É possível ter ensino a distância sem internet?

Saiba como professores e alunos estão driblando esse desafio


Após um ano letivo excepcional no Brasil, onde professores precisaram de uma hora para outra se adaptar ao ensino a distância, a conta chegou e foi possível observar que, entre trancos e barrancos, a aprendizagem aconteceu, tanto para os alunos como para a administração escolar. De um lado, muitos acabaram ficando sem acesso às aulas, por questões individuais físicas, e, por outro, professores lidaram com a falta de interação dos estudantes, praticamente ministrando apenas aulas expositivas, bem diferente daquilo que exige a BNCC.

O ensino a distância foi uma das apostas para superar os desafios causados pela pandemia. Apesar de a Seeduc RJ anunciar projetos que viabilizariam esse modelo de ensino, disponibilizando plataforma e internet para os estudantes, na prática há uma parcela de alunos que não puderam ser beneficiados, pelo simples fato de não possuírem um celular ou um computador em casa.

Pais e alunos têm hora marcada para receber material, evitando aglomeração. Antes de ser entregue, tudo é higienizado respeitando as orientações da OMS

Quando se fala em EAD, Juliana Souza, pesquisadora e professora da pós-graduação em Metodologias Ativas da Faculdade Anhanguera, explica que o conceito é estudar fora do ambiente acadêmico físico e, para isso, é disponibilizado conteúdo on-line. Mas quando estamos falando da realidade das escolas públicas brasileiras, por mais que haja incentivos ao acesso à internet, existe a escassez dos recursos tecnológicos do estudante. E a partir daí se inicia uma grande discussão: é possível ter ensino a distância sem conexão à internet? De acordo com Juliana, tudo é possível! Em uma conversa exclusiva com a Revista Appai Educar, ela nos revelou cases de excelência nos quais professores conseguiram driblar esse desafio e permaneceram com o ensino de qualidade.

“No Rio de Janeiro, por exemplo, o aluno que não tem condições de acompanhar as aulas pela plataforma disponibilizada pela Seeduc recebe o material impresso com as orientações. Em Morungava, no Rio Grande do Sul, uma professora me relatou que a partir de uma doação conseguiu um lote de pendrives. E os alunos têm feito rodízio desse material, sob a orientação dos professores e com o auxílio da administração da escola para realizar a higienização dos dispositivos”, relata Juliana.

Um outro exemplo prático aconteceu na Escola Família Agrícola Montes Claros, localizada em Aroazes no Piauí, que vem adotando uma série de alternativas para os alunos que não têm como ficar on-line, como, por exemplo, a chamada tele- fônica. Os professores ligam para esses estudantes, indicando o material, questões e orientando o estudo do livro. De acordo com a Seduc do Piauí outras unidades de ensino têm adotado a entrega de apostilas semanais, com atividades preparadas pelo professor, aos alunos, pais ou responsáveis, em datas e horários agendados, com um prazo para devolução na escola e com a complementação de disparos de mensagens em SMS.

Logo no início da pandemia, o município de Pariquera-Açu, em São Paulo, não aderiu ao ensino remoto, mas, preocupada com seus alunos de 1o ano, a professora Ingrid Antunes, em parceria com uma colega da mesma instituição, decidiu organizar atividades impressas para atender os pequenos que começavam o processo de alfabetização. Com a aprovação da gestão da escola, as educadoras prepararam os materiais, imprimiram em casa, até que então surgiu um novo obstáculo: como entregar? Foi quando lembraram que o pai de um dos alunos era gerente do mercado do bairro da escola, um dos únicos da cidade. Elas organizaram os materiais em envelopes, que ficavam guardados no estabelecimento. Quando as famílias dos alunos iam ao mercado, recebiam as atividades escolares. A estratégia foi muito bem-sucedida. Em maio, o departamento de Educação da cidade aderiu definitivamente ao material impresso.

Já no Ceará, a iniciativa veio da estudante Maria Eduarda Ribeiro de Freitas, de 15 anos, que mora no sítio São José, em Carnaubal (327 km de Fortaleza). Ela estuda no 1o ano do Ensino Médio e sonha ser policial ou pediatra. Ela fez as provas do Enem, mas viu a suspensão das aulas presenciais como um desafio a mais para alcançar seu objetivo.

A aluna, que estuda na Escola de Tempo Integral Antônio Raimundo de Mel- lo, conta que arrumou um modo para que os estudantes sem acesso regular à inter- net ou sem aparelhos com acessibilidade recebessem o material e seguissem estudando. O projeto foi batizado de Delivery Literário.

“Alguns alunos não dispõem de internet, e quando eles têm é muito ruim e os vídeos não carregam”, conta Maria Eduarda. Graças à ajuda das pessoas de sua comunidade, ela está desde abril recebendo o material didático em casa. “Consigo assim ter todas as atividades que os professores passam, e pelo delivery os trabalhos estão sendo enviados semanalmente. Assim nós nos sentimos muito valorizados e motiva- dos”, destaca a estudante.

A foto desta reportagem foi registrada remotamente pela fotógrafa Tainá Frota, através de video-chamada com os professores Ingrid Antunes e Anderson dos Santos Andrade

 

O mercadinho do bairro foi um dos principais aliados nesse projeto, já que pais costumam passar pelo local para comprar comida. Com a ida, aproveitam para pegar o material que está sempre disponível em envelopes

Segundo uma das coordenadoras da instituição, Mahra Farias, a direção da escola percebeu que precisava atuar para não criar uma desigualdade entre alunos com e sem acesso à internet. “Logo que saiu o decreto do isolamento social, e as aulas da educação remota começaram, nós pensamos: como vamos atingir os nossos alunos que não têm como usar tecnologia, ou aqueles cuja internet tem baixa qualidade. Aí veio a ideia do delivery”, explica Mahra.

A coordenadora conta ainda que várias pessoas, entre elas mototaxistas, colaboraram para que as atividades chegassem aos alunos. “Nós temos os professores, diretores de turma que entregam na residência, tomando sempre todo o cuidado, seguindo o protocolo de máscara, álcool em gel, distanciamento. Nós também temos alguns pais que moram em determinadas localidades que vêm aqui no centro da cidade resolver alguma coisa, e a gente

entra em contato para levar essas atividades para essa comunidade. Aí ele distribui, recolhe e devolve pra escola”, conta em detalhes.

Corrente solidária fazendo a diferença

O compromisso da Imaculada Rede de Educação com os alunos e as famílias, oferecendo informação e for- mação de qualidade, continua mesmo durante a quarentena. As unidades da instituição têm oportunizado o acesso aos conteúdos referentes às disciplinas, enquanto os estudantes, com o auxílio dos pais, se organizam em casa para continuar produzindo o seu conhecimento.

Foto: Imaculada rede de educação

Tendo como essencial a aprendizagem, as aulas remotas têm alcançado até mesmo aqueles que moram na área rural e não dispõem de internet, como é o

caso da aluna Isabel Cravicz, que cursa o 5o ano do Ensino Fundamental I na Escola Nossa Senhora das Graças, de Ronca- dor, no interior do Paraná. Ela tem conseguido manter a rotina de estudos graças à ajuda de um casal de vizinhos, que concordou em ceder a senha do wi-fi para que pudesse assistir as videoaulas e realizar as atividades propostas pela professora.


Por Richard Günter
Fontes: Seeduc RJ | Seduc PI | Seduc SP | Faculdade Anhan- guera | Rede Imaculada de Edu- cação | Nova Escola


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