É lamentável, mas não é difícil compreender as razões que amplificam o estresse infantil

Celso Antunes*


Para os pais, a competência dos filhos expressa a redução da culpa e da ansiedade deles mesmos. Se as coisas não vão bem nos negócios e no emprego, se não se tem domí­nio sobre os mecanismos dessa mudança e se as relações pessoais se desgastaram pela repetitividade da rotina, nada melhor que se forçar a competência da ou das crianças para expiação da culpa e da ansiedade. Para o marketing e o mundo dos negócios, a ansiedade pela competência infantil representa dinheiro, e muito dinheiro. São brinquedos novos que se criam, softwares novos inventados, livros de auto-ajuda que vendem.

Para o sistema educacional, por sua vez, a competência infantil representa mais alunos, mais e dife­rentes profissionais empregados, novas oportunidades de um filão jamais sonhado. A suntuosidade de certas escolas de Educação Infantil, com berçários que representam o último capítulo da evolução da enge­nharia e arquitetura, se rivaliza com shoppings modernos ou com novos templos que inventam novas seitas.  E, isolada e perdida no centro de todas essas mudanças, encontra-se a criança que, se pudes­se, por certo faria uma pergunta crucial: “Tudo isso é necessário?”.

A criança moderna que pertence à classe média ou à classe rica sofre pressão por uma precoce aquisição intelectual e os pais são diariamente bombardeados por máximas que defendem a alfabetização o quanto antes, o aprendizado mais cedo possível de uma língua estrangeira, o valor do envolvimento infantil em atividades esportivas diversificadas, o risco em não treinar os filhos no domínio precoce da matemática, a manipulação ansiosa do computador e tudo mais quanto se possa imaginar. Como se essas ações, por si só, não se mostrassem extremamente perversas para o desenvolvimento de uma verdadeira infância saudável, a pressão invade ainda o campo do vestuário, sugerindo que, mesmo antes da escola, a criança vista-se com blusas de marca, tênis com grife, padrões estéticos fashions. Já não são mais novidades as linhas de equipamentos eletrônicos sofis­ticados para o mundo infantil, os salões de beleza com sessões infanto-juvenis, as butiques finas especializadas na última moda, as linhas de cosméticos e os perfumes que permitem diferenciar a criança que quer a mídia da criança que se quer criança.

Seria imperdoável ingenuidade acreditar que essa tendência atual dos centros urbanos seja um modismo inconseqüente ou apenas uma forma esperta de capitalismo. Constitui crime imperdoável desrespeitar o ciclo da vida, afinal uma criança que é colocada como um adulto não conquista, pela embalagem que adorna seu corpo, o pensamento do adulto. O crescer pressupõe etapas lentas e lindas, e a ansiedade em antecipá-lo pode construir um fator de deformação que dificilmente se corrige. Ao vestir-se como um adulto, a criança busca inconscientemente imitar comportamentos, ações e linguagens adultas. Quando essa imitação desperta aplauso, ocorre uma quebra no ciclo biológico, que começa pelo estresse, e se isso não for contido, só Deus sabe onde pode terminar.

O dente-de-leite não cai porque a mãe quer que ele caia nem cai no tempo que a mídia julga oportuno cair. Cai quando o ciclo biológico determina sua queda. Porém, diferentemente de dentes-de-leite, os problemas emocionais não aparecem como produto de um ciclo, mas como ação consciente ou inconsciente de pais que aplaudem e anseiam pela precocidade de seus filhos.

O avesso da libertação pelas trilhas da ironia ou qualquer semelhança é meramente proposital

– Pois é, Helena, liguei para contar as últimas novidades. Você sabia que a Malu criou em sua buti­que uma sessão infantil? Pois é, criou e está abafando. Existem fraldas descartáveis Armani que são uma graça, meias infantis Weedbocks e até chupetas com a assinatura de Louis Vuitton. Dizem que o próximo passo será uma nova linha de cosméticos importados para bebês de até seis meses e que, no próximo verão, já se está pensando em lançar uma notável linha de celulares, palms e computadores infantis que receberão a grife “My first Bony”. Não vejo a hora de lançarem piteiras infantis e só acho horrível essa incapacidade humana de somente engravidar na adolescência...




*Celso Antunes é bacharel e licen­ciado em Geografia pela Universidade de São Paulo, Especialista
em Inteligência e Cognição, Mestre em Ciências Humanas, autor de mais de 180 livros e consultor de revistas especializadas em Ensino e Aprendizagem.
E-mail: celso@celsoantunes.com.br
Site: www.celsoantunes.com.br
Ilustração: Luiz Cláudio de Oliveira