Todo dia é dia da consciência negra


Projeto leva alunos a um posicionamento mais crítico, frente à realidade social em que vivem, a fim de recuperar a verdadeira memória histórica desempenhada por africanos livres, escravizados e afrodescendentes, na formação da sociedade brasileira

Que 20 de novembro é a data em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra todos sabem. Mas vários educadores alertam que isso não é suficiente para manter acesa a chama da igualdade racial. Para eles, se faz necessário que o tema permaneça em pauta ao longo do ano, tornando acessível – seja no ambiente acadêmico ou fora dele – a pluralidade e a potência do pensamento negro brasileiro. Em Belford Roxo, no Colégio Estadual Bairro Nova Aurora, os professores Lucivaldo Dias, de Geografia, e Eduardo Alves, de Sociologia, coordenam um trabalho exemplar que destaca a importância da raça negra na história do país. Esse trabalho resultou no projeto Consciência Negra – o Brasil e suas diversidades, que contou com a participação de alunos do 3º ano do Ensino Médio.

O projeto toma como base a Lei 10.639/03, que propõe diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Em sala de aula, os professores propõem atividades e promovem debates que provocam a reflexão a respeito de fatos históricos que demonstram o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros nacional.

Os estudantes participaram de atividades que provocam a reflexão a respeito de fatos históricos que demonstram o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros

Segundo o professor Lucivaldo, os objetivos do projeto são: levar o aluno a identificar e conhecer as especificidades da cultura afro-brasileira, reconhecendo as diferenças nas vivências humanas, presentes na sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço, aceitando as diferenças, nos planos social e étnico-racial; trazer à tona discussões provocantes, por meio de rodas de conversas, para um posicionamento mais crítico, frente à realidade social em que vivemos; e recuperar a memória histórica, revisando o papel desempenhado por africanos livres, escravizados e afrodescendentes, na formação da sociedade brasileira, resgatando e valorizando a raça negra como um dos fatores de construção da cultura brasileira. “Após 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, ainda existe muita discriminação sofrida pelos negros. Com este trabalho esperamos que a conscientização quanto aos valores do ser humano ultrapasse as fronteiras da violência, do preconceito e do racismo”, justifica.

O professor Eduardo destaca a forma como o projeto instigou o aluno a contextualizar fatos e compreender que ele é um ser atemporal e, por essa razão, precisa estar ciente de que muito do que ele vive hoje é resultado de um passado. “Sob o ponto de vista da Sociologia, é importante discutir temas que dizem respeito à própria evolução da sociedade brasileira. À medida que o aluno traça uma linha do tempo, ele analisa acontecimentos marcantes e suas consequências nos dias atuais. Também descobrem vários personagens afrodescendentes importantes, responsáveis por grandes conquistas, mas de que até mesmo nossos alunos negros e negras nunca tinham ouvido falar. Agora, já os conhecem e passaram a compreender que fazem parte da própria história”, complementa.

Foi montado um estande com livros literários e didáticos que abordam a temática racial

Três turmas se envolveram no projeto. A 3.001 abordou a religiosidade, como explica o professor Eduardo: “As religiões de matriz africana foram incorporadas à cultura brasileira desde quando os primeiros escravizados desembarcaram no país e encontraram em sua prática uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África. A lei 10.639 abre a oportunidade de desconstrução de certos preconceitos contra a cultura do outro. Ajuda a entender que ela não pode ser criminalizada, pois é o gene da formação da identidade social. Eu não posso olhar o outro e julgá-lo por aspectos da sua cultura. O Brasil tem o seu tecido social construído em cima de matrizes religiosas bem distintas. Por isso, é preciso questionar por que muitas não admitem que outras pessoas tenham o direito de manifestar a sua religiosidade?”, indaga.

Daniel Gustavo é um dos alunos da turma que enfocou as religiões africanas. Para ele, que é praticante de uma religião dessa matriz, o projeto ajuda a quebrar barreiras: “Mostrar a diversidade religiosa é fundamental para que cada indivíduo aprenda a respeitar a religião do próximo e todos possam viver em harmonia”. Já a aluna Anny Caroline teve o primeiro contato com as religiões afro: “Eu não conhecia nada, mas agora passei a compreender a representatividade de cada cerimônia que os praticantes realizam. O importante é não julgar e respeitar as crenças de cada pessoa”.

A turma 3.002 abordou a história de personalidades negras de vários períodos da história do país. Uma delas foi José do Patrocínio, figura importante nos movimentos Abolicionista e Republicano no país. Outra personalidade selecionada pelos alunos foi Luís Gama, um dos raros intelectuais negros no Brasil escravocrata do século XIX, o único autodidata, que chegou a passar pela experiência do cativeiro. Os estudantes também destacaram João Cândido, marinheiro que liderou a Revolta da Chibata, motim ocorrido no início do século XX, em protesto à prática de maus-tratos por oficiais navais brancos ao punir marinheiros afro-brasileiros. O movimento vitorioso pôs um fim aos castigos corporais, mas João foi expulso da marinha. A turma também evidenciou personagens contemporâneos como a atriz Zezé Motta e a ativista Marielle Franco. Também foi montado um estande com livros literários e didáticos que abordam a temática racial.

A turma 3.003 apresentou dados estatísticos e elaborou esquetes retratando cenas do cotidiano que denotam atitudes racistas. “Nem sempre é através da agressão física ou de ofensas que o racismo aparece. No dia a dia das pessoas negras, ele surge em momentos sutis, situações discretas, mas que são fortes o suficiente para aumentar a sua exclusão. Por isso, resolvemos provocar uma reflexão através de encenações. Em uma delas, mostramos a discriminação que acontece numa relação profissional com uma executiva negra. Em outro, dois policiais tomam uma atitude preconceituosa e provocam a morte de um jovem negro”, relata a aluna Graziele Lima.

De acordo com Fernanda Boechat, diretora adjunta, o projeto atingiu seus objetivos, ao instigar o senso crítico do aluno. “A nossa escola sempre trabalha com projetos ao longo do ano e este, em que o foco foi a valorização da consciência negra, envolveu os estudantes de uma forma muito especial, fazendo com que eles se empenhassem e participassem com entusiasmo”, afirma. O diretor-geral do colégio, professor Charles Aleixo, complementa: “É sempre importante a escola tomar essas iniciativas. A partir da identificação dessas representações históricas e culturais eles conhecem um pouco das suas origens. Infelizmente, a nossa educação não prioriza a valorização das grandes figuras históricas, personagens que fizeram a diferença. Por isso, um trabalho como esse traz essa possibilidade de o aluno resgatar o passado e conhecer a própria história.

A turma 3.002 abordou a história de personalidades negras de vários períodos da história do país. Uma delas foi a ativista Marielle Franco

Para o professor Lucivaldo, o mais importante do projeto é que os alunos coloquem em prática o que aprenderam. “Que cada um, já conscientizado do seu papel na sociedade, seja um agente transformador, um indivíduo pleno, dotado de todas as potencialidades”. O professor Eduardo espera que o trabalho tenha feito com que cada jovem seja mais crítico e reflexivo. “Ao elaborarmos essa atividade, objetivamos estimular esses estudantes a projetarem para o futuro o que eles imaginam enquanto sujeitos. Que cada um tenha a consciência de batalhar por um país melhor, com ampla diversidade, mas que possa questionar as desigualdades. E que tudo que foi trabalhado vá além das paredes da escola, que não é apenas uma construção de concreto e tijolo, mas uma edificação de ideias. Que ao sair daqui levem toda essa bagagem como arcabouço para o seu futuro”.


Por Tony Carvalho
Colégio Estadual Bairro Nova Aurora
Rua Tomás, s/nº – Nova Aurora – Belford Roxo/RJ
CEP: 26155-580
Tel.: (21) 2661-3003
E-mail: cebnarj@yahoo.com.br
Diretor-geral: Charles Aleixo
Fotos: Tony Carvalho


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