
Entra ano, sai ano e sua turma sempre apresenta dificuldade em geometria? O problema pode estar no modo como você começa a tratar o tema. Definir um quadrado ou um círculo parece o meio mais simples de introduzir o conteúdo para classes de 1.ª a 4.ª série. No entanto, esses são conceitos abstratos. Duvida? É só olhar à sua volta para perceber que o mundo é tridimensional – tudo tem comprimento, largura e altura. Por isso, as figuras achatadas, desenhadas
no livro, num primeiro momento não fazem sentido para a garotada. Já os brinquedos que têm peças em forma de cubos e pirâmides são um material e tanto para entrar no ambiente da geometria sem susto.
“Ao manipular e representar as figuras espaciais, o aluno percebe a figura bidimensional”, diz Maria Sueli Monteiro, selecionadora do Prêmio Victor Civita. Isso fica claro quando ele apóia um cubo em um papel e o contorna com o lápis. O desenho que se forma, ou seja, o quadrado, é apenas uma das superfícies. Por isso, é possível trabalhar ao mesmo tempo a geometria plana – com suas figuras bidimensionais, como quadrados e círculos – e a espacial – com cubos e cilindros.

Dá certo misturar geometria plana e espacial
“Desde que haja equilíbrio, não há problema em explorar simultaneamente a geometria bi e a tridimensional”, diz Antônio José Lopes Bigode, consultor em educação matemática, de São Paulo. “Afinal, as crianças vêem e se deslocam no tridimensional, mas representam isso em seus desenhos bidimensionais.”
Adlai Detoni, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, realizou pesquisa sobre o tema para sua tese de doutorado. Durante uma atividade, deu a garotos de 5 anos um grande elástico unido pelas pontas. O grupo entrava no elástico para compor polígonos. Se a brincadeira incluísse um trio, por exemplo, formava-se um triângulo. “Eles perceberam que quanto mais gente entrava no elástico, mais redonda ficava a forma dele”. Detoni aposta na informalidade. “O rigor complica o ensino da Matemática”, diz. “Quem vive a geometria de forma lúdica ganha prazer e produz conhecimento – em vez de colecionar conceitos.”
O entendimento do tema se dá por etapas. Há níveis de conhecimento e é preciso passar por eles até assimilar os conceitos. A idéia está contida no modelo Van Hiele de desenvolvimento do pensamento geométrico, criado pelos holandeses Dina e Pierre Marie Van Hiele. Por volta de 1957, eles foram a campo para responder à questão: por que os estudantes entendem tão pouco de geometria? Após 27 anos de pesquisa, eles dividiram o conhecimento geométrico em cinco níveis de compreensão hierarquizados: não se atinge um sem dominar os anteriores.
O primeiro nível é de visualização (ou tato, no caso de cegos) e consiste em identificar as formas geométricas. Se for bem trabalhado, o aluno passa para o segundo, em que reconhecerá as figuras, independentemente de elas surgirem como são representadas no livro. Caso o quadrado, por exemplo, apareça “equilibrado” em uma de suas pontas, ele não será confundido com um losango. Esse passo se dá à medida que as propriedades das formas são aprendidas. Para
isso, os sólidos geométricos industrializados ou feitos de papel são ideais.
Detalhes são importantes na hora de passar para o papel
O estudante precisa ter liberdade para classificar os sólidos geométricos de acordo com o que mais lhe chama a atenção. Por exemplo, o grupo dos “pontudos” e dos “que rolam”. Depois que a classe concluiu essa etapa, Sueli recomenda perguntar se há outras maneiras de organizar os grupos. Assim, a garotada é convidada a observar as faces, as bases e os ângulos dos objetos. E, depois, a procurar representá-los no papel vistos de cima, de baixo e de lado.
Tendo a oportunidade de analisar, comparar e pensar, o aluno chega naturalmente às convenções geométricas. Esse tenham várias opções à mão. Uma lata de molho de tomate
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tipo de atividade, mais comum nas classes iniciais, deve fazer parte também da rotina dos mais velhos, que não passaram pelo primeiro nível de Van Hiele. “Não adianta, na 5.ª série, falar de volume se o estudante não visualiza a figura espacial”, explica Sueli. Enfim, se os sólidos são bem trabalhados desde as séries iniciais, ele descobre – por observação própria! – que um cubo é formado por seis faces, doze arestas e oito vértices. O que é completamente diferente de decorar suas propriedades.
Atividades para a turma toda “ser promovida”
Abaixo, você confere três atividades sugeridas pelos nossos consultores, de acordo com a teoria de Van Hiele.
Primeiro nível
Colcha de retalhos
Para trabalhar figuras planas, peça para as crianças desenharem uma moldura em uma folha de papel sulfite e, dentro dela, fazer nove pontos aleatoriamente.
Em seguida, elas traçam retas unindo dois
pontos de cada vez. A imagem formada por
triângulos, trapézios, retângulos etc. se
parecerá com uma colcha de retalhos.
O próximo passo é colorir as formas. É de se esperar que os alunos não saibam o nome de todas e perguntem, por exemplo: como se chama esta figura que tem seis lados?
A inversão da dinâmica aumenta as chances de a turma se familiarizar com a nomenclatura das figuras geométricas.

Surpresa das sombras
Para unir a geometria plana e a espacial, diga para os estudantes encontrarem um objeto cuja sombra (projeção) seja uma circunferência ou um retângulo. O ideal é que eles satisfaz às condições do problema. Se a luz incidir em cima dela, a sombra formada será a de um círculo. Se o foco estiver na lateral, a sombra será retangular.
Depois, inverte-se o desafio: quais as sombras obtidas de um cone?
Segundo nível
Um detetive, como Sherlock
O objetivo é levar a turma a observar semelhanças e diferenças entre formas
tridimensionais e bidimensionais por meio da manipulação, da construção e da
representação. Providencie bastante sucata e deixe
todos explorarem os materiais para perceberem
semelhanças e diferenças entre as formas. Assim,
eles vão reconhecer as propriedades dos objetos.
Depois, leve a turma a descrever um deles por
meio de pistas: uma criança sai da sala e as
outras escolhem o que vai ser identificado por
ela. É importante que as pistas sejam voltadas
para como o objeto se parece, e não para
sua função.
Obs.: Matéria cedida pela Revista Nova Escola.
(Edição n.º 180 – março/2005)
Colaboração: Raquel Ribeiro
Ilustrações: Patricia Rocha |