Chocolate, balas e bombons – alimentos que os dentistas querem manter distantes de seus pacientes

No Brasil, as preocupações se justificam ainda mais por conta das nossas disparidades. Ao mesmo tempo em que somos um dos dez países com maior prevalência de cárie, somos também o segundo produtor mundial de balas, caramelos e confeitos.

Entretanto, há dados ainda mais alarmantes relacionados com a saúde oral dos brasileiros, como lembra o professor Urubatan Medeiros, coordenador da pós-graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo estimativas, cada brasileiro consome cerca de 60 kg de açúcar por ano, o que equivale a um quilo a cada semana. “É impossível não relacionar o alto consu­mo de açúcar com a precariedade da saúde oral no Brasil”, diz ele.

A opinião do professor Urubatan, unânime entre os dentistas, não é a mesma daquela que vem sendo divulgada pelo Internacional Office of Cocoa, Chocolate and Sugar Confectionery (IOCCC), representado, na América Latina, pela Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicap), com sede em São Paulo. Segundo o IOCCC, que tem sede em Bruxelas, na Bélgica, não há evidência científica para afirmar que balas e doces sejam a causa principal da cárie dentária.

Para confirmar essa posição no Brasil, a Abicap traduz e divulga alguns trabalhos científicos sobre o assunto realizados em outros países. Um deles, sobre a cárie dentária, relata conclusões de pesquisas e estudos epidemiológicos recentes realizados no Reino Unido, Estados Unidos, Espanha e Nova Zelândia. Esses estudos demonstraram que, tanto em crianças quanto em adultos, o total de todos os fatores alimentares examinados (quantidade de carboidratos, tipo e freqüência) era responsável por apenas um aumento muito pequeno da incidência da cárie. Os fatores alimentares, embora estatisticamente significativos, eram clinicamente insignificantes, pois eram anulados pelos efeitos do flúor e programas de higiene oral.

Em função disso, os profissionais da área de Odontologia começaram a mudar suas orientações aos pacientes, segundo o artigo. A antiga recomendação de evitar comer guloseimas foi perdendo o sentido, à medida que os estudos verificaram que, no mesmo período em que a incidência de cárie havia diminuído, o consumo de açúcar havia aumentado ou se mantido igual.

O artigo cita, inclusive, um modelo experimental desenvolvido nos Estados Unidos e nos Países Baixos, que simula o que ocorre na boca humana, alternando períodos de desmineralização e remineralização. O modelo foi utilizado para imitar as experiências de ingestão de alimentos pelos seres humanos ao longo de um período de 24 horas e demonstrou o poder do flúor em neutralizar os efeitos dos lanches freqüentes.

Realidades diferentes

A informação de que, em alguns países, ocorreu um aumento do consumo de açúcares sem o respectivo aumento de ocorrência de lesões cariosas é reconhecida pelos dentistas brasileiros. No entanto, esses resultados foram conquistados à custa de programas preventivos rígidos, que ainda não existem no Brasil. Alguns desses programas começam na gestação e acompanham o indivíduo até a idade de 19 anos, como lembra a Dr.ª Sonia Harari, professora do Departamento de Odontologia Preventiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Os programas envolvem visitas freqüentes ao dentista, de acordo com o risco individual, higienização, aplicações de flúor e retardamento da introdução de açúcares. Na Suécia, por exemplo, o programa resultou em três gerações livres da cárie”, diz Sonia, que é ainda pesquisadora da Unigranrio.
A relação entre consumo de açúcares e cavidades cariosas é também muito bem documentada na literatura científica, inclusive em interessantes estudos realizados na época da II Guerra Mundial, que comparam a saúde oral de alguns povos antes e depois do contato com a alimentação “civilizada”.

“Uma recente tese de mestrado da UFF, realizada pela professora Luciana Bastos, mostrou que, em Bom Jesus, cidade fluminense de economia canavieira, os escolares de 6 a 12 anos apresentam um CPO-D de 6,5 contra 2,1 ou 1,6 de outras regiões do Estado do Rio de Janeiro”, conta a Dr.ª Sonia.

São, portanto, muito diferentes as realidades do Brasil e dos países citados pelos artigos do IOCCC e ainda há muito o que fazer até que o consumo de açúcar deixe de ser um fator importante para a prevalência da doença cárie entre nós. Como é impossível negar a importância do açúcar na nossa cultura, o ideal é enfatizar as recomendações de higiene oral em épocas como a Páscoa e em todos os eventos que envolvam maior consumo de açúcar.

“As mães devem ser orientadas a esco­var os dentes das crianças não apenas depois, mas também antes de comer doces, para desorganizar a placa bacteriana. Outra recomendação importante é evitar esses alimentos até três horas antes de dormir, para não favorecer o surgimento da cárie”, diz a Dr.ª Sonia.


Colaboração: Lúcia Seixas
Fonte: www.medcenter.com.br
Ilustrações: Luiz Cláudio