A convite do Governo do Estado de Minas Gerais, Helena Antipoff veio para o Brasil no ano de 1929. A princípio, ela ficaria aqui por dois anos para, dentre outras funções, trabalhar na reforma do ensino do Estado, ocupar a cadeira de Psicologia, coordenar o Laboratório de Psicologia e assessorar o sistema de ensino na aplicação de testes de inteligência. Entretanto, em virtude de sua grande contribuição na área educacional, acabou permanecendo por muitos anos no país, colaborando de maneira significativa para o aprimoramento da Educação no Brasil.

A primeira experiência no país foi na Escola de Aperfeiçoamento – Instituição de Ensino Superior na área de Educação –, local onde instalou o Laboratório de Psicologia e começou a desenvolver um vasto trabalho de pesquisa sobre o desenvolvimento mental, os ideais e os interesses das crianças mineiras.

O principal objetivo da pesquisa era respaldar a implementação dos testes de inteligência nas escolas primárias. Quando aplicados às crianças, esses testes forneciam resultados que facilitavam a separação por inteligência e, a partir daí, eram organizadas as classes chamadas homogêneas. Concomitantemente a isso, Antipoff retoma seus estudos sobre a “inteligência civilizada”, definida por Regina Campos, no Dicionário de Educadores do Brasil, como a natureza mental do indivíduo polida pela ação da sociedade em que vive, desenvolvendo-se em função da experiência que adquire com o tempo.

Através desse conceito, a educadora estabeleceu um paralelo entre o meio socioeconômico e o desenvolvimento mental. Assim, partindo dessa analogia, propôs às escolas a adesão de programas de “ortopedia mental”, que visavam a equilibrar as oportunidades para crianças de baixa renda que não conseguiam obter um resultado satisfatório nos testes aplicados. Após esse período, traduziu para o português a obra L’éducation dês enfants arrières. Neuchâtel: Délachaux et Niestlé (1931), de Alice Descoeudres.

Algumas crianças, contudo, não conseguiam atingir os objetivos esperados nos testes e, nesses casos, não se enquadravam na área definida como “zona de normalidade”. Então, para se referir a essas crianças, Antipoff decidiu adotar o termo “excepcional”, em substituição à expressão “retardado”, que era usada até então. A introdução do termo, segundo ela, justificava-se por evitar a estigmatização, como podemos conferir no trecho abaixo:

...O nível baixo nos testes de inteligência para muitas crianças no meio social inferior e crescidas fora da escola não prognostica absolutamente o futuro atraso nos estudos, pois, nesta idade, o organismo ainda está bem plástico e o cérebro capaz de assimilar, com grande rapidez e eficiência, os produtos da cultura intelectual. (Antipoff, H. & Cunha, M.L. “Test Prime”. Boletim 10, Belo Horizonte, Secretaria de Educação e Saúde Pública, 1932).

A idéia da pesquisadora era estimular programas de reeducação para crianças excepcionais, pois, desta forma, seria possível distinguir os “excepcionais orgânicos” (aqueles que apresentavam distúrbios por motivos hereditários) dos “excepcionais sociais” (aqueles que, devido a determinadas condições de vida social ou familiar, ficavam comprometidos, não apresentando, portanto, um desenvolvimento propício).

No ano de 1932, a psicóloga e educadora cria a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte. Para esse projeto, ela dedicou-se a reunir um grupo multidisciplinar, formado por médicos, educadores e religiosos. A instituição tinha como objetivo principal cuidar das crianças excepcionais e dar um assessoramento às professoras de classes especiais nas escolas.

Posteriormente, a Sociedade Pestalozzi transformou-se em uma instituição pública, financiada pelo Governo do Estado de Minas Gerais, trabalhando em cima de várias formas de exclusão social e procurando sempre resguardar os direitos das crianças.

No ano de 1940, numa zona rural localizada no município de Ibirité, em Minas Gerais, a Sociedade Pestalozzi, sob controle da educadora, instalou a Escola da Fazenda do Rosário, com o objetivo de educar e reeducar as crianças excepcionais através dos métodos da Escola Ativa. A partir daí, Antipoff comandou uma série de pesquisas e obras nas áreas de educação especial, educação rural, educação para a criatividade e superdotação.

Nesta mesma época, o Governo do Estado de Minas Gerais, no auge do período do Estado Novo, recusou-se a renovar o contrato da pesquisadora, obrigando-a a buscar novas fontes de trabalho. Foi nesse período que ela decidiu ir para o Rio de Janeiro, onde trabalhou com o Ministério da Educação e Saúde na criação da Sociedade Pestalozzi do Brasil, que, até então, só existia em Belo Horizonte.

No ano de 1951, Antipoff conquistou a cidadania brasileira e reiniciou seus estudos a respeito do ensino rural, que, mais tarde, seriam aproveitados na Fazenda do Rosário.

Com o objetivo de integrar as crianças abandonadas por terem problemas de adaptação na comunidade, trazidas pela sociedade Pestalozzi, e propiciar à comunidade rural de Ibirité os benefícios de uma escola, a Fazenda do Rosário foi crescendo em seus ideais e acabou transformando-se numa Cidade Rural, como imaginava a educadora.

Na Fazenda do Rosário, as atividades eram realizadas partindo sempre da liberdade de escolha que cada criança tinha, das tomadas de decisão em grupo, da socialização, da liberdade de experimentação e da troca mútua de informações que ajudavam os educandos a ter um aprendizado satisfatório, possibilitando, assim, que os professores trabalhassem a cooperação entre os alunos.

Foi nessa época que a idéia de classes homogêneas (selecionadas por níveis de inteligência), proposta pela educadora na década de 30, começou a perder força, tendo em vista que, quando há uma junção de crianças em níveis intelectuais diferentes e várias habilidades dentro de um mesmo ambiente, o trabalho se enriquece e aumentam as possibilidades de integração. Dessa forma, as propostas pedagógicas da escola começaram a girar em torno da autonomia, da atitude democrática e do respeito à diferença, entremeando a vida escolar com a prática cotidiana, conforme palavras de Helena Antipoff:

Ainda mais triste que ver meninos sem escolas, é vê-los imóveis em carteiras enfileiradas, em escolas sem ar, perdendo tempo em exercícios estéreis e sem valor para a formação do homem. (coletânea, v.2, p. 403)

Enquanto os estudos iam sendo aprofundados, foram sendo criadas várias instituições educativas que se acoplavam e formavam o Complexo do Rosário, dentre elas: Escolas Reunidas D. Silvério (dedicada ao ensino primário); Clube Agrícola João Pinheiro (destinada ao ensino e aos experimentos em técnicas agrícolas); Ginásio Normal Oficial Rural Sandoval Azevedo (reservado para moças); Ginásio Normal Oficial Rural Caio Martins (reservado para rapazes); Instituto Superior de Educação Rural (ISERJ), com cursos de treinamentos para professores rurais.

A educadora desaprovava as Escolas Normais que existiam na época e propunha a formação de uma rede de escolas rurais, com propostas filantrópicas e apoio educacional às crianças. Essas escolas seriam um agrupamento de várias instituições, tanto educacionais quanto de assistência ao meio rural.

O compromisso social de Helena Antipoff revela, na verdade, o quanto ela se dedicava a dar qualidade à educação. No site oficial da Sociedade Pestalozzi (www.pestalozzi.org.br), há um texto sobre a educadora, em que o ex-governador de Minas, Milton Campos, dá um depoimento dizendo: “Ela plantou dez mil sementes no nosso sertão. Todos os professores e alunos cujas vidas ela tocou hão de continuar, agora, sua obra”.

Como não podia ser diferente, ela nos deixou um acervo de documentos inéditos que lhe pertenceram – testemunho do seu percurso – o qual se encontra sob a guarda do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff.

Em Ibirité, Minas Gerais, foi instalado um pequeno museu em sua memória, onde parte do acervo pode ser encontrada na Fundação Helena Antipoff. Na Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais, na Sala Helena Antipoff, é possível ter acesso aos manuscritos inéditos que fazem parte da Coleção Especial – uma coletânea de cinco volumes dedicados aos grandes temas pesquisados pela psicóloga no decorrer de seus estudos e experiências: a psicologia experimental, os fundamentos da educação, a educação do excepcional, a educação rural e a educação do bem-dotado.

Helena Antipoff faleceu em 1974, deixando um precioso legado para a Educação e entrando para a história como uma mulher de fibra e coragem que dedicou muitos anos de sua vida, principalmente aqui no Brasil, a pesquisar, a criar e a transformar a escola num ambiente verdadeiramente democrático e inclusivo, em que as diferenças são respeitadas e onde o aluno tem autonomia e liberdade de escolha.


Fontes:

1) ANTIPOFF, Helena. “A experimentação natural – método psicológico de A. Lazursky”. In Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff. Psicologia Experimental. Belo Horizonte: Imprensa Oficial. (Coletânea das obras escritas de Helena Antipoff, vol. 1, 1992, pp. 29-41). Publicado originalmente em 1927.

2) CAMPOS, Regina Helena de Freitas. “Helena Antipoff”. In FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque & BRITTO, Jader de Medeiros. (org.). Dicionário de Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / MEC-Inep-Comped, 2002.

3) Sociedade Pestalozzi: http://www.pestalozzi.org.br

Fotos extraídas do site:
http://www.fundacaohantipoff.mg.gov.br
http://www.scielo.br