Parte 2


Ao aprendermos, nossas conexões se modificam. Com o apoio da neurodidática, neurocientistas poderão ajudar professores e pedagogos a desenvolver novas estratégias de ensino e aprendizado


O desenvolvimento do cérebro demanda interação constante com o mundo exterior. Neurocientistas pesquisaram a fundo essa questão no que se refere ao nosso aparato visual. Ao nascermos, nossas conexões neuronais relativas à visão encontram-se, grosso modo, definidas por nossa estrutura genética. Os necessários refinamentos ocorrem, então, na interação com o ambiente. Importância particular tem aí uma fase do desenvolvimento chamada “período crítico”. Se, durante esse período, a influência do entorno é inexistente ou limitada, a capacidade visual se desenvolve de modo apenas parcial, ou chega mesmo a perder-se por completo.

A fase crítica vai até o início da idade escolar. Quem, ao longo desse período, não faz uso ativo da visão e alimenta o próprio cérebro de informações visuais, jamais aprenderá a ver, uma vez que as conexões sinápticas necessárias não mais poderão se construir no futuro. Em princípio, isso se aplica também aos processos cognitivos. A multiplicidade dos estímulos exteriores determina qual será a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elas se comunicarão entre si – a própria evolução cuidou disso. É somente quando o desenvolvimento do cérebro é determinado por aquilo que se aprendeu e experimentou que a adaptação do nosso órgão central ao ambiente em que vivemos se dá de forma ideal.

Que importância isso tem para a didática? Quando educação e formação dão às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa, as capacidades mentais podem se desenvolver – e aprender se torna fácil. Em especial no jardim-de-infância, e até a 4.ª série do Ensino Fundamental, os pedagogos, com freqüência, evitam educar o pensamento das crianças de forma direcionada, provavelmente porque não desejam sobrecarregá-las. Mas é precisamente entre os 3 e 10 anos, que o cérebro está sempre à procura de novo alimento, o que, de resto, o mundo lhe oferece em abundância a cada segundo, uma profusão incomensurável de impressões abre caminho pela via dos sentidos.

ROEDORES FELIZES

Contudo, nem todos esses estímulos adentram nossa percepção, ou nossas células cinzentas logo atingiriam o limite da sua capacidade de ordenar sensatamente tamanha quantidade de informação. Em vez disso, o que ocorre é um constante processo de seleção a destilar a ínfima porção que tem importância suficiente para ter acesso ao cérebro. A instância decisória é a atenção. Ela faz com que, da imensa gama de estímulos, os órgãos dos sentidos selecionem aqueles que devem ser processados pela consciência. Considerando-se que o cérebro se interessa, sobretudo, pelas alterações no mundo ao nosso redor, objetos novos, chamativos ou em movimento despertam atenção de forma quase automática.

Tudo que é desconhecido estimula, com particular intensidade, as redes neuronais e, por isso mesmo, se deposita, muito facilmente na memória, como informação. Crianças adoram surpresas e o mesmo acontece com seus cérebros. Isso não se limita aos ovos de chocolate e a seu conteúdo. Um ambiente rico em variedade, capaz de despertar todo dia a curiosidade pelo novo, conduz quase automaticamente ao aprendizado.
Todavia, por quais estímulos nos decidimos é algo que depende também de fatores internos e, principalmente, do significado que atribuímos a um evento. Cada mensagem provinda dos sentidos faz o cérebro vasculhar a memória em busca de informações pertinentes ao evento percebido. Reúne-se tudo que já se aprendeu ou experimentou no passado a seu respeito. Se, por exemplo, uma nova circunstância lembra algo interessante ou agradável, o cérebro ativa as totalidades das redes nervosas que, de alguma forma, possam ter a ver com esse evento e, então, inclui o elemento novo.

Na apreensão de estímulos anteriores, é especialmente de si mesmo que o córtex cerebral se ocupa. A maior parte de suas células nervosas recebe mais sinais de outros neurônios corticais e os retransmite apenas a células dessa mesma região. A razão para tanto é que essas células nervosas comparam a informação sensorial recebida com conteúdos já existentes da memória. Quanto maior a quantidade de dados semelhantes preexistentes, tanto mais fácil é a fixação do novo. Aprender é, pois, um processo que se auto-alimenta: quanto mais um aluno souber matemática ou inglês, tanto mais rapidamente avançará nessas matérias.

Mas como é o cotidiano escolar? Em geral, ele raras vezes procura expandir as capacidades preexistentes. Ao contrário, busca-se compensar o déficit resultante da comparação entre o currículo exigido e o saber efetivo dos alunos, como a dizer: “Se ele não compreende o cálculo integral agora, não vai atingir o objetivo do curso”. Em vez de a escola se valer das capacidades de cada um e de expandi-las, os alunos são predominantemente atormentados com suas deficiências individuais. E a situação é ainda pior. Muitos professores ensinam suas matérias sempre da mesma maneira. Aos alunos, resta, como último recurso, decorar os conteúdos ensinados, em vez de aprendê-los.

Do ponto de vista neuro-biológico, isso faz pouco sentido. Afinal, se o aluno não compreendeu algo bem, decorá-lo irá fortalecer precisamente conexões estabelecidas de forma equivocada, pois seguirá ativando-as. Dessa forma, o erro se imprimirá cada vez mais fundo no cérebro. Para tanto, há apenas uma saída: a total modificação da metodologia empregada na explicação. Aprender de novo é muito mais fácil que obrigar uma rede neuronal consolidada a reaprender.

Se fracassar seguidas vezes num mesmo problema é frustrante, o sucesso no aprendizado, por sua vez, transmite satisfação ao aluno. O próprio cérebro cuida disso. No Centro de Pesquisas do Aprendizado e da Memória, em Magdeburg,<br> os neurobiólogos Henning Scheich e Holger Stark examinaram o líquido cerebral no córtex pré-frontal de roedores. Verificaram então que, quando os animais desempenhavam corretamente uma tarefa, o resultado era um nítido<br> aumento do nível do neurotransmissor dopamina. Esse aumento provoca um sentimento de felicidade mediante o qual, de certo modo, o próprio animal se recompensa.

Em conjunto com a acetilcolina (outro neurotransmissor presente no sistema nervoso), a dopamina faz com que também o aprendiz humano queira mais. Quando conseguimos classificar uma nova informação num contexto preexistente – ou seja, quando aprendemos algo além do que sabíamos –, essas duas substâncias não apenas aumentam nossa concentração, como também nos fazem sentir satisfação.

“Tudo que dá alegria aprender, a memória auxilia” (sic) – disso já sabia Johann Amos Comenius, um dos fundadores da didática no século XVII, e é provável que o soubesse por experiência própria. Hoje, está cientificamente comprovado que as emoções desempenham papel decisivo na construção da memória. Responsável por isso é o chamado sistema límbico, estrutura cerebral por onde passa cada sinal enviado pelos órgãos dos sentidos e que possibilita toda a nossa gama de estados emocionais – desde a raiva, a tristeza, o medo e o desprazer até a felicidade e o prazer.

O sistema límbico avalia diretamente as informações, ainda antes que a consciência possa desempenhar algum papel. É por essa razão que somos capazes, por exemplo, de reagir instantânea e instintivamente a situações de perigo. O sistema emocional, entretanto, decide também que estímulos são importantes e valiosos. Ao passar pelo córtex cerebral, cada situação é comparada a experiências e reflexões anteriores, alcançando, então, a consciência. Em seu conjunto, os sentimentos podem estimular o aprendizado, intensificando a atividade de redes neuronais e fortalecendo suas conexões sinápticas.

Informações nas quais o sistema límbico estampou um selo emocional encravam-se no fundo da memória, e de forma bastante duradoura. Enquanto o mero saber muitas vezes se dissipa com rapidez, os sentimentos perduram por muito tempo. O cérebro se aproveita disso, vinculando diversos conteúdos da memória a um mesmo matiz emocional, que, mais tarde – no aprendizado –, é reativado, facilitando a integração dos elementos de uma nova situação na rede preexistente.

Informações revestidas de colorido emocional não apenas encontram, com mais facilidade, o caminho até a memória de longa duração: elas permanecem mais acessíveis, prontas a ser evocadas. Em que grande medida sentimentos e lembranças estão conectados é o que se pode depreender também do fato de certos distúrbios da memória, como o mal de Alzheimer, estarem vinculados a lesões no sistema límbico.

A neurobiologia mostra, portanto, que se aprende melhor quando o objeto do aprendizado tem conteúdo emocional – o que, convenhamos, em se tratando de tópicos matemáticos complicados, nem sempre é fácil. Contudo, os educadores podem, por exemplo, embrulhar áridas fórmulas no belo papel de presente de uma história emocionante. Muito importante é que o ambiente de aprendizado seja emocionalmente agradável. Isso estimula a curiosidade e a motivação dos alunos, beneficiando não somente o aprendizado, mas também o ensino, sobretudo de tópicos complexos.

Que os sentimentos exercem influência sobre percepção e atenção, isso todos nós já observamos ao ler um livro. Há romances que simplesmente não despertam nosso interesse. Se, contudo, o enredo faz vibrar uma corda da emoção, mergulhamos fundo na história que, então, o sistema límbico se encarregará de tornar inesquecível.

APRENDER BRINCANDO

O mesmo vale para a sala de aula. Se a criança apenas observa, de forma neutra, o que se passa, dificilmente reterá alguma coisa na memória. Apenas os sentimentos são capazes de transformar uma aula numa experiência pessoal, porque, nesse caso, os conteúdos a aprender passarão a significar alguma coisa para o aluno. Em decorrência disso, também o sucesso no aprendizado chega mais rápido, acompanhado do sentimento de satisfação que recompensa o esforço.

Emoção e motivação balizam, pois, o sistema da atenção, que decidirá que informações serão armazenadas nos circuitos neuronais e, portanto, aprendidas. A atenção, no entanto, funciona mal se fixada em duas coisas ao mesmo tempo. A atividade numa rede neuronal inibe a atividade nas demais. Assim, a alternância constante entre dois tópicos diversos em sala de aula faz pouco sentido. Crianças precisam de tempo para a assimilação consciente de um conteúdo a aprender. Despertado o interesse, devem ter a oportunidade de se concentrar no assunto e de, então, se despedir dele com igual cuidado. Em termos neurobiológicos, isso significa: aquecer, primeiramente, a rede neuronal em questão, mantê-la ativa e, por fim, deixá-la seguir trabalhando em paz.

Ainda que, em certas esferas, o cérebro seja muito superior a qualquer supercomputador, sua capacidade de desempenho tem limitações também. O “gargalo” parece situar-se na passagem entre as memórias de curta e longa duração. Toda impressão sensorial que o sistema da atenção considera relevante deposita-se, primeiramente, na memória de curta duração. Sua fixação mais duradoura no cérebro dependerá da intensidade da impressão provocada nele e de ele seguir ou não se ocupando dela. Isso demanda alterações químicas e elétricas capazes de fortalecer os contatos sinápticos, estabelecidos frouxamente de início. As células nervosas interconectadas vão, pouco a pouco, formando um padrão de conexões sólidas – os engramas. São eles que constituem a memória de longa duração.

Contudo, esse processo sofre a perturbação das muitas informações que chegam simultaneamente às células cinzentas. Não admira que aprendamos com máxima eficácia quando nos concentramos por completo num assunto. Do ponto de vista neurobiológico, as impopulares lições de casa fazem todo o sentido: a repetição do aprendizado enseja a formação de engramas.

De importância talvez ainda maior é o fator tempo. No processo de aprendizado, muitas horas se passam até que as conexões entre as células nervosas envolvidas possam, de fato, se estabilizar ou enfraquecer. As neurociências ainda não são capazes de precisar com segurança quanto tempo dura essa fase de consolidação. Mas partimos do princípio de que pouco proveito traz martelar matéria nova na cabeça do aluno no exato momento em que seu cérebro se empenha por consolidar o que acabou de aprender. Se assim procedermos, os conteúdos irão se sobrepor, o que perturbará sua fixação neuronal. O aprendizado a intervalos é, portanto, muito mais sensato, um fato ao qual a didática deveria dedicar atenção redobrada. Durante uma breve pausa ou brincadeira relaxada, o cérebro infantil poderá armazenar a matéria ensinada sem ser perturbado.

Outra dica das neurociências aos pedagogos e educadores é: quanto mais recursos forem empregados na transmissão de uma informação, tanto melhor ele se fixará na memória de longa duração. É mais fácil aprender com a colaboração do maior número possível de órgão dos sentidos. Como todos os neurônios se comunicam via sinais elétricos, tanto faz ativá-los mediante a visão, o tato, a audição, o movimento ou mera reflexão.

Decorre também do modo como o cérebro funciona aquele que é talvez o princípio mais importante da neurodidática: permitir que as crianças aprendam de acordo com seus dons e talentos individuais. Nessa chamada pedagogia da competência, não é só o currículo que decide o que deve ser aprendido, mas, sim, as capacidades individuais dos alunos. Durante muito tempo, não apenas os cientistas da educação, mas também muitos neurobiólogos acreditaram que todas as pessoas vêm ao mundo dotadas dos mesmos requisitos para o aprendizado. Nesse meio-tempo, porém, já se sabe que as precondições cognitivas são dadas pela genética, sob a forma de potencial. Todavia, esse potencial só se desenvolve mediante a interação com o mundo ao redor, ou seja, mediante o aprendizado.

Toda criança possui um pacote próprio de possibilidades de desenvolvimento, tem seus talentos específicos, mas também suas fraquezas individuais. Ao que tudo indica, o sistema de busca de informações chamado cérebro sabe quais os pontos fortes do seu dono e procura explorá-los e expandi-los com perguntas direcionadas. A típica ânsia de saber das crianças, que, por vezes, nos parece infinita, não é, pois, arbitrária e despropositada, mas, sim, balizada por talentos pessoais. À criança interessará mais aquilo que ela sabe melhor, e é também sobre isso que ela fará insistentes perguntas.

Por esse motivo, a tarefa mais importante dos professores – e também dos pais – consiste em descobrir o que a criança domina melhor, o que desperta sua curiosidade e lhe dá alegria. A escola ideal, do ponto de vista neurodidático, ajusta os conteúdos curriculares às competências individuais dos alunos. Somente pedagogos que conhecem as capacidades de seus alunos podem dar ao cérebro aprendiz o alimento que ele demanda.

ROLDANAS PRIMEIRO

Isso não significa ensinar às crianças apenas umas poucas matérias preferidas e ignorar o restante. A pedagogia da competência não deseja abolir da formação a cultura geral, e sim estimular a ânsia de saber naquelas áreas especiais a cada criança. Ao final do Ensino Fundamental, cada aluno deve saber ler, escrever e, aos 14 anos, ter uma boa noção de história. A questão é, antes, se determinado conteúdo precisa ser necessariamente ensinado num momento específico e já fixado, a fim de que o currículo e o objetivo de cada série sejam cumpridos. Quando isso acontece, atrofiam-se os talentos e interesses inatos. E as demais áreas do conhecimento, que um tal procedimento haveria de beneficiar, pouco ou nenhum proveito extraem daí: o êxito do aprendizado é bloqueado tanto pela deficiência de talento quanto pela pouca motivação.
Aprender significa também trilhar caminhos próprios, pesquisar, experimentar coisas. Isso só é possível quando a camisa-de-força do currículo escolar não aperta demais, e quando professores estimulam e avaliam seus alunos individualmente. A escola precisa inspirar vontade de aprender e essa vontade principia, em geral, com a sensação de que se é capaz e, ao menos em determinadas áreas, competente.

Além disso, quem tem confiança nas próprias capacidades consegue lidar melhor com suas deficiências. “Com a cabeça, o coração e as mãos” – assim deve ser o aprendizado ideal na concepção de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827). Os resultados da pesquisa neurocientífica moderna dão razão ao pedagogo suíço reformista. Hoje sabemos que o cérebro reúne, num todo, os três aspectos: o pensamento, o sentimento e a ação. Trata-se de transmitir o conhecimento necessário às crianças de um modo que corresponda ao do funcionamento cerebral. Mas isso só será possível quando professores e educadores compreenderem como transcorrem os processos de aprendizado do ponto de vista neurobiológico. Por essa razão, as neurociências e as ciências da educação precisam trabalhar juntas, em colaboração mais estreita.

Curiosidade, interesse, alegria e motivação são os pré-requisitos necessários ao aprendizado do que quer que seja. São essas as condições que os sistemas educacionais deveriam criar, estimular e consolidar –, aliás, não só no Ensino Fundamental, mas já antes dele. Todo ser humano quer aprender a vida inteira, desde o momento em que nasce. Por essa mesma razão, neurodidática não significa apenas desenvolver métodos de aprendizado que levem em conta a neurobiologia do cérebro infantil: significa, também, acreditar na disposição de aprender como qualidade humana fundamental. Disco, ergo sum – aprendo, logo existo.


Obs.: Continuação da matéria extraída da Revista Viver – mente & cérebro. (Edição n.º 157 – Ano XIV – Fevereiro/2006)
Colaboração: Gerhard Friedrich & Gerhard Preiss
Ilustração: Patricia Rocha