POR QUE TRABALHAR OS MITOS GREGOS?
Quem já teve a experiência de trabalhar História
Antiga em sala-de-aula, certamente, constatou uma dificuldade: a distância
temporal e espacial dessa temática em relação aos nossos alunos do Ensino
Fundamental, especialmente na 5.ª série, que é o momento de aplicação desse
conteúdo. Esta oficina visa a encurtar a distância e o estranhamento, despertar
o interesse dos alunos e tornar possível o entendimento de alguns conceitos
inerentes ao tema. Para isso, propõe concretizar, ao máximo, o conteúdo,
através de atividades que busquem naturalizá-lo, trazendo para a experiência do
aluno o universo mental e cultural dos gregos antigos. O poder de sedução da
mitologia grega encontra grande repercussão entre crianças e jovens,
falando diretamente ao seu gosto pelo lúdico e pela criatividade. O
enfoque na narrativa oral auxiliará esta identificação, propiciando, ao mesmo
tempo, a compreensão sobre a importância da palavra falada para a construção da
história e da cultura nas civilizações antigas.
OS GREGOS E OS DEUSES
As cidades-estado gregas
A Grécia Antiga, chamada de Hélade pelos gregos, se localizava no sul da
Península Balcânica, ocupando as ilhas do Mar Egeu e Jônio e o litoral da Ásia
Menor. Esta civilização estava dividida em cidades-estado com um certo grau de
independência política. Apesar da fragmentação política do mundo grego, as
várias cidades-estado reconheciam-se como partes de uma mesma unidade cultural,
com língua, costumes e valores comuns. Essa comunidade cultural formava uma
civilização, a qual se contrapunha ao mundo "bárbaro". Em toda
cidade-estado grega havia espaços comuns a todos os grupos sociais e outros
reservados aos grupos que eram, de alguma forma, diferenciados. Todas as
pessoas freqüentavam o mercado e o teatro. Já a assembléia era reservada apenas
aos que eram cidadãos, ou seja, homens livres descendentes de pessoas nascidas
na cidade. O conselho e os tribunais eram reservados aos
eleitos para suas funções, embora todo cidadão pudesse sê-lo. O estádio era
freqüentado por homens adultos e jovens com mais de 12 anos que tivessem tempo
livre para praticar esportes. Todos esses lugares ficavam na parte baixa da
cidade, a ágora. No interior dos templos não eram admitidos fiéis. Eles deviam
ficar do lado de fora, onde eram feitos os sacrifícios, e só através da porta
de entrada podiam entrever a estátua do deus. Apenas os sacerdotes e os
funcionários ocupavam o espaço do interior dos templos, que, em sua grande
maioria, se localizavam na acrópole, local mais alto onde, nos períodos
Micênico e Homérico, se situavam também os palácios dos reis e residia a
comunidade. Com o crescimento da população, as regiões mais baixas foram sendo
ocupadas e a acrópole ficou reservada às funções religiosas.
O que é Mitologia?
Os mitos fazem parte da tradição oral de um povo, ou seja, são narrativas qu usam a palavra falada para transmitir e comunicar o modo de pensar desse grupo,
preservando a memória e garantindo a continuidade de sua cultura. As narrativas
são passadas de geração a geração pelos contadores de histórias, principalmente
os anciãos e poetas. Uma mesma história mítica pode surgir em diferentes
versões, porque, com o passar do tempo, o mito é permanentemente recriado.
Alguns dos mitos gregos referem-se aos contatos e encontros amorosos entre os
deuses e os seres humanos, dos quais nasciam os heróis. Um exemplo clássico é a
História de Hércules (nome dado pelos romanos ao herói de força descomunal que,
em grego, se chamava Héracles).
A importância da tradição oral para a civilização grega

Devemos historicizar a disseminação da tradição oral entre os gregos. Essa
questão é o cerne da reflexão que vamos propor na atividade em torno da
Odisséia, de Homero. "Historicizar" a tradição oral não significa localizar o
aparecimento da escrita como um marco mais evoluído do ponto de vista linear.
É bom lembrar, também, que o processo histórico não produz apenas mudanças, ele
é constituído também de permanências. Para compreendermos o lugar da tradição
oral na cultura grega, é preciso retomar o momento da entrada dos Dórios na
Península Balcânica. Este povo indo-europeu foi responsável pela destruição da
civilização Micênica e pela ocupação de Esparta na região do Peloponeso. Nesse
contexto, a escrita caiu em desuso e houve uma significativa redução da vida
urbana e do comércio. Muitos Aqueus fugiram para as ilhas do Mar Egeu e para as
costas da Ásia Menor, onde fundaram várias cidades. Após as invasões dóricas, o
conhecimento sobre a civilização Micênica passou a ser transmitido apenas por
tradição oral pelos Aedos (cantores e poetas inspirados pela musa, que os
impelia a cantar a glória dos homens). Estes percorriam a Grécia narrando fatos
e histórias da época Micênica. Os aedos recorriam às repetições, que
facilitavam o processo de memorização. Destituída do suporte da escrita, a
memorização estava reduzida à simples transmissão oral. É preciso atenuar as
conquistas da escrita nas províncias do mundo grego. Devido à relativa raridade
do objeto livro e ao pequeno número de letrados, os livros eram mais escutados
do que lidos. Os filósofos, os médicos, os historiadores, todos se dedicavam a
recitações públicas. O livro era escrito no interior de um amplo sistema
cultural, cuja transmissão continuava a se fazer de forma oral e auditiva. A
cultura tradicional nunca precisara da escrita para se fazer ou se dizer, pois
encontrava-se na memória comum a toda comunidade, seus princípios de
organização e suas modalidades de aprendizagem. Provavelmente, certas
sociedades, mais do que outras, preocupam-se em colocar em ação meios não
escritos de fixar sua tradição, seja confiando-a parcialmente aos profissionais
da memória - virtuoses dos procedimentos mnemotécnicos - seja assegurando,
por meio dos rituais, uma repetição regular, senão imutável, das palavras, das
narrativas ou dos cantos litúrgicos. Essa necessidade de sempre redizer e
repetir é que confere à oralidade o seu modo próprio de criação. A produção
oral, por sua vez, se não for recebida imediatamente, captada por ouvidos
atentos e salva do silêncio que a espreita desde o primeiro momento, acaba
condenada ao esquecimento, destinada ao desaparecimento imediato, como se nunca
tivesse sido pronunciada. Para poder penetrar e tomar seu lugar na tradição
oral, uma narrativa, uma história ou qualquer obra falada deve ser entendida,
isto é, deve ser aceita pela comunidade.
Um pouco da História dos deuses

Vamos tentar localizar a mitologia no interior da sociedade grega, ou seja, compreender
o que ela representa para os gregos. Os gregos eram politeístas: acreditavam em diversos
deuses. Os deuses tinham uma importância central na sua história, eram vistos como senhores
da terra e do céu, habitantes do Monte Olimpo. Os deuses eram todos antropomorfos: tinham
forma, sentimentos, virtudes e fraquezas humanas. Além da crença nos deuses, as almas dos
antepassados também eram cultuadas pelas famílias, através de uma série de rituais que ficavam
a cargo das mulheres. Zeus, o chefe supremo da família dos deuses, casou-se com Hera.
Desse casamento nasceram novos deuses, cada qual personificando um elemento ou um fenômeno da natureza:
Hermes era a chuva e também o mensageiro dos deuses; Apolo, um jovem muito belo, personificava
o sol; Artêmis era a deusa da lua, representada como caçadora; Deméter era a terra fértil, que
produzia as colheitas e alimentava os homens; Perséfone era a semente; Dionísio, o deus das vinhas.
A todos esses deuses ofereciam-se sacrifícios de animais, cerimônias, festas e jogos. Os jogos mais famosos da Grécia,
as Olimpíadas, realizavam-se de quatro em quatro anos na cidade de Olímpia, em homenagem a Zeus.
Ali, atletas de todas as cidades gregas participavam de várias competições: salto, corrida, luta,
arremesso de dardo e de disco. O atleta vencedor, quando voltava à sua cidade, recebia honras de
herói, ficava livre do pagamento de impostos e tinha um lugar especial nas festas públicas.
Todos os atletas competiam completamente nus. O espetáculo dos jovens se movimentando era apreciado
pela beleza. Entretanto, as mulheres não participavam dos jogos olímpicos. Estes eram tão importantes
para os gregos que, durante sua ocorrência, as guerras deixavam de acontecer. Os gregos também contavam
o tempo pela Olimpíada. A primeira Olimpíada ocorreu em 776 a.C., data considerada o ano 1 da Grécia Antiga.
Atividade proposta
Sugerimos que você institua 15 minutos de Mitologia por aula. Reúna os seus alunos numa roda no pátio da
escola e conte um mito. Você pode começar pelo mito do Minotauro, que retrata a origem do mar Egeu e se
relaciona com a própria origem da Grécia. Quando acabar, peça aos seus alunos que recontem o mito, oralmente.
Depois, é o momento de perguntar se ele foi contado de maneira idêntica à primeira narração (feita por você).
Ao perceber que houve algumas diferenças no recontar, temos a brecha para discutir a construção da memória,
que pressupõe seleção, idealização e a própria História enquanto representação. A experiência pode ser repetida
durante todo o período em que está sendo discutido o tema Grécia Antiga. Sugerimos, como segundo mito a ser contado,
o Mito de Perseu, que se tornou o rei de Micenas, importante cidade-estado da Grécia Antiga. Desta vez, além da experiência
do recontar, a atividade pode incluir o registro escrito da versão dos alunos, que pode acontecer na forma de uma narrativa
convencional ou em outros formatos sugeridos por eles, como história em quadrinhos. No caso de o público ser de 5.ª série,
isso significa um espaço lúdico muito estimulante, além de proporcionar a concretização da História através dos desenhos.
Obs.: Matéria extraída do site do
Centro de Educação a Distância
do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj),
em 29/04/07: www.educacaopublica.rj.gov.br/cursos/index.php#mitologia
Colaboradora: Elisa Goldman (Mestre em História pela PUC-Rio)
Nota:
Informamos que os autores da matéria O solo na sala de aula,
publicada na edição n.º 51 (abril/maio) do Jornal Educar,
são os professores MSc. Anderson Barboza de Souza e MSc. Adérito P. Pimenta.
|