Um Doce de Página

Internet supre carência de informações sobre Literatura infantil e juvenil

Caco Xavier

Quando você entra na Internet e procura por “literatura infantil”, usando as ferramentas de busca nacionais, acha apenas dois resultados, duas páginas web. Uma delas é a Doce de Letra. E caso você procure pelo nome de alguns autores de livros infantis e juvenis brasileiros, certamente encontrará a mesma indicação: Doce de Letra. Se você, então, clicar o mouse sobre esta intrigante e poética expressão, saberá por que o Doce de Letra é o maior e o mais completo site sobre Literatura infantil e juvenil da Língua Portuguesa. Muito mais do que um site, é uma rede! Para entendê-la, como se faz nos contos infantis, é bom começar do começo, usando aquela velha introdução que faz com que a atenção dos ouvintes e leitores prenda-se definitivamente às nossas palavras:

Era uma vez...

...uma escritora. Não era uma escritora de livros infantis (ainda não), mas já havia ganho um prêmio Jabuti por um criativo livro de contos — ou minicontos, como ela mesma os chamava — intitulado Mínimo Múltiplo Comum. A escritora chama-se Rosa Amanda Strausz, jornalista atuante no mercado editorial. Rosa Amanda teve um filho e, graças a ele, escreveu seu primeiro livro infantil, Mamãe Trouxe um Lobo para Casa, em 1995. O sucesso deste primeiro trabalho “encomendou” o segundo, A Coleção de Bruxas de Meu Pai. Enquanto os livros seguiam nascendo — em velocidade bem superior aos filhos —, Rosa Amanda e seu companheiro Davide Mota, também jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), começaram a perceber que não existiam informações disponíveis sobre esta categoria de literatura na Internet e nem, diga-se de passagem, em lugar nenhum. Não havia dados sobre autores ou livros, críticas, resenhas, fóruns de discussão, nada.

Naquele momento, Davide estava buscando algo com que pudesse experimentar as possibilidades jornalísticas de uma revista eletrônica na Rede, enquanto Rosa Amanda estava ávida por coletar e ‘trocar’ informações acerca desse novo (para ela) universo de criação e produção. Juntos idealizaram, então, a revista Doce de Letra, página que foi ao ar exatamente no dia 29 de julho de 1996, contendo entrevistas com autores, artigos sobre Literatura infantil e juvenil, resenhas de livros e um serviço chamado SOS Leitor, através do qual os primeiros usuários da página podiam esclarecer dúvidas pelo correio eletrônico e pedir orientações acerca de livros e autores.

Por se tratar de uma das poucas referências nacionais sobre o assunto e também graças ao apuro gráfico e à qualidade das informações e dos serviços prestados, os editores notaram que a página começava a “inchar”. Rosa Amanda diz que a revista estava ficando grande demais, alguns autores já manifestavam desejo de construir suas próprias homepages e a demanda por informações — geralmente oriunda de professores e alunos de escolas públicas e particulares — chegou a um ponto tal que ela e Davide não conseguiam mais dar conta. O próximo passo foi, então, a criação da Rede Doce de Letra, que acolheria a revista, as homepages dos autores que desejassem colocar seu material no ar, sites similares, nacionais e internacionais, possíveis parceiros interessados em participar desta iniciativa e novos serviços de Comunicação, quem sabe até um fórum mais amplo que o SOS Leitor. “A Rede está no ar desde outubro do ano passado, recebendo a média de 300 visitantes por dia”, diz o laborioso pai da ‘criança’, Davide, sob o olhar orgulhoso da ‘mãe’.

Filhos e Netos de Monteiro Lobato

Percorrendo os caminhos da moderna literatura infantil e juvenil no Brasil, Rosa Amanda vê dois momentos distintos, caracterizados por duas gerações de autores: — Primeiro, apareceram os que chamamos carinhosamente de ‘filhos de Lobato’, que revolucionaram o conceito de literatura para crianças e jovens no país: Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Sylvia Orthof e outros. Logo depois, vieram os ‘netos de Lobato’, autores da minha ‘geração’, como Luciana Sandroni, Celso Sisto, Roger Mello e Rita Espeschit. Essas duas gerações consolidaram uma Literatura infantil e juvenil rica e diversificada, perfeitamente compatível com a realidade do país.

O Momento Atual

Davide Mota e Rosa Amanda Strausz, criadores e editores da Rede Doce de Letra, vêem o momento atual da Literatura infantil e juvenil com grande otimismo: — Atualmente, é possível encontrar em livros infantis qualquer assunto ou tema que se possa imaginar. Esta é a característica marcante do momento vivido pela Literatura para crianças no Brasil. Antes, esta literatura tratava somente da tradição, era uma coisa bastante normativa. Mas hoje fala-se igualmente da morte, da sexualidade, de relações humanas, de cidadania e identidade, da sociedade em que vivemos. Enfim, todos os grandes temas que vêm sendo discutidos pela Filosofia, pela História e pelas Ciências estão ao alcance de qualquer criança que lê.

Escrever para si mesmo ou para uma outra criança?

Para Rosa Amanda, existem duas formas de escrever para crianças e, em conseqüência disto, duas ‘vertentes’ de autores: — Há aqueles que não pensam numa ‘criança externa’ quando escrevem, mas contam suas histórias refletindo seu próprio ‘eu’ lírico infantil. Resgatam suas memórias infantis, escrevem de si e para si. Lygia Bojunga, Bartolomeu Campos Queirós, Fátima Miguez e Celso Sisto fazem parte deste grupo. E há aqueles que precisam ter o leitor em vista, que escrevem considerando a criança como um ‘outro’. É o caso de Ana Maria Machado, Sylvia Orthof, Ruth Rocha, Ziraldo. Eu mesma me encaixo neste último grupo, porque só comecei a escrever quando vi uma criança na minha frente, quando tive um filho. Antes, eu não entendia nada de criança, nem conhecia sua linguagem. Ambos os grupos de autores, é desnecessário dizer, produzem literatura de altíssima qualidade.

Literatura como material de apoio didático

“Todo o mercado do livro infantil e juvenil está direcionado para as escolas”, explica Rosa Amanda. E acrescenta: “as editoras, como se sabe, não dão ao professor elementos para que ele construa seu próprio ambiente literário em sala de aula”. Segundo a escritora, são os profissionais da Educação os que mais sofrem com esta falta de informações biográficas e bibliográficas. “Geralmente, o professor não tem base teórica para lidar com esta literatura e nem material para construir esta base”, acrescenta Davide. Rosa vai mais além, lembrando que, no início, não havia nenhuma publicação voltada para o professor, para os pais, para aqueles interessados na literatura infantil e juvenil “como literatura, não como mero material de apoio didático”. É comum, e até necessário, segundo ela, que o professor utilize livros infantis como instrumento pedagógico, “mas ele deve perceber que, acima de tudo, a Literatura é uma forma de arte, fundamental na formação de uma pessoa. E este conteúdo não pode ser esvaziado”, completa. Rosa e Davide mostram-se reticentes quanto a algumas práticas pedagógicas utilizadas por professores ao lidarem com o livro infantil, que consistem em pedir para que os alunos encontrem três adjetivos, dois pronomes demonstrativos e procurem o significado de uma certa palavra. “Toda literatura abre caminhos de autoconhecimento e é assim que ela precisa ser vista pelos educadores” – diz Davide. Os dois editores sonham com as escolas utilizando livros e transpondo o patamar imediato e didático das ‘fichas de atividade’, porque “quem lê um livro está elaborando suas vivências e princípios de expressão, abrindo possibilidades para o conhecimento de coisas e idéias que ainda podem vir a ser reais”.