideal para quando a vontade é grande ou para quem fuma pouco. A eficácia é de 16%.

Aconselhamento
Em sessões em grupo, os fumantes aprendem técnicas para largar o vício e evitar recaídas. A terapia dura de quatro a sete sessões e, quando associada à reposição de nicotina, tem índice de sucesso de 24%.

Hipnose
Durante o transe hipnótico, o terapeuta induz o fumante a vivenciar situações ruins ligadas ao cigarro. Depois, ele continua com essa sensação. É eficaz para reduzir a ansiedade. O tratamento dura várias sessões e só funciona se a pessoa entrar em transe. Cada sessão custa cerca de R$ 150.

Acupuntura
Um ponto cirúrgico na orelha libera substâncias semelhantes à endorfina, que atenuam os sintomas da falta de nicotina. A colocação leva 15 minutos. Em 30 dias, o ponto é retirado. O tratamento custa entre R$ 200 e R$ 250.

Raios infravermelhos
Funcionam como a acupuntura, só que o estímulo é dado com raios infravermelhos. O tratamento chegou ao país em 1996 e consiste de três sessões de 30 minutos em dias consecutivos. É indolor e sem contra-indicação. O paciente é acompanhado por seis meses. Preço: em torno de R$ 250.

A ação de um usurpador

Como a nicotina age no cérebro para dar sensação de bem-estar

1.Para se comunicar uns com os outros, os neurônios usam substâncias mensageiras chamadas neurotransmissores. A nicotina imita a ação da acetilcolina, um neurotransmissor.

2.Como moléculas clandestinas, a nicotina se encaixa nos receptores de acetilcolina das células cerebrais. Estimuladas pela nicotina, estas células produzem mais dopamina, neurotransmissor associado à sensação de bem-estar.

3.Normalmente, quando a acetilcolina termina seu trabalho, os receptores liberam a substância, que é reabsorvida pelas células. A nicotina, no entanto, inativa o receptor. O estímulo à produção de dopamina é interrompido após alguns instantes e o sistema nervoso se desequilibra até que o fumante acenda o próximo cigarro e a nicotina se encaixe em novos receptores. O ciclo recomeça.