Quem não torce pra seleção brasileira?


Quando você ler esse texto, ou a seleção brasileira já estará arrumando as malas para deixar a Rússia ou então o país todo vai estar na expectativa da proximidade de mais um título mundial. Eu, como brasileiro, prefiro obviamente a segunda hipótese. E quem observar com calma vai perceber que, mesmo com aquilo que o Brasil apresentou até agora, o interesse da população é bem maior do que era pouco antes da copa, quando o país parecia apático diante da sua maior paixão popular.

As justificativas pra isso eram mais que conhecidas: a crise político-econômica, a falta de identificação com o time, a possibilidade de um bom êxito em campo dar uma falsa sensação de melhora etc., ou seja, aquilo que se ouve pelas esquinas do país. Mas se voltarmos um pouco na história dos mundiais, vamos perceber que isso não é um fenômeno de hoje. Pode-se até talvez dizer que se trata de uma maneira bem brasileira de se relacionar com as coisas nacionais.

Um bom exemplo foi a seleção de 1970, uma das mais reconhecidas de todos os tempos. Na época o país vivia sob um governo militar que dividia as opiniões da população. Para alguns existia o temor de que a conquista do tricampeonato pudesse ser usada para exaltar o sucesso do regime. Por isso, muitos daqueles que partilhavam dessa posição resolveram não torcer para a seleção brasileira. Conforme mostram muitas narrativas daqueles anos, na maior parte dos casos a resistência foi sendo quebrada à medida que a seleção avançava nos resultados. A sedução imposta pela excelência do futebol de Pelé, Gerson, Rivelino e companhia foi aos poucos unindo extremos e promovendo tréguas improváveis em torno do sucesso que afinal de contas era de todo o país.

O tetracampeonato de 1994 também foi recheado de discussões a respeito do cenário político da época. Como era um ano de eleição presidencial, apenas a segunda depois do retorno à democracia, muita gente enxergava uma relação entre o que aconteceria no campo e nas urnas. Mas a própria história se encarregaria de esvaziar esse discurso, pois o presidente eleito na ocasião, FHC, se reelegeu, mas, quatro anos depois, não fez o seu sucessor, perdendo inclusive para a oposição, com a vitória de Lula. Uma marcha de acontecimentos que mostra que política e futebol são duas coisas bem diferentes no imaginário nacional. Consequentemente, não faz sentido deixar de torcer pelo Brasil, achando que o resultado vai extrapolar a esfera esportiva e decidir os destinos do país.

Uma outra causa que leva muita gente a decidir boicotar a seleção brasileira vem do próprio mundo do futebol: a suposta desorganização e corrupção dos cartolas e instituições esportivas, que desarticulam os clubes brasileiros, com reflexos na preparação e condução da seleção. Basta ficarmos um tempo maior sem conquistas de expressão para a opinião pública – com toda razão, diga-se de passagem – se revoltar contra a forma quase sempre questionável dos nossos dirigentes agirem. É como se não torcer pra seleção fosse uma forma de se declarar não participante de todas essas atitudes supostamente antiéticas.

Mas basta uma seleção de talento esboçar a conquista de mais um título, como ocorreu com a seleção de 1994, para que essas teses sejam lançadas por água abaixo. Afinal, nem a incompetência nem o caráter duvidoso de nossos cartolas foram até agora capazes de parar o talento brasileiro. E por outro lado, a organização e a transparência que nós costumamos atribuir a europeus e asiáticos, por exemplo, não fazem deles reis do talento, nem lhes dão hegemonia sobre o futebol mundial. Necessidade de aperfeiçoar as instituições brasileiras à parte, o fato é que todos esses males parecem desaparecer diante do sucesso da nossa seleção.

Nos dias atuais se fala muito do lado milionário do futebol, sugerindo que nossos atletas sejam todos mercenários, que em nada se identificam com a nossa atual realidade (até porque quase todos vivem fora do país) e que portanto não têm motivos para se dedicar à seleção brasileira. Mas essas falas esquecem que praticamente todos os grandes jogadores brasileiros são de origem humilde, pertenceram às menos prestigiadas classes sociais do país e não há motivo para que não se contagiem do clima de envolvimento que toma todo o Brasil.

É quando a seleção nacional progride numa copa e mostra que pode colocar o Brasil no topo do mundo, que nós vamos acordar para o fato de que ficar rico trabalhando não é crime e que a riqueza ou a pobreza não faz de ninguém mais ou menos patriota. Então esquecemos as disparidades econômicas e as diferenças sociais e culturais, passando a considerar nossos garotos em campo como verdadeiros heróis nacionais. Aliás, cabe mencionar que o que eles ganham para defender a seleção é quase sempre muito menos do que eles recebem de seus clubes. Ou seja, sob certo ponto de vista arriscam a integridade de suas carreiras (e talvez até o seu próprio instrumento de trabalho) para defender as cores do país.

Contrariando a aparente indiferença que parecia predominar nas semanas que antecederam a copa, muita gente já tirou a armadura dos problemas do país e suas convicções éticas e se rendeu à seleção de Tite, que ao que aparece vai melhorando jogo a jogo. Assim, se ao ler essa crônica você se sentir ainda mais estimulado a torcer pelo Brasil na Rússia, não se intimide e não se ache um alienado por causa disso. Você é apenas um brasileiro típico, que tem paixão por futebol e que no fundo sabe como é bom saber que o mundo inteiro admira o seu país, ainda que por algum tempo.

Ah, e se o Brasil já tiver sido eliminado, chore, brigue e culpe a arbitragem. Não se reprima em expressar os sentimentos. Eles também fazem parte do show. O futebol, o hexa, a seleção brasileira vencedora, nada disso vai resolver de imediato os nossos problemas, mas se há um caminho para que as coisas melhorem ele necessariamente vai passar pela união. E taí uma coisa que o futebol verde e amarelo sempre soube fazer.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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