Por Jaciara Moreira

Na Escola Municipal Honorino Coutinho, localizada em Morro Grande, 2.º distrito de Araruama (RJ), todo dia é dia de índio. Situada em uma região onde viveram os Tupinambás, a unidade abriga o segundo maior e o mais antigo Sítio Arqueológico Cerâmico da tribo no Brasil, datado do século III d.C.
As referências aos índios estão por toda parte: nos fragmentos de urnas funerárias e de utensílios deixado pelos Tupinambás; na reserva ecológica com sala de aula ao ar livre; na Casa de Farinha; na réplica de uma oca em tamanho natural e no projeto político-pedagógico da instituição. Além de cumprir com o conteúdo das disciplinas tradicionais e de contar com salas de informática, a escola tem a preocupação de resgatar, entre os alunos, as tradições indígenas.“O referencial que aquele povo deixou para nós é muito forte. Por isso, tudo o que a gente trabalha com os nossos alunos tem como carro-chefe a cultura Tupinambá”, afirma a orientadora pedagógica Maria José da Conceição.

Este ano, por exemplo, será discutido o tema Higiene e Saúde, que entra­rá como uma espécie de subprojeto dentro da proposta de resgate da cultura indígena. De acordo com a orientadora, serão elaboradas diferentes atividades para levar aos alunos não só informações sobre os diversos tipos de doenças e epidemias que afetam o homem atualmente como também sobre medicamentos, cuidados com o corpo e limpeza dos ambientes. Todas as atividades, no entanto, terão um ponto em comum: o paralelismo com a medicina, os hábitos e os costumes dos índios.

“Nós não podemos deixar de lado os temas atuais, os debates que fazem parte do nosso cotidiano, mas temos que fazer de tudo para preservar a nossa história”, ressalta Maria José. A culminância do projeto ainda não foi definida, mas pode resultar em mais um monumento aos antigos habitantes da região, como aconteceu nos anos letivos de 2003 e 2004. No primeiro, foi construída, no terreno da escola, a réplica de uma oca original, em alusão ao tipo de moradia dos Tupinambás. Lá estão guardados os fragmentos cerâmicos e partes de urnas funerárias encon­tradas durante a escavação do solo para a construção do colégio, em 1985.

Um ano depois, um projeto sobre Alimentação levou os alunos de 5.ª a 8.ª série a pesquisar os hábitos alimentares daquela região. Com isso, os discentes descobriram que, por ali, havia vários engenhos que produziam farinha a partir da mandioca, muito usada pelos índios. Daí, então, surgiu a idéia de construir, na escola, a Casa de Farinha. Em estuque (ou pau-a-pique), a casa foi erguida com a ajuda de professores, alunos e pais, num ritual semelhante ao adotado pelos antigos habitantes.

Diz a tradição que o embarreio (ato de encher com barro os intervalos de uma parede de estuque) representava um momento de confraternização comunitária. Os habitantes da localidade reuniam-se para executar o trabalho e, no final, o dono da casa oferecia uma leitoa assada com farofa de urucum e cachaça aos participantes. Assim, estreitavam-se os laços de amizade e cooperação entre os moradores das áreas rurais. No caso da Casa de Farinha da Honorino Coutinho, a obra serviu para fortalecer os vínculos entre escola e comunidade.

Arte

A Casa da Farinha costuma funcionar em datas especiais, como 19 de abril. Mesmo celebrando a cultura indígena todos os dias, a direção prepara uma programação especial para o Dia do Índio, com danças, apresentações teatrais e exposições. “Nessa época, costumamos também convidar alguém da comunidade que saiba fazer farinha para dar uma demonstração aos nossos convidados”, conta o diretor-geral Odílio Fabrício Filho.

Os trabalhos desenvolvidos pela escola também têm muito de artesanato. Duas vezes por semana, os alunos são levados para a sala de arte, onde aprendem a fazer colares, pulseiras, brincos, quadros e objetos de decoração com materiais encontrados na própria região: sementes, fibra de bananeiras, galhos de árvores, pedaços de madeira etc. Além de enriquecer o conteúdo do que é ensinado em sala de aula, as peças são colocadas à venda e revertidas em renda para os alunos.

A escola mantém ainda criação de animais, uma horta e um pomar, que também ajudam a contar um pouco da história da cidade. Entre as espécies, destacam-se as laranjeiras, uma vez que Araruama já foi o segundo maior produtor de laranjas do Estado do Rio de Janeiro. A manutenção das plantas e hortaliças é feita pelos alunos sob a orientação do professor da disciplina Projeto Agrícola. “Este ano, todas as nossas árvores e plantas serão identificadas com nome científico e popular”, adianta a professora e orientadora pedagógica Renata Pires de Mendonça.

E plantas não faltam na Honorino Coutinho. Em suas dependências, existe até uma reserva ecológica, com sala de aula ao ar livre e mudas de pau-brasil. Há quatro anos, a área da reserva não passava de um matagal que servia de depósito de lixo. Unidos, professores e alunos limparam o local, prepararam o solo e fizeram o replantio. “A todos os visitantes que chegavam aqui pedíamos uma muda de planta para a reserva”, lembra Renata.

Hoje, o espaço é um dos mais disputados da escola, principalmente nos dias de calor. A maior atração é a sala de aula ecológica. Montada sob um arboreto, com quadro negro protegido por um telhadinho de palha, ela pode ser usada, diariamente, por todas as turmas e professores, mas a concorrência é tão grande que o interessado precisa fazer um agendamento prévio. Como são cerca de 950 estudantes, qualquer sombra de árvore pode, de repente, se transformar numa bela e arejada sala de aula.

“Os alunos adoram assistir às aulas ao ar livre e os professores já entraram no clima. Até os que estão chegando este ano já aderiram a idéia. Tem sempre alguém debaixo de uma árvore”, se diverte Maria José. “Isso é ótimo, é mais uma forma de explorar a natureza”, completa.

Com tantas atrações, a Escola Municipal Honorino Coutinho faz parte do roteiro de Turismo Rural de Araruama. As visitas são guiadas por alunos da própria instituição que fazem parte do projeto Jovem Cidadão, criado pela prefeitura. O grupo de guias-mirins é coordenado por Felipe de Oliveira, 18 anos, aluno do 1.º ano do Ensino Médio e ex-participante do projeto. Hoje, guia contratado da escola, ele orienta os colegas mais jovens e orgulha-se de contar aos visitantes a história que aprendeu desde menino.

“Comecei a estudar aqui com uns nove anos. Na época, muitos pesquisadores vinham estudar o sítio arqueológico e aquilo despertava a minha curiosidade. Ficava, de longe, observando tudo. Acho que me sentia como um índio, vendo os brancos chegarem à minha terra. Hoje, tenho a maior satisfação de estar aqui contando essas histórias para as pessoas e matando a curiosidade delas”, afirma Felipe.

A visitação é gratuita e está aberta ao público de segunda a domingo, inclusive feriados, das 8h às 12h e das 13h às 17h. Os grupos interessados podem optar pela visita com café da manhã da roça. Nesse caso, será cobrada uma contribuição, cujo valor será acertado no ato da reserva. Informações: (22) 2673-0474.


Escola Municipal Honorino Coutinho
End.: Praça de Morro Grande, s/n.º – Morro Grande – Araruama /RJ. CEP.: 28970-000
Tel.: (22) 2673-0474
Orientadora pedagógica: Maria José da Conceição
Fotos cedidas pela escola.