Pessoas querendo aprender, alguém disposto a ajudar


“Professor” dedica quatro horas do seu dia para ensinar quem tem dificuldades na área das disciplinas de exatas

 

Já imaginou chegar numa praça pública e se deparar com um professor disposto a tirar suas dúvidas de física e matemática sem ter que pagar nada? Para muitas pessoas pode parecer até uma história de filme. Mas se você passar na Praça Compositor Mauro Duarte em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, verá que o caso é legítimo. E mais, é uma atitude repleta de dedicação e solidariedade.

Se revezando entre meia dúzia de mesas de concreto, o engenheiro de formação Silvério Morón explica como resolver as questões de cálculos. Os olhares dos alunos são de apreensão. “Como se multiplicam números e letras entre colchetes?”, dispara um dos estudantes. Mas logo o sorriso se abre na face deles, ao conseguirem desenvolver a conta com a metodologia didática de Morón.

Em março de 2018, ele viralizou nas redes sociais após ser fotografado dando aula nesta praça. Atualmente, a foto já tem quase 50 mil compartilhamentos e 30 mil curtidas no Facebook. “Eu fiquei alguns dias sentado aqui, mas ninguém veio. Até que apareceu o primeiro aluno e nos fotografaram”, conta o engenheiro aposentado, que está surpreso com a repercussão e não imaginava que a foto que circula nas redes sociais tinha alcançado tanta gente. No primeiro dia, Morón se sentou à mesa da praça com uma folha de papel anunciando que estava lá para tirar dúvidas de física e matemática. A ideia de fazer o trabalho voluntário surgiu da vontade de motivar alunos com dificuldades.

Antes de se dedicar às aulas na praça, o “professor” atravessava o local todos os dias. E certa vez pensou: “Que praça bonita! O nível da nossa educação está muito baixo, ano que vem quero tirar um tempo livre e vir pra cá dar aula de graça”, conta entusiasmado. Um tempo depois, fez a placa escrevendo “tiro dúvidas de matemática e física”. “Utilizei a palavra mágica ‘grátis’ e vim para a praça”, revela Silvério, que esperou quatro dias até aparecer o primeiro aluno, o estudante Márcio de Almeida. “Ele estava pensando em trancar a faculdade de Engenharia porque tinha dificuldade em cálculo. Vou dar aulas para ele até o final do curso. Foi um presente para mim”, conta emocionado.

Morón não tem licenciatura, mas dá aulas particulares há 14 anos e diz ter se encontrado na profissão. Ele fica esperando por alunos de segunda a sexta, das 11 às 14 horas, período em que o local fica movimentado. Além de Márcio, o professor conta que a procura por suas aulas vão de jovens de 12 anos até idosos de 75. No dia da cobertura desta matéria, uma mãe passou pela praça buscando informações sobre a aula, pois seu intuito era tirar as dúvidas de seu filho, que é deficiente visual e tem sentido dificuldade na área das exatas. “Meu filho é cego, estuda numa escola pública para pessoas nessa situação, mas ele reclama bastante que não consegue entender matemática. Principalmente agora que está aprendendo a multiplicar. Ele tem só 9 anos, mas já acho importante buscar um reforço”, afirma dona Adriana Souto. Muito solícito e surpreso, Morón prontamente marcou em sua agenda o melhor horário para atendê-lo. “Há cada dia me surpreendo, pois aparecem alunos de todas as idades. E será uma alegria auxiliar este estudante com deficiência visual, ensinar é o meu maior prazer. A cada exercício que eles acertam abrem um sorriso, e o sorriso deles é o do meu coração”, ratifica.

Fábio Ferreira acordou cedinho para chegar às onze horas da manhã na praça. Ele mora em Mesquita, na Baixada Fluminense, e estava prestes a realizar uma prova seletiva para uma empresa de construção de helicópteros. E viu nas aulas gratuitas de Morón a chance de mandar bem nos cálculos, já que tem peso dois na avaliação. “Eu moro longe, mas isso não me intimidou a vir aqui. Eu quero muito passar nessa entrevista e garantir esse emprego. Mas pra isso preciso melhorar na matemática”, diz o rapaz entusiasmado com a aula na praça.

Já Maria Domingas, que mora na Tijuca, conheceu o “professor” assistindo televisão e resolveu tirar um tempinho no seu dia a dia para aprimorar seus conhecimentos nas disciplinas. “Confesso que não sei nada de matemática, tampouco de física. Morón é um excelente professor, ele tem muita paciência para explicar, é bastante didático. Quero sair daqui craque!”, fala dona Maria aos risos. Ela também destaca que aulas particulares costumam ser caras e não tão eficazes. “Às vezes a gente paga uma grana alta e não aprende quase nada. Aqui o tempo é muito bem aproveitado e saímos todo dia com algum aprendizado novo”, pondera a aluna que pretende frequentar diariamente as aulas.

Além de motivar os alunos a estudarem e a gostarem de matemática e física, Morón quer estimular outras pessoas a irem para a rua passar conhecimento para quem precisa. Segundo o professor, a melhora do nível de educação está ligada à diminuição da violência. “Se elevarmos o patamar de educação das pessoas, a violência vai baixar. Senti uma resposta superpositiva nesse projeto. Quero pessoas da mesma faixa etária que eu para ajudar. Não precisa ser professor aposentado, pode simplesmente adotar um aluno para ensinar qualquer coisa. Uma pessoa não faz diferença, mas mil ou um milhão ensinando e um milhão aprendendo já são dois milhões. E se aparecerem cada vez mais estudantes aqui, nós vamos ampliando o espaço, vamos nos espalhando. Quero essa praça cheia”, revela o professor Morón. O engenheiro aposentado ainda diz que a meta dele é ficar até dezembro dando aulas de segunda a sexta na praça, e que se precisar vai continuar por muito mais tempo.


Por Richard Günter

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