O impacto das mudanças climáticas em sala de aula

Entenda de que forma as altas temperaturas e os fenômenos naturais podem influenciar no desenvolvimento e na aprendizagem dos alunos


Casaco de frio em pleno dezembro ou calor em julho no Rio de Janeiro. Essas foram algumas das principais mudanças climáticas notadas nos últimos meses.  O professor de Geografia com ênfase em Meio Ambiente Thiago Ribeiro explica que o clima de cada lugar tem suas características e isso é observado ao longo de vários anos. Com a ação humana esse padrão climático está sendo modificado de uma maneira mais rápida gerando problemas de curto, médio e longo prazos para a sociedade. Entenda como as mudanças climáticas podem influenciar no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, e de que forma pais e escolas podem ajudar a reduzir esses impactos.  

As mudanças climáticas podem prejudicar o ensino em sala de aula?

Como sabemos, as mudanças climáticas são resultado de ações humanas que estão impulsionando modificações em padrões de temperatura e precipitação, como chuva, granizo, neblina, neve, orvalho ou geada. De acordo com Thiago, essas alterações interferem no cotidiano dos alunos e professores nos períodos mais quentes do ano. No caso do Brasil, estamos, geralmente, de férias, mas, quando precisamos estar em sala de aula com 35 alunos ou mais em temperaturas muito elevadas, isso pode causar a dispersão, o incômodo, a agitação e dificultar o aprendizado. “Fatores externos e alunos que muitas vezes moram em área de vulnerabilidade social contribuem para que não se consiga desenvolver plenamente as suas capacidades cognitivas, tornando-se mais um obstáculo no caminho”, pontua. 

O educador ressalta também as preocupações como perdas materiais e até mesmo de vidas ocasionadas por chuvas repentinas, em período não esperado gerando grandes catástrofes, como observamos, por exemplo, em Petrópolis, há pouco tempo. “A maneira como esses fenômenos têm ocorrido, aliada à falta de preparo para lidar com eles e o encurtamento de tempo entre um e outro, já que ocorrem de forma cada vez mais próxima, interferem em toda a comunidade escolar’, afirma Thiago.  

Ele lembra ainda que, quando um estudante ou professor sai para a escola e começa uma chuva em um período não esperado, isso já interfere no psicológico. O aluno está na escola pensando se vai conseguir voltar para casa ou até se vai ter uma casa quando retornar. O professor, a mesma coisa. Então, essas mudanças causam impacto em toda a comunidade escolar e, consequentemente, na qualidade da educação.        

Os impactos do calor extremo no desenvolvimento das crianças

Como mencionado anteriormente, o calor extremo em sala eleva os níveis de agitação e dispersão do aluno. Dependendo da idade é natural a inquietude e, com o calor, esse fator é multiplicado, necessitando que se ausentem mais vezes para beber água ou mesmo para respirar em lugares mais arejados. Não se tem concentração, pois o principal foco passa a ser a temperatura. “Sempre gosto de enfatizar que os professores também sofrem nesse processo. Acredito que os alunos, por permanecerem mais tempo dentro do mesmo espaço, são muitas vezes penalizados com mais intensidade, já que trabalhar ou estudar em lugares extremamente quentes não faz bem a ninguém”, pontua o docente.  

Abrigos e refúgios: qual o papel das escolas nesse sentido?

Em situações de emergência, como inundações e deslizamentos, as escolas naturalmente são locais de acolhimento. Esses espaços passam a ser, primeiramente, um lugar de refúgio. Porém, com a frequência com que esses fenômenos têm ocorrido, perde-se o espaço de aprendizagem que é uma das raízes de instituições de ensino. O que era para ser pontual, uma emergência, torna-se frequente. Se em uma determinada localidade, todo os anos, alunos sofrem com esses problemas, além de todos os outros prejuízos, a escolarização também vai ser comprometida.     

Segundo o professor de Geografia, a prevenção e melhora dessas situações passa por uma educação e conscientização ambiental desenvolvida em toda a comunidade escolar, através de ações ambientalmente responsáveis, aulas práticas e conceituais. “A escola pode ser um polo de disseminação, mas não pode ser o único. Uma mudança concreta só será atingida com a transformação na sociedade como um todo.  Através de iniciativas onde os problemas reais são postos pelos alunos, que podem pensar uma maneira de resolver e conscientizar outras pessoas. Quando nos sentimos parte da solução é natural nos empenharmos. Isso faz com que o ensino seja significativo para todos e crie raízes que podem ajudar na resolução do problema futuramente”, afirma Thiago.   

O que pode ser feito para amenizar ou mudar esse quadro?

Pesquisas indicam que perdas de aprendizado podem custar aos estudantes uma diminuição de 12% nos ganhos ao longo da vida. O educador pontua que ações de políticas públicas que tenham como preocupação a educação e a conscientização ambiental da sociedade na totalidade são extremamente importantes. “Não é só proibir o uso disso ou daquilo, é explicar de maneira massiva, é discutir com a sociedade essas modificações. Reduzimos o uso de sacolas plásticas nos mercados, mas produzimos cada vez mais lixo eletrônico. A sociedade de consumo em que vivemos é um problema e gera consequências como as que temos vivenciado. Melhorar a vida passa por ações ambientalmente mais responsáveis”, reforça o professor de Geografia.   

A Educação pode salvar o planeta

De acordo com Fernanda Cubiaco, jornalista e especialista em Sustentabilidade, o conhecimento através da educação é o primeiro passo de mudança nessa longa caminhada rumo à proteção do planeta e de seus ecossistemas, a partir do envolvimento de todas as instituições nessa força-tarefa. “Governo, família, escola e empresas devem assumir responsabilidades no desenvolvimento do ser humano, de suas potencialidades, habilidades e competências, pois já é preciso construir um futuro diferente para o meio ambiente, com base em pelo menos três pilares: engajamento (social, político e econômico), mudança de hábitos e desenvolvimento científico e tecnológico. Pois não há como transformar a realidade em escala ampla sem pessoas comprometidas e recursos”, alerta Fernanda.  

Quando olhamos para os diagnósticos da saúde do planeta, as notícias não são as melhores. Pois, segundo especialistas, a terra esquentou 1,09°C desde a Revolução Industrial, no século XIX, e, desse total, 1,07°C é provavelmente de responsabilidade humana. Para Cubiaco nossas atitudes e hábitos de consumo se tornaram uma verdadeira força impulsionadora da degradação, contribuindo para mudanças tanto nos processos naturais quanto na química da atmosfera. “O planeta sofre com a acidificação dos mares, com mudanças no clima e com a poluição dos solos, águas e ar levando à extinção inúmeras espécies e, num futuro talvez não tão distante, a nossa”, sentencia. 

O que podemos fazer?

Se o que transforma o mundo são as pessoas e o que transforma as pessoas é a educação, fica compreensível entender que ela, aliada à informação, são os alicerces básicos para a geração de medidas e ações positivas, que ajudem a socorrer o planeta e garantir a revitalização do meio ambiente e seus ecossistemas. Mais que estar presente nas salas de aula desde as séries iniciais, a educação ambiental, de acordo com Fernanda Cubiaco, precisa estar sendo aplicada e disseminada em todos os setores em que o ser humano participa, seja na indústria, na construção, na agricultura, no ramo alimentício, de energia elétrica e água, nos químicos, máquinas e equipamentos, enfim tudo que contribua direta ou indiretamente na promoção dos impactos em larga escala. “Por exemplo, educar funcionários do setor da agropecuária de forma que possam sugerir melhorias em seus processos. É preciso que tenham ciência de que a produção de um quilograma de carne bovina, por exemplo, requer 15.415 litros de água e de que o desmatamento para abrir pasto é uma das atividades de maior impacto nas mudanças climáticas”, destaca.  

E em meio a esse cenário de dúvidas e incertezas, a educação aparece como garantia de um novo caminhar. Isso porque, de acordo com a Unesco, “ela encoraja a modificar atitudes e condutas e ajuda na adaptação às tendências vinculadas às mudanças climáticas”. Dessa maneira, o sucesso deste tipo de iniciativa passa pela alfabetização ambiental da população, exigindo que alunos, professores e toda a comunidade escolar atuem como multiplicadores dessa conscientização desde as séries iniciais.  

Movimento Maker na natureza

Não basta apenas ver ou acompanhar números, estatísticas ou os efeitos das mudanças climáticas em outras partes do planeta. Precisamos começar a realizar aqui e agora. É o que está fazendo Fernanda Cubiaco através do projeto Pedra do Arpoador Conservação, originado por uma iniciativa de adoção oficial do espaço. “Nosso objetivo é fazer da Pedra do Arpoador uma protagonista na defesa da natureza e do oceano. Queremos ir para as salas de aula, capacitar os nossos tesouros, que são as crianças e os adolescentes, para cocriarem ao nosso lado”, revela. 

Ao falar sobre a relevância de se ter escolas que disseminem conceitos ambientais, como por exemplo cultura do lixo zero nesse momento em que vivemos, Cubiaco é categórica em afirmar que é fundamental ter uma consciência a curto, médio e longo prazos acerca dessa realidade. Em um estudo recente, a International Solid Waste Association (Iswa), uma organização sem fins lucrativos que reúne profissionais do setor de resíduos sólidos, previu que a geração mundial de lixo chegará a 3,4 bilhões de toneladas, anualmente, até 2050. Aqueles que hoje estão com 1 ano de idade terão mais de 25 em 2050. Precisamos então agora ensinar sobre a compra consciente, sobre não desperdício, sobre valor do dinheiro, sobre responsabilidade na proteção ao meio ambiente. E na prática da sustentabilidade urbana, conectar os alunos com o planeta, conscientizando-os de que todos os recursos que utilizamos são ofertados pela nossa Terra”, ressalta.   

Para tanto, seja nos anos iniciais, fundamentais, médios ou superiores, os conteúdos relacionados à educação ambiental vêm sendo trabalhados, sobretudo na compreensão e conhecimento dos conceitos relacionados com o meio ambiente, sustentabilidade, preservação e conservação, a fim de formar cidadãos conscientes e críticos em todos os continentes. “Em paralelo, governos e empresários precisam agir hoje para assegurar o futuro da nova geração, de forma que ela desfrute de uma qualidade de vida semelhante à que se tem hoje”, destaca.  

O homem busca a cura para as suas ações

Várias ações têm acontecido mundo a fora para chamar a atenção das sociedades para o momento de elevação dos níveis crescentes de aquecimento por que o planeta vem passando. No ano de 2022, por exemplo, foram realizados importantes encontros internacionais, como a COP 27 (27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas) e a COP 15 (Conferência de Biodiversidade da ONU), respectivamente em novembro e dezembro, onde importantes acordos foram selados, entre eles a criação de um fundo de perdas e danos, explica Fernanda. “Será uma ferramenta para que os doadores, leia-se os países ricos, contribuam em um fundo global para ajudar em caso de desastres naturais relacionados às mudanças climáticas. No COP 15, foi selado o Acordo Kunming-Montreal, que visa reverter as perdas da natureza até 2030. Adotado por 196 países, sua meta é conservar pelo menos 30% de terras, águas doces e oceanos em nível mundial, respeitando os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais”. 

Como se sabe, toda ação gera uma reação, e na natureza não é diferente. Ou seja, se mantivermos a mesma pegada de produção de lixo que o mundo tem hoje, de acordo com a ONU as consequências dessa produtividade alcançarão patamares com grau cada vez menor de reversão. Isso porque a população mundial deve chegar em 8,5 bilhões em 2030 e a 9,7 bilhões em 2050.  

O relatório World Population Prospects 2022 aponta que a Índia deverá superar a China como o país mais populoso do mundo em 2023. E ainda de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a organização inglesa Wrap (The Waste and Resources Action Programme), do total de alimentos disponíveis para os consumidores em 2019, 931 milhões de toneladas, ou 17%, foram para a cesta do lixo de domicílios, varejistas, restaurantes e de outros serviços alimentares. 

E o mais triste é saber que no meio desse volume estão toneladas de alimentos desperdiçados, enquanto milhares de pessoas adoecem por falta de comida. Sem falar na quantidade de plásticos que escoam pelos rios e chegam aos oceanos matando e sufocando a fauna e a flora marinha”, pontua Fernanda acrescentando que uma revisão de 2.592 estudos apoiada pelo WWF (Fundo Mundial para a Vida selvagem, em português) mostrou que o crescimento projetado desse tipo de poluição pode exceder os limites ecologicamente perigosos de concentração de microplásticos, uma vez que a sua quantidade pode aumentar 50 vezes em ambientes marinhos. “Isso se baseia em projeções de que a produção de plástico deve mais que dobrar até 2040, resultando no aumento de detritos no oceano e que se quadruplica até 2050”, segundo matéria da WWF.  

E diante de tantos desafios, compete à sociedade civil arregaçar as mangas e mover-se na direção de ações e atitudes que colaboram com práticas que venham amenizar e/ou mudar esse cenário, opina Cubiaco, reafirmando que “por aqui seguimos com otimismo, ações educativas, fé e apostando e investindo na educação dentro e fora das salas de aulas, o que possibilitará que o amanhã seja melhor para todos. Bora com tudo, #botapragirar!”. 


Por Antônia Figueiredo e Jéssica Almeida

Fontes: www.wwf.org.br | www.fao.org/brasil | www.embrapa.br | www.brasilescola.uol.com.br
Fernanda Cubiaco é jornalista e especialista em Sustentabilidade. Está à frente do movimento Bota pra Girar, da consultoria @Atitude_Esg, do Projeto para conservação da Natureza e Oceano do entorno da Pedra do Arpoador, sendo adotante oficial pelo programa Adote Rio, da Prefeitura do Rio de Janeiro. É também uma das fundadoras da Associação Brasileira de Combate ao Lixo no Mar e representante no Rio de Janeiro da startup Green Mining. Contatos: @botapragirar |   @pedradoarpoador_conservacao |  @atitude_esg | @greenmining | @ablm.com.br. 
Thiago Ribeiro é formado em Geografia com ênfase em Meio Ambiente, possui pós-graduação em Educação e Tecnologia e atua como professor na rede estadual do Rio de Janeiro há quase 10 anos. Além disso, trabalha no município e na rede privada. A maior parte de sua vivência na docência se deu em escolas públicas da Baixada Fluminense.   

Fotos: Banco de imagens gratuitas do Freepik. 


Deixar comentário

Podemos ajudar?