Reflexões sobre a docência no Ensino Superior

Elizabete da Silva Machado


Este artigo é parte de um projeto maior, cuja meta principal foi refletir sobre a docência na educação superior, destacando tanto os retrocessos e impasses, bem como as possibilidades de avanço e crescimento do professor. Assim, buscamos fazer uma breve caracterização da docência universitária, descrever as iniciativas implementadas em função da capacitação do professor universitário e verificar junto a um grupo de profissionais de ensino superior que projeções eles fazem de si e da própria prática na docência superior. Este último ponto é aqui abordado.

Como estratégia metodológica, fizemos entrevistas a partir de um conjunto de 6 perguntas, levadas a um grupo formado por 30 professores. Apenas 11 deles nos devolveram o questionário respondido. Para a análise das 66 respostas recebidas, estabelecemos um parâmetro de respostas, destacadas do referencial teórico utilizado. A partir daí tabulamos as respostas, para verificar até que ponto elas refletiam, em algum alcance, nossos parâmetros teóricos.

Em nosso percurso, tomamos como diretriz central verificar em que medida o docente do ensino superior se veria como um “intelectual orgânico”, aquele que está sempre em interação com outros profissionais e com os alunos e, acima de tudo, não se vendo como mero gestor de conhecimentos, sem se deixar gerir, uma vez que a capacidade intelectual e criadora é inerente a todo e qualquer ser humano (LUCKESI, C. et al, Fazer universidade: uma proposta metodológica,1991). Tais colocações, longe de serem meras acepções teóricas, agregam implicações de ordem profissional, política e ideológica. Agregam projeções do sujeito-professor, dos seus “que-fazeres”, de sua prática e daqueles com quem este sujeito se relaciona.

 

Que projeções ficaram refletidas em nosso trabalho?

Pela amostragem, como um todo, uma pequena parcela dos entrevistados – em torno de 1% – estaria próximo de um docente ideal. No percentual restante, a imagem de um intelectual orgânico desliza nitidamente para a imagem

do gestor – aquele profissional preocupado, sobretudo, em transmitir, dentro de uma determinada estrutura curricular, os conteúdos programáticos. Esse “professor-gestor” não se atém em colocar em causa a eficácia desse tipo de prática pedagógica. Tal posição ficou bastante refletida quando os entrevistados apontam que ser professor do ensino básico é diferente de atuar no ensino superior, porque o aluno universitário tem autonomia para aprender sozinho.

Uma outra implicação decorrente dessas visões é a cisão que se estabelece entre o teoricismo acadêmico e o enfrentamento de um cotidiano escolar. Oitenta por cento dos entrevistados respondem que a universidade não oferece capacitação suficiente para a atuação como professor. São docentes que ratificam que o “processo de capacitação” é importante, mas não sabem explicitar onde reside, exatamente, essa “importância”.

Estamos diante também da universidade que não queremos, no sentido de que os professores não se sentem bem preparados.  A resposta às questões sobre a oferta da universidade ser suficiente para a prática na sala de aula e a importância da busca por novos meios de capacitação alcançou percentuais bastante significativos: noventa por cento responderam que no curso superior não tiveram formação suficiente para enfrentar a sala de aula e noventa por cento afirmaram a necessidade de capacitação continuada. São percentuais que reafirmam, por um lado, a universidade deficitária que nos é oferecida e, por outro, por ser esta universidade com deficiências, a necessidade de um aprimoramento constante.

Outro impasse. Todos confirmam a formação continuada como necessária, entretanto, ao mesmo tempo, colocam em pauta o fato de as condições de trabalho, quase nunca, favorecerem a busca por uma constante especialização. Faltam recursos para participarem de congressos e seminários; falta entrosamento em grupo de trabalho para enveredarem em pesquisas. Tudo que a universidade não vem oferecendo.

Enfim, em termos gerais, constatamos haver neste nosso percurso uma grande distância entre os parâmetros calcados em renomados teóricos da educação e as projeções espelhadas nas repostas daqueles que atuam na docência superior. Não trabalhamos com um grupo numeroso – foram apenas 11 os entrevistados. Mas o que dizer do fato de termos abordado mais de 30 profissionais e apenas menos da metade se dispuseram a nos responder?  O não-dizer está presente, porém, nas duas posturas, tanto nas respostas silentes daqueles que não devolveram as perguntas, quanto nas respostas evasivas, lacônicas.

Onde se esconde a face do intelectual orgânico?


*Elizabete da Silva Machado é professora aposentada da rede privada e do município do Rio de Janeiro, pós-graduada em Ciências Ambien-tais e mestre em Ciência da Educação.


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