2 E-book Revista Appai Educar Quando falamos sobre o hábito e o gosto pela leitura, deveríamos lembrar daquele momento inicial em que todos nós, com um brilho nos olhos, aprendíamos a decifrar as primeiras palavras. No entanto, à medida que crescemos, surgem também os desafios de manter o interesse pela leitura, até mesmo em função do entendimento de que ela desempenha um papel essencial na formação de leitores. Com o surgimento de novas formas de leitura, como a dinâmica e as abreviações usadas na comunicação on-line, a interação dos jovens com os textos mudou, exigindo novas abordagens para aproximá-los da literatura tradicional. Assim, é essencial refletir sobre como a leitura no ambiente digital e as práticas modernas de consumo de informação podem ser aliadas na formação de leitores críticos e conscientes, sem perder de vista a profundidade e a riqueza que os textos literários proporcionam. Pensando nessa questão, nesta edição, a Revista Appai Educar entrevistou Cida Simka, professora licenciada em Letras, escritora e autora, junto com Sérgio Simka, do livro “Prática de escrita: atividades para pensar e escrever”, que, com seu olhar profundo sobre os desafios e as oportunidades que surgem ao promover a literatura entre os jovens – considerando as transformações tecnológicas e as novas formas de leitura –, oferece reflexões valiosas sobre como equilibrar o mundo digital com a leitura literária tradicional, incentivando o pensamento crítico, a criatividade e o prazer pelo ato de ler. Boa leitura!
3 E-book Revista Appai Educar Entrevista com Cida Simka RAE – Como o hábito de leitura pode ajudar os jovens a desenvolveremmelhor suas habilidades de escrita e expressão? Cida Simka: Com o hábito de leitura internalizamos diversas estruturas linguístico-discursivas que mais tarde serão utilizadas em nosso texto, não como mera reprodução, mas como uma possibilidade de escolha, aumentando nosso cabedal no momento da escrita. E mais, uma leitura atenta, crítica, que passa em revista os meandros de como os autores utilizaram determinadas construções linguísticas, os recursos estilísticos de que lançaram mão, como foram escritas determinadas passagens, tudo isso ajuda e facilita no momento da expressão. O ato de ler também amplia nossa visão de mundo, nossa capacidade de interpretarmos as questões do nosso dia a dia, e auxilia na construção imagético-discursiva, isto é, amplia nosso poder de imaginação. Além de melhorar, inclusive, a saúde mental, uma vez que, durante o processo da leitura, o cérebro é ativado para imaginar, criar, mentalizar, memorizar e aprender. A leitura, enfim, nos torna mais humanos.
4 E-book Revista Appai Educar RAE – De que forma a literatura clássica e a contemporânea podem contribuir para a formação de jovens leitores no mundo digital de hoje? Cida Simka: Depende muito de como a literatura é apresentada nas escolas. Se o processo for reflexivo e instigante, ele pode despertar o interesse dos jovens. É uma questão de gosto, ou seja, se a pessoa tem o hábito de ler, e aprecia literatura, ela lê tanto os livros físicos como os digitais. O que é importante salientar consiste em como a literatura tem sido apresentada (“ensinada”) em nossas escolas: trata-se de um momento de reflexão ou é algo cansativo, descontextualizado? O papel do professor é fundamental, ou seja, ele tem de propor atividades que levem o jovem a se interessar pela literatura, pelas questões da condição humana, de modo que ele sinta prazer, contentamento, ao ler determinados livros que exploram essa faceta. Pode começar por instigá-lo a ler uma passagem que possa pôr em xeque seus próprios valores; a refletir sobre a época em que o livro foi escrito e comparar com aquela em que ele vive; a analisar o comportamento daquele momento e o de seu tempo e, após as reflexões individuais, abrir uma roda de debates em sala de aula em torno dessas questões, para que o jovem aprenda a expor suas opiniões, de forma crítica, e deixe de ser um reprodutor das palavras/ideais do autor. O jovem, em algumas atividades que desenvolve na internet, como os jogos, por exemplo, tem de tomar decisões para não ser vencido, sente-se desafiado, o tempo todo, precisa interagir com outros jogadores ou com os personagens do jogo. A leitura precisa fornecer a ele esses elementos, para que se interesse por ela. E isso jamais acontecerá se ele tiver apenas de fazer resumos e apresentações para a sala, porque estará, apenas, reproduzindo o que leu.
5 E-book Revista Appai Educar RAE – O uso da internet, com seu vasto conteúdo de fácil acesso, tem ajudado ou prejudicado o desenvolvimento do hábito de leitura entre os jovens? Quais são os principais benefícios e desafios? Cida Simka: A internet pode ser uma ferramenta incrível, desde que usada corretamente. É aquela questão: a internet é boa ou ruim? Depende do uso que fazemos dela. Se for bem empregada, ajuda, e muito, pois a informação estará ao alcance do jovem a qualquer hora e em qualquer lugar em que ele esteja. Ele pode, inclusive, complementar, em tempo real, a informação passada pelo professor em sala de aula. No entanto, a maioria dos jovens usa a internet para leituras rápidas e rasas ou dedica o tempo a consumir textos publicados em redes sociais. Não podemos generalizar, mas o dia a dia mostra que eles se afastam de leituras que exigem maior aprofundamento e reflexão. Quando isso acontece, ela se torna prejudicial para o desenvolvimento desses jovens. A leitura superficial impede que eles interpretem o texto lido, principalmente os mais longos, e adquiram conhecimento para argumentar e defender os pontos de vista sobre determinados assuntos. A escola precisa se adequar ao fato de que estamos diante de uma geração que não sabe viver sem a internet e mostrar caminhos para leituras de diversos gêneros, de forma crítica e participativa.
6 E-book Revista Appai Educar RAE – As leituras dinâmicas e rápidas, típicas da navegação na internet, podem impactar negativamente a capacidade de imersão e interpretação dos jovens em textos literários mais densos? Cida Simka: Sim, acreditamos que essa leitura frívola e célere, comum na internet, prejudica a imersão em textos mais densos. Cremos que a forma como o jovem lê no ambiente digital impacta negativamente a capacidade de leitura de textos mais densos, porque o apelo da internet e das redes sociais está ligado a uma leitura fluida, sem a necessária criticidade. É mais fácil aceitar o que se lê do que pensar por conta própria. Essa afirmação reflete no resultado apontado pelo Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 5 de janeiro de 2024, que aponta que metade dos estudantes brasileiros não tem nível básico em leitura. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para que o jovem consiga exercer a sua cidadania plena, ele precisa saber ler e escrever.
7 E-book Revista Appai Educar RAE – Como as abreviações e os estilos informais de escrita usados pelos internautas afetam a habilidade dos jovens em compreender e interpretar obras literárias mais complexas? Cida Simka: O jovem precisa aprender a adequar o uso dos recursos linguísticos de acordo com o contexto. É importante que se saiba aproveitar o que temos à disposição em todas as comunicações. O que ocorre é que ele utiliza a mesma expressão em todos os seus registros de interação, o que acaba prejudicando o entendimento no que tange a obras mais complexas. RAE – A literatura digital e o formato de e-books têm desempenhado um papel positivo na promoção da leitura entre os jovens ou existem barreiras nesse formato em comparação com os livros impressos? Cida Simka: A questão do preço do livro é essencial quando abordamos esse ponto. O preço do e-book em relação ao do livro físico é colossal, de modo que, sendo mais acessível, tem contribuído para o fomento da leitura.
8 E-book Revista Appai Educar RAE – Na sua opinião, quais estratégias podemser adotadas para incentivar os jovens a equilibrar o uso da internet coma leitura profunda e reflexiva da literatura? Cida Simka: Partir de questionamentos e reflexões. A leitura na internet pode propiciar, no primeiro momento, o contato com determinada obra. A abordagem mais profunda precisará ser feita quando o professor, por exemplo, lançar um questionamento em que apenas com a leitura competente do texto seja possível suscitar uma eventual resposta. Sugerimos também uma roda de leitura ao final de cada semestre em que os alunos poderão discutir os livros que leram, obras essas de sua livre escolha, envolvendo toda a classe, trocando impressões, levando ao debate do que gostaram e enfatizando o que entenderam da trama. RAE – Você acredita que as redes sociais, onde os jovens têm acesso a resumos e críticas literárias, podem servir como um incentivo ou substituto inadequado para a leitura completa de obras literárias? Cida Simka: Em um primeiro momento, servem como incentivo, mas não substituem a leitura integral do livro. Geralmente, a superficialidade impera, ninguém mais quer saber de pensar, daí a leitura rasa, sem a devida criticidade, que é elemento fundamental e peça-chave do processo de apropriação do conhecimento.
9 E-book Revista Appai Educar Reflexão A literatura, em suas várias formas e expressões, continua sendo uma poderosa ferramenta de desenvolvimento intelectual, emocional e social para os jovens. No entanto, o cenário atual, marcado pela presença predominante da internet e pela rapidez das interações digitais, impõe desafios à formação de leitores críticos e conscientes. A leitura dinâmica, as abreviações e os conteúdos superficiais, tão comuns no ambiente on-line, podem afetar negativamente a capacidade dos jovens de se aprofundar em textos mais densos e reflexivos. Por outro lado, quando usada de forma estratégica, a internet pode também ser uma aliada poderosa, proporcionando acesso rápido e fácil a uma vasta gama de conteúdos literários. O papel do educador é crucial nesse processo, mediando e incentivando o equilíbrio entre as leituras digitais e a apreciação da literatura em sua profundidade, seja por meio de livros impressos ou digitais. A promoção do hábito de leitura vai além de apenas ensinar o conteúdo literário.
10 E-book Revista Appai Educar Trata-se de cultivar o prazer pela leitura, de instigar a curiosidade e de formar cidadãos capazes de pensar criticamente sobre o mundo ao seu redor. A escola e as ferramentas digitais devem trabalhar juntas para oferecer aos jovens oportunidades que incentivem a reflexão, a interpretação e o diálogo, garantindo que a literatura continue a ser um pilar essencial na formação das novas gerações. Em um mundo de constantes mudanças, o poder transformador da leitura permanece. Cabe aos educadores, pais e sociedade garantirem que a literatura continue a desempenhar seu papel formador, ajudando os jovens a se tornarem leitores conscientes, pensadores independentes e, acima de tudo, cidadãos engajados e preparados para os desafios do futuro.
*Cida Simka é professora licenciada em Letras, escritora e autora, junto com Sérgio Simka, do livro “Prática de escrita: atividades para pensar e escrever”. Leia também: Estimulando a leitura na era digital (appai.org.br) A leitura transforma vidas sempre (appai.org.br) O incentivo à leitura e escrita não pode parar! (appai.org. br) Projeto de incentivo à leitura transforma comunidade escolar (appai.org.br) Saiba como estimular a leitura na alfabetização remota (appai.org.br) 11 E-book Revista Appai Educar Por Antônia Figueiredo
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