Entrevista com a mestre Denise Guerra

Autora de “Educação Física Escolar – Representações sociais e práticas inclusivas”


Para tratar de um dos pontos mais sensíveis no cotidiano social, práticas inclusivas, a Revista Appai Educar entrevistou a Mestre Denise Guerra, que lançou o livro: Educação Física Escolar – Representações sociais e práticas inclusivas, pela Appris Editora. A obra é o resultado de pesquisa acadêmica acerca do tema e horas práticas de vivências em sala de aula.

Revista Appai Educar – Em que você se baseou para a escolha desse tema?

Denise Guerra – Inicialmente pelo exercício profissional como musicoterapeuta, psicomotricista e professora de Educação Física na educação especial e inclusiva. Participei como profissional de escola especial (Apae-Rio), escola pública com sistema de integração, e agora nas escolas públicas com perspectiva inclusiva. Observando que as práticas motoras para pessoas com deficiência não possuem um marco específico na história, mas foram influenciadas pelos esportes adaptados alavancando progressos nas habilidades motoras e na integração social, e que estes recursos não chegaram nas escolas com a mesma ênfase, apontamos algumas perguntas de partida para a pesquisa deste tema:

1) como os professores de Educação Física estão se colocando diante do desafio de ministrar suas aulas aos alunos com deficiência intelectual incluídos no ensino regular?
2) as práticas inclusivas evidenciadas no trabalho dos professores de Educação Física seriam inovadoras ou tradicionais?
3) quais representações sociais são constatadas nas práticas inclusivas destes professores com alunos com deficiência intelectual?

Revista Appai Educar – De que forma a Educação Física escolar perpassa o eixo das representações sociais de práticas inclusivas?

Denise Guerra – Neste ponto é preciso inserir, mesmo que brevemente, alguns conhecimentos sobre a Teoria das Representações Sociais (TRS), que, vista de uma forma geral, é uma teoria científica sobre o senso comum, “que nos possibilita entender e explicar a maneira que os indivíduos e grupos elaboram, transformam e comunicam suas realidades sociais” (RATEAU, 2012). A TRS foi criada por Serge Moscovici, apresentada na obra de 1961: A psicanálise, sua imagem e seu público. Temos mais de um conceito sobre a TRS, desenvolvidos pelo próprio Moscovici e pesquisadores colaboradores. Acerca desta teoria Moscovici (1961; 2012) considera o seguinte:

“As representações sociais são entidades quase tangíveis; circulam, se cruzam e se cristalizam continuamente através da fala, do gesto, do encontro no universo cotidiano. A maioria das relações sociais efetuadas, objetos produzidos e consumidos, comunicações, trocas estão impregnadas delas. Como sabemos, correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração, e, por outro lado, à prática que produz tal substância como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica ou mítica”.

Respondendo à Revista Educar, as representações sociais funcionam como um guia de condutas, que determinam comportamentos e práticas, e, através destas, podem nortear a relação dos sujeitos com o meio e com o outro, dando-lhes sentidos e significados pela compreensão de sistemas simbólicos que afetam os indivíduos e grupos, orientando e organizando suas interações cotidianas, suas práticas. Para Rouquette (1998) as representações sociais influenciam as práticas e vice-versa: “convém tomar as representações como uma condição das práticas, e as práticas como um agente de transformação das representações” (p.43).

Revista Appai Educar – Baseados nas argumentações do livro, como os professores podem desenvolver a prática da Educação Física escolar, em meio às muitas situações que ainda demandam melhorias emergenciais?

Denise Guerra – Nos reportando ao senso comum, não há uma receita específica de atuação. Cada escola, professor, turma, aluno constituem um grupo particular que demanda representações e práticas singulares. Contudo, estudar as características dos seus grupos observando as necessidades apresentadas e experimentar práticas inovadoras com suporte de formação continuada me parece um bom começo. Sabemos que os recursos na educação são incipientes, mas, se não estamos conformados com o que temos, precisamos tentar mudar este estado de coisas, e a inovação nas práticas pode ser um bom agente de transformação, contando inclusive com teias colaborativas.

Revista Appai Educar – Em que medidas os psicomotricistas e profissionais de Educação Física se beneficiarão do conteúdo dessa obra?

Denise Guerra – Inicialmente esses profissionais poderão se beneficiar dos conhecimentos históricos apresentados ao longo desta pesquisa, na qual fizemos um paralelo entre a Educação Especial, a Educação Física Escolar, Adaptada e Inclusiva abordando os caminhos históricos, as construções teóricas e as leis, justificados pelos principais acontecimentos no Brasil e no mundo, percebendo que a inclusão ainda está mais apoiada nas leis do que nas práticas das escolas. Discutimos como eram tratadas as Pessoas com Deficiência Intelectual pela sociedade, e as mudanças que ocorreram até sua inserção nos espaços de educação, relacionando também como surgem as atividades motoras e/ou esportes adaptados, áreas de excelência de atuação de psicomotricistas e professores de Educação Física. Em seguida, a ampliação da discussão do tema sobre “inclusão x exclusão” nos faz um alerta para pensarmos as nossas práticas cotidianas quanto ao corpo, ao meio, ao objeto e ao outro. Por fim, observando a análise sobre as práticas inclusivas apresentadas pelos professores de Educação Física, com base na Teoria das Representações Sociais, pode-se construir novos caminhos que incentivem uma transformação pautada na cooperação, valorização da alteridade, igualdade de oportunidade, interação social e na equidade.

Revista Appai Educar – Esse conteúdo, ainda que técnico, pode ser usado em sala de aula, a fim de aumentar a aquisição do conhecimento do aluno, bem como abrir horizontes reflexivos acerca das práticas inclusivas?

Denise Guerra – O livro é voltado aos profissionais que desejam pensar sobre as práticas inclusivas para pessoas com deficiência intelectual, e o viés apresentado para a discussão do tema foi a Teoria das Representações Sociais. Percebemos que muito se tem para caminhar na promoção das práticas inclusivas para a Educação Motora (seja na Educação Física e ou psicomotora), mas as políticas de inclusão precisam ser melhor atendidas, visto que há questionamentos sobre os recursos que estão pouco viabilizados ao grupo, e que podem ajudar na construção desse processo, tais como: materiais adaptados; um profissional mediador nas turmas com alunos com DI incluídos; conhecer a condição clínica (laudo) do aluno com DI para orientação das questões físicas e fisiológicas sobre ele na hora das práticas; provisão de formação continuada na área de Educação Psicomotora, Educação Física inclusiva e adaptada.

Oportunizar a ampliação de novos conhecimentos e novas práticas a estes profissionais seria o mesmo que poder transformar suas representações sociais e práticas. Sugerimos a viabilização de diálogos entre os pesquisadores da academia e os professores/ psicomotricistas que estão atuando com alunos com deficiência, recusando os limites impostos pelo discurso da exclusão, encaminhando uma possível ampliação das trocas entre a academia e as comunidades escolares, entre os indivíduos e seus grupos, seja nas quadras, nas salas de aula e/ou de atendimento, como forma de disseminar o que se tem pesquisado tornando vivas as teorias para colaborar no desenvolvimento da sociedade.

No olhar à inclusão é importante enxergarmos múltiplas imagens, ainda que metafóricas, como num caleidoscópio que cria mandalas, símbolos de integração e harmonia, para assim ampliarmos nosso campo de visão. Eis, pois, que o convite está feito: Vamos dialogar sobre o tema do livro?! Obrigada pelo espaço cedido! Estarei à disposição! Abraços!


Por Antônia Lúcia
Sobre a autora: Denise Guerra dos Santos é Mestre e Doutoranda em Educação (Unesa); Especialista em Psicomotricidade (Ucam); Especialista em Educação Inclusiva (Universidade Cruzeiro do Sul); Especialista em Cultura africana e afro-brasileira (UCB); Graduada em Educação Física (Unesa); Graduada em Musicoterapia (CBM); Professora de Educação Física nas redes municipais de ensino de Queimados e Nova Iguaçu e atua no Neap (Núcleo Especializado de Atendimento Pedagógico) com Educação Psicomotora motora em Nova Iguaçu.

Referências:
MOSCOVICI, S. A Psicanálise sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes, 1961/2012.
RATEAU, Patrick. Teoria das Representações Sociais. Tradução: Claudia Helena Alvarenga. In: VAN LANGE, P. A. M.; KRUGLANSKI, A. W.; HIGGINS, E. T. (Org.). Handbook of Theories of Social Psychology. V. 2. London: SAGE, 2012. p. 477. Título original: Social Representation Theory. Tradução não publicada.
ROUQUETTE, Michel-Louis. Representações e práticas sociais: alguns elementos teóricos. In: MOREIRA, Antônia S. P.; OLIVEIRA, Denize C. Estudos interdisciplinares de representação social. 2ª ed. Goiás: AB editora, 1998 (p.39-46).


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