Indisciplina na sala de aula: e agora, professor?

A violação de regras e a falta de limites têm ganho força e se tornado um grande quebra-cabeça para pais e professores, sobretudo nas relações sociais da escola


Lançamento da nova editoria apresenta 1ª temporada de websérie que encoraja o professor a transformar os alunos indisciplinados em engajados
Nota oficial: A Revista Appai Educar tem o orgulho de apresentar uma nova extensão de conteúdo. Com o lançamento da editoria E agora, professor?, que vai abordar assuntos relacionados a metodologias ativas em sala de aula, apresentamos uma continuidade além do papel. Uma nova websérie está nascendo para compartilhar com os professores as melhores ações com um único propósito: elevar a qualidade do ensino. Estarão com a gente diversos profissionais especialistas que vivenciam diariamente a sala de aula. E que produzem conteúdo inovador com resultado ativo.
Nesta primeira temporada vamos falar sobre a Indisciplina na Sala de Aula, assunto bastante pertinente que vem se destacando a cada ano, onde costuma acontecer principalmente um “jogo de empurra” entre a família e a escola. Afinal, de quem é a responsabilidade? Quando você tiver aquela dúvida e se perguntar “E agora, professor?”, lembre-se que a Revista Appai Educar pode ajudar você!

– Equipe Revista Appai Educar

Mesmo nos países mais desenvolvidos, a falta de limites e obstruções das regras têm sido uma das principais inquietações comportamentais entre crianças, jovens e adultos. Essas quebras de normatizações vão desde o código de vestimenta, horário escolar, ética no trabalho, até comportamento social, conduta, respeito e assim por diante.

No âmbito escolar, o comportamento dos estudantes nem sempre acontece como os professores e pais esperam. Isso é notável porque a indisciplina nas escolas vem aumentando a cada dia. O mau comportamento, dentro da sala ou nos espaços sociais, toma 20% dos tempos das aulas, de acordo com uma pesquisa internacional. Ou seja, é gasto praticamente um dia da semana apenas para tratar a indisciplina dos estudantes.

Mas por que esses estudantes estão cada vez mais indisciplinados? A verdade é que não é a desordem dos alunos o maior problema, uma vez que ela é apenas a consequência da rotina desatualizada e da falta de adaptação aos processos de aprendizagem.

Conhecendo essa falha no processo, é preciso refletir sobre prováveis motivos da indisciplina na escola e estabelecer procedimentos para abraçar da melhor forma os estudantes nos afazeres escolares, para que esses problemas se reduzam.

Quando o docente não tem a preocupação em fazer um bom trabalho, acaba se tornando um professor indisciplinado, que consequentemente influenciará de maneira gradativa os estudantes, pois na sala de aula o discente é o reflexo do professor. Se o aluno não o vê como um profissional preparado, organizado, disciplinado, que executa as ordens da unidade escolar, a tendência é que ele atue da mesma forma, só que dentro do papel dele como aluno.

Afinal, o professor sempre almeja que toda turma seja exemplar ou sonha ter o aluno ideal, aquele que cumpre as tarefas, é dedicado, organizado, participativo, enfim, um estudante nota 10. Mas será que ele, como docente, está sendo o “professor nota 10”?

Por outro lado, determinar comportamento não é função do professor. Por isso o melhor remédio contra a indisciplina sem dúvida é a parceria entre os pais e a escola. E para promover um processo de ensino-aprendizagem expressivo, é fundamental que a sintonia tríplice, composta por alunos, pais e escola, esteja sólida, pois se alguma das partes fraquejar é bem possível que a resolução educacional não seja positiva. E claro, poderá refletir diretamente no mau comportamento do corpo discente.

Inserir os pais no cenário pedagógico é uma das missões mais significativas e desafiadoras para os gestores escolares e professores. Afinal, são eles que estão presentes no dia a dia das crianças na maior parte do tempo. Além do mais, ninguém mais que eles quer o melhor para os filhos. Inclusive, se o aluno observar que reconhecem o que ele vive na sala de aula, espontaneamente ele se conduz a se esforçar mais.

A importância da relação entre os pais e a escola se ratifica quando o assunto se destaca na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (LDB). Segundo as duas publicações, os pais possuem o direito de saber como anda o processo pedagógico e também podem participar da elucidação das propostas. Os documentos alegam ainda que as escolas têm a obrigação de articular com as famílias dos educandos.

Diante desse cenário, os pais dos estudantes se convertem em grandes aliados no processo educacional, apesar de nem todos os professores compreenderem dessa forma. Certamente, com uma parceria efetiva entre os responsáveis e o instituto educacional, o estudante propende a ser disciplinado.

 

Uso do tempo na sala de aula brasileira

Para começar a falar sobre o assunto, é importante mostrar uma pesquisa realizada pela OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento, que indica que no Brasil o docente perde 20% do tempo de aula tranquilizando os alunos e colocando a turma em ordem para poder lecionar. Além disso, o estudo aponta que 60% dos professores ouvidos têm mais de 10% de alunos-problema em sua sala de aula, o maior índice entre os países participantes do estudo.

A pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Teaching and Learning Internacional Survey, Talis, na sigla em inglês) ouviu professores de 33 países. O estudo mostrou que no Brasil o professor utiliza 20% (a média da OCDE é de 13%) desse tempo para acabar com a bagunça, 13% da aula resolvendo problemas burocráticos e 67% ensinando efetivamente o conteúdo. É o país no qual o professor consegue com menos intensidade aproveitar seu momento de trabalho.

A pesquisadora Gabriela Moriconi, da Fundação Carlos Chagas, participou do levantamento. Ela também fez pesquisas em Ontário, no Canadá, e na Inglaterra, e percebeu que a formação dos professores é melhor nestes países. Ainda de acordo com o estudo, no Brasil, mais de 90% dos docentes dos anos finais do Ensino Fundamental concluíram o nível superior, mas cerca de 25% não fizeram curso de formação. Em comparação, no Chile aproximadamente 9 entre 10 dos profissionais adquiriram essa qualificação, assim como quase todos os professores na Austrália e em Alberta (Canadá). “No Brasil, por problemas de salários e outras atividades, se utiliza um professor que não foi preparado para dar aquela disciplina. Além disso, a média aqui é de 31 alunos por classe, enquanto nos outros países é de apenas 24”, destaca Gabriela. Segundo ela, é preciso criar um sistema de planejamento de políticas de apoio às escolas e aos professores para lidar com alunos que estão se desenvolvendo. “Todo mundo entende que na pré-adolescência os estudantes testam seus limites e estão aprendendo a ser autônomos”, afirma a pesquisadora, que acrescenta que é preciso enxergar que em outros países os jovens têm muito apoio inexistente no Brasil.

Em seu relatório, a pesquisadora conclui que “a construção de uma cultura escolar positiva pode ser uma forma de reduzir problemas de comportamento e absenteísmo, portanto melhorando as condições de aprendizagem dos alunos. Uma maneira de criar um ambiente mais positivo é envolver estudantes, pais e professores nas decisões da escola. Docentes que trabalham em instituições com um maior nível de participação entre as partes interessadas apresentam menos relatos de alunos com problemas de comportamento em suas salas de aula”, finaliza Gabriela.

Outro apontamento, mas este realizado pela Fundação Victor Civita e pelo Ibope com 500 professores, mostra que um dos fatores da indisciplina está ligado à falta de adequação do processo de ensino.

Numa comparação de características dos ensinos público e privado, na ótica dos docentes da rede pública das grandes capitais, os resultados demonstraram significativas diferenças de percepção sobre os dois sistemas. A liberdade de exercer a profissão e a visão do aluno como sendo cidadão são dois dos atributos considerados positivos da escola pública. Por outro lado, as instalações mais adequadas, a valorização e consequente maior remuneração do professor, assim como o planejamento pedagógico, estão entre os aspectos que podem contribuir para que as instituições privadas ofereçam uma melhor qualidade de ensino.

De acordo com o artigo “Estudos e Pesquisas Educacionais”, da Civita, pode-se imaginar que um ambiente pouco propício para o desenvolvimento de uma cultura que promova conhecimento e o estímulo a aprendizagens significativas colabore apenas para que aumente a propensão ao desrespeito, à indisciplina.

Um dos exemplos citados de utilização do uso de tempo com eficácia está na reunião bimestral dos pais na escola, que poderia ser uma oportunidade mais efetiva de contato e de envolvimento das famílias com os educadores. No entanto, a pesquisa aponta que esses encontros acabam se traduzindo em repetidas reclamações acerca da indisciplina dos alunos, em detrimento de discussões centradas na melhoria do ensino, que só aparece em segundo lugar entre os assuntos debatidos com mais frequência.

 

Mas afinal, há solução para alunos indisciplinados e desinteressados?

De acordo com a psicopedagoga Maria Odete Oliveira, de Porto Alegre/RS, a indisciplina, na maioria das vezes, está relacionada ao desinteresse pelo âmbito escolar e pelos estudos. Por isso, como mencionado acima, o papel da família é indispensável. Nesses casos, os professores têm que estar vigilantes para não deixar essa situação evoluir, pois um estudante indisciplinado pode se tornar uma sementinha que germinará e influenciará os demais.

Mas, se desse ponto de vista a informação é ruim, é importante abrir os olhos e aceitar a hipótese como algo desafiador. Para Maria Odete, a parte boa dessa análise é que é possível que um estudante indisciplinado altere o seu comportamento e se torne uma boa influência na escola. “Uma estratégia que pode ser proveitosa é ir atrás do conteúdo que o estudante de mau comportamento goste. Pode ser relacionado a música, jogos, esporte, ou algo semelhante. Dessa maneira, procure associar estes gostos com alguma atividade a ser realizada em sala de aula”, exemplifica a psicopedagoga ratificando que com essa simples remodelagem de trabalho é possível estimular a mudança de hábitos que podem modificar o comportamento do estudante, despertando nele o interesse.

 

Entendendo o estudante indisciplinado

De acordo com um artigo publicado no site da Escola em Movimento, é preciso distinguir a indisciplina em dois pilares: as de natureza moral e as convencionais. A primeira é referente aos princípios éticos, que visam o bem comum, e por isso valem para todas as instituições e qualquer situação, como não bater, xingar ou mentir. Já as convencionais variam de escola para escola. Têm a ver com o uso de celular, uniforme ou boné. Por isso é importante diferenciar para saber como enfrentar essa questão.

Não importa o ambiente, é necessário sempre fazer com que as regras sejam preservadas. Isso permite uma melhor convivência dos que estão inseridos nesse espaço. Quando existem atos indisciplinados, os motivos podem ser variados. Antes de julgar, então, é necessário conhecer o contexto em que o estudante vive.

O aluno se comporta da mesma forma em todas as aulas? Como é o ambiente familiar? Como ele lida com suas próprias emoções? Tudo isso pode influenciar diretamente no seu comportamento, segundo a Escola em Movimento.

 

O que fazer quando o aluno perde o respeito pelo professor?

Respeitar o próximo é a base para a boa convivência entre a humanidade. E o aprendizado é o berço que aprimora esse conhecimento. Atualmente, a causa da indisciplina vivenciada entre os alunos está bastante ligada à perda de respeito pelos professores e, sobretudo, pela figura humana.

Não são poucos os casos divulgados de professores desrespeitados por alunos, não somente por meio verbal, mas chegando à agressão física. Num passado não muito distante, o status social do professor fazia parte daqueles de mais alto nível. Hoje a sua filiação aos de baixa condição econômica, bem como a situação estável de alguns estudantes, têm sido uma mola propulsora para o aumento dessa indisciplina.

Se, por um lado, os menos afortunados usam o poder do ambiente, quase sempre hostil, em que vivem para impor suas verdades e vontades, por outro, os mais abastados economicamente o fazem da mesma maneira, apenas mudando as ferramentas.

De acordo com Carla Cunningham, da Universidade de Saint Mary, em Minnesota, em muitos casos, quando se analisa as maneiras pelas quais a escola disciplina seus alunos, acaba-se descobrindo que esses códigos educacionais permitem desafios como, por exemplo, os pais quererem que seus filhos sejam aprovados independentemente do seu comportamento e os relatos de condutas inadequadas.

 

Como a indisciplina pode afetar o rendimento escolar?

Um aluno indisciplinado geralmente rouba toda a atenção na sala de aula, tirando o foco dos outros estudantes. Com isso, além de ele próprio ter um aprendizado menor, muitos colegas podem passar a ter dificuldade em acompanhar as aulas, o que ainda pode gerar mais indisciplina.

A Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade e Psicopedagoga Cristiane Guedes ressalta que a escola é um espaço acadêmico que dá ao aluno a possibilidade de registrar e interagir com suas reservas de aprendizagem, cabendo a esse momento a responsabilidade por um ensino de qualidade. “Ou seja, fazer a mediação da aprendizagem entre os alunos e o objeto de estudo. Acolhendo o ensaio da reflexão para que haja o pronto desenvolvimento do estudante para o trabalho específico da autonomia. Se nesse movimento ele não construir recursos para corresponder a esse processo, agirá com suas reservas mínimas de aprendizagem”, explica.

Será gerada, com isso, ociosidade, pelo fato de o estudante não ter adquirido um ritmo significativo para aprender. “Sendo assim, os objetivos educacionais serão frustrados e relegados ao ostracismo da não aprendizagem. Isso sim gera a ansiedade. E em se tratando desse tema, diversos são os transtornos que podem impedir que o processo de ensino e aprendizagem aconteça a contento”, garante a psicopedagoga.

 

Como agir para evitar a indisciplina na escola?

É importante ressaltar que o movimento contínuo de reavaliação de regras e o respeito a elas são a base de todo convívio em sociedade. Da mesma forma que os conflitos nunca vão deixar de existir na vida em comunidade e, claro, no contexto escolar. Saber lidar com eles é que vai fazer com que você, professor, consiga trabalhar melhor. “Esperar que os pequenos, de modo espontâneo, saibam se portar perante os colegas e educadores é um engano. É abrir mão de um dever docente”, explica Luciene Tognetta, do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Unicamp.

É preciso enfatizar quais são as regras e quais são os combinados na escola. É primordial não criar objetivos que sejam impossíveis de serem cumpridos, como silêncio total durante a aula, por exemplo. Todavia, gerar práticas para não utilizarem o celular em determinados momentos é plenamente possível.

Para Mariana Ribeiro, professora de escolas municipais de São Paulo, com as normas claras os estudantes ficam sempre cientes do método de convivência, assim como do dever a ser desempenhado. “Envolver os alunos na formação de algumas regras pode também contribuir para um engajamento, pois se sentirão mais envolvidos e valorizados”, enfatiza Mariana.

Além das regras, a docente acrescenta que é importante também elaborar atividades educativas e lúdicas que ensinem os bons hábitos dentro da escola. Já do muro pra fora, é a família que deve estar alerta às atitudes. “É preciso que os pais conversem sobre o dia a dia escolar e identifiquem prováveis pontos de enlace emocionais que podem inquietar. Em casa, o estudante tem que se sentir confortável para se abrir com os responsáveis sobre seus sentimentos e opiniões em relação ao que vivenciou na escola”, pondera a professora.

Para a psicopedagoga Cristiane Guedes, no cenário atual, é necessário um suporte de toda a equipe que forma a comunidade educativa: a escola e seus mecanismos institucionais, professores e pais. “Essa união é saudável para que o jovem entenda que ele é importante. Que seu processo de crescimento é essencial também”, explica Cristiane. Para a especialista, é fundamental que se estabeleçam metas claras e eficazes para que ele compreenda sua aprendizagem como única e intransferível. “Esse processo muito irá colaborar com sua dignidade no futuro. Os jovens são o futuro”, garante.

A especialista ressalta que os cuidadores exercem a função de colaboradores, principalmente do desenvolvimento infantil. Para tanto, é necessário que eles compreendam o espaço escolar como uma etapa na vida dos estudantes. “A escola não é um lugar de educação específica, como hábitos, regras de convivência e respeito. Essas estruturas da personalidade são de responsabilidade dos pais e cuidadores e é com elas que os alunos vão interagir na escola. Considero intransferível. Para tanto, é importante entender que cada um na sociedade tem sua função na formação do indivíduo”, afirma a psicopedagoga.

 

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Por Antônia Lúcia, Jéssica Almeida e Richard Günter
Fontes: Lei de Diretrizes e Bases | Estatuto da Criança e do Adolescente | Escola em Movimento | Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) | Teaching and Learning Internacional Survey | Fundação Carlos Chagas | Fundação Victor Civita | Ibope | Nova Escola

 

 


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