Trabalho convida pais a participar do cotidiano escolar das criancas

Por Cláudia Sanches

“Tia, eu vou levar a Gabriela pra casa, hoje?”, pergunta a pequena Giula. “Não, hoje ainda é quinta e, além do mais, ela já esteve em sua casa”, explica a professora. Na mesma hora, o menino Horácio reclama: “Tia, eu não levei a Gabriela ainda”. É sempre assim quando se aproxima o fim da semana na Escola Municipal Maurício Cardoso, localizada no Engenho de Dentro. Alvoroçados, os alunos querem saber quem vai levar a boneca de pano confeccionada para circular em rodízio na casa das crianças da pré-escola.

De acordo com a professora Denise Glória Pereira, autora do projeto Gabriela na minha casa, o trabalho nasceu com o objetivo de aproximar a família da vida escolar. A boneca de pano vai toda sexta-feira para a casa de um aluno e retorna na segunda. Para Denise, um dos maiores desafios é fazer os responsáveis participarem, devido à falta de tempo ou de consciência de seu envolvimento no processo de aprendizagem.

Para confeccionar o brinquedo, o grupo utilizou recursos baratos e muita criatividade. Uma tarefa para desenvolver a expressão corporal serviu de gancho para a introdução do projeto. Um dos alunos se deitou no chão para servir de molde e a turma desenhou o contorno do corpo. A idéia era que o brinquedo fosse do tamanho natural das crianças. Os pais ganharam uma tarefa especial, já que ficaram incumbidos de levar jornal enrolado para fazer o enchimento e costurar o pano. Na sala, a professora e os alunos deram o retoque final, colocando cabelo, olhos, nariz e boca. Assim nascia Gabriela, a boneca de pano que freqüenta a casa de cada aluno e é a melhor amiga do grupo, que está junto desde 2004.

Toda sexta feira é feito um sorteio pela ficha de chamada. O sorteado leva uma bolsa colorida com o Livro da Vida, da boneca, que é a história da personagem. Na primeira página, a foto de Gabi; na segunda, a personagem está junto com a turma. Na seqüência, a certidão de nascimento da boneca, com todas as suas informações: data de nascimento, filiação e nome do hospital. Nessa fase, a professora aproveita para fazer um trabalho de resgate de identidade com as crianças, que trazem suas certidões e têm a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre sua história, reconhecendo seu papel e o lugar que ocupam na sociedade.


Pais e filhos

A criança leva o material para casa e os pais ficam incumbidos de escrever, no Livro da Vida, como foi a estada da boneca, já que as crianças ainda não dominam a escrita. O interessante, porém, é que as elas passem oralmente essas experiências enquanto os pais fazem o registro por escrito, a fim de que se promova mais essa integração. Os relatos são variados: a boneca já foi a aniversários e a festas juninas. Os alunos colocam suas próprias roupas e sapatos nela conforme a ocasião. Esse é um momento propício não só à integração com a família, mas também à formação do hábito da leitura e à preparação do aluno para a alfabetização.
O Censo de Educação Infantil 2000 e 2001 revela um grande desafio a ser enfrentado nas pré-escolas, do ponto de vista pedagógico, uma vez que 43% usam cartilha, 44% delas não utilizam qualquer material para expressão artística e, em quase 40%, não existem brinquedos, demonstrando o quanto estão orientadas pelo modelo escolar e pouco mobilizadas para a importância do brincar como forma de aprender, interagir e se desenvolver
Ao levar o livro, pede-se que os alunos deixem um registro, no caderno, sobre aquilo que eles vivenciaram, seja através de grafismo ou de escrita. Entretanto, não existe a preocupação de que eles escrevam corretamente: “Eu apenas peço aos pais ou responsáveis que não interfiram nessa criação. Não vale corrigir o que os alunos escrevem, porque o que me interessa, nesse momento, é que eles se expressem livremente”, adverte a educadora.

Outro projeto que segue paralelo é o Roda de leitura. Na sexta-feira, cinco crianças escolhem um livro e o levam para casa, numa sacola, juntamente com um brinquedo relativo ao título. “A idéia é que as crianças que não puderam levar a boneca de pano, naquele dia, fiquem com menos ciúme. Por isso, os dois projetos acontecem ao mesmo tempo”, justifica a professora.

O material segue com um caderno em que a criança também vai registrar, em forma de desenho, o que assimilou da história. O livro A Banheira de Alice, de Lúcia Pimentel Góes, por exemplo, vai acompanhado de uma banheira e de um bebê de brinquedo, e volta com o registro daquilo que a criança entendeu. Denise revela que se inspirou em um projeto de leitura divulgado pelo Jornal Educar e realizado pela Escola Municipal Marechal Hermes, localizada em Botafogo.

Em sala de aula, na segunda-feira, elas compartilham com os amigos suas experiências na primeira atividade do dia – a roda de novidades – e fortalecem os laços afetivos entre eles. Durante a realização dos projetos, outras metas foram sendo reveladas, como conhecer o universo do aluno, saber como ele vive e quais são suas oportunidades e estímulos em casa.

Para Denise, a Educação Infantil é uma experiência única na vida e, por isso, quanto mais magia e imaginação, melhor, porque a criança aproveita mais esse período, repleto de sonhos e fantasias. “Nessa fase, a criança ainda brinca muito e precisamos aproveitar isso. É maravilhoso vê-la chegando aqui, acompanhar seu crescimento, seu amadurecimento e vê-la reconhecer seu papel e o lugar que ocupa na sociedade”.


Escola Municipal Maurício Cardoso
Rua Adolfo Bergamini, 231– Engenho de Dentro – Rio de Janeiro. CEP.: 20730-000
Tel: (21) 2269-9976
Professora: Denise Glória Pereira
Ilustrações: Luiz Cláudio